Universidade sem lei, país sem conhecimento
Levar a escolha política para dentro da universidade compromete a autonomia da universidade cuja função precípua é produzir conhecimento para a sociedade

Qual o significado da medida cautelar expedida pela Ministra Carmem Lúcia neste sábado (27/10) em atendimento à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADFP) 548 da Procuradoria-Geral da República que suspendeu as ações da justiça para coibir propaganda eleitoral ilegal nas instituições de ensino do País?
Certamente não é o de evitar o suposto prejuízo causado pelo cerceamento da liberdade de manifestação e de pensamento no processo eleitoral, pois a sua fase de debates e divulgação de material dos candidatos já estava encerrada.
Não resta dúvida que a medida teve o condão de criar um fato, não jurídico, mas sim político, às vésperas do 2o turno das eleições.
Isso porque é notório que as ações da justiça eleitoral suspensas pela Ministra Carmem Lúcia incidiam sobre os partidários de um determinado candidato que continuam a utilizar espaços, recursos e cargos do serviço público, no caso, o sistema universitário, para divulgar e defender as suas ideias políticas e ideológicas.
Algo inaceitável pela razão primária de ninguém ser obrigado a pagar por alguma coisa com a qual não concorda, efetivamente, os cidadãos, eleitores e contribuintes que não comungam das ideias do referido candidato, mas têm que aceitar a vinculação dos serviços públicos que recebem às posições partidárias dos que os prestam, com todas as distorções que isso acarreta para uma democracia.
Mas para além do desrespeito às prerrogativas do cidadão, o texto da medida cautelar confunde as esferas institucionais.
O ensino público ou privado é e presta um serviço público, chancelado pelo Estado. Já a escolha política em uma eleição é prerrogativa da cidadania exercida no âmbito da representação.
Uma coisa é garantir a liberdade de informação, ensino e aprendizagem da instituição inerentemente autônoma que é a universidade, desde tempos medievais.
Outra muito diferente é levar para dentro dela o processo da escolha política que faz parte da democracia em que se coloca.
Daí ser redundante a conclusão de que levar a escolha política para dentro da universidade compromete a autonomia da universidade cuja função precípua é produzir conhecimento para a sociedade.
Para evitar tamanhos estragos, tanto na universidade como na democracia, se não fosse suficiente o alerta que Max Weber deixou em seu estudo das instituições governamentais sobre a usurpação das atribuições políticas por administradores públicos -que é o que está acontecendo em nossas universidades -é fundamental ter em conta o conceito de neutralidade axiológica que ele resumiu na pergunta:
“Tem o sábio o direito de aproveitar a autoridade adquirida em matéria puramente científica para tentar impor seus pontos de vista pessoais e partidários?”
Aparentemente, essa é a questão central da ideologização e da partidarização das nossas universidades: a liberdade de cátedra em uma democracia.
Na verdade, não é. O significado da decisão emanada do STF neste sábado é bem mais grave.
Ao desrespeitar prerrogativas do cidadão e misturar as esferas institucionais da política e da universidade, a Ministra Carmem Lúcia adjudica a todos os brasileiros uma universidade sem lei e um país sem conhecimento.
FOTO: Agência Brasil/Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFF
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