Da coisa pública e militar
O Exército deve ser instrumento da política mantendo-se afastado dela, sabendo que quando ela entra pela porta da frente do quartel, a disciplina sai pela dos fundos

O que está em jogo no Brasil não é a punição dos crimes contra a sociedade cometidos pelas pessoas mais poderosas do País.
O que vai ser decidido no próximo dia 24 de janeiro em Porto Alegre é se esses crimes vão parar de ser cometidos, e até mais grave, se voltarão a ser cometidos de forma ainda mais desabrida.
Antes de especular sobre guerra civil na Venezuela, quem se acha minimamente responsável por qualquer coisa importante no Brasil deveria estar refletindo seriamente sobre o conflito que vamos cavando aqui.
Políticos condenados investem publicamente contra a Lei e ministros do STF não se acabrunham em desacreditar a Lei, o que leva ao resultado inevitável de o Estado ser cada vez menos capaz de impor a Lei, colocando-nos, todos, na antessala do caos.
Os últimos capítulos da novela da vergonha brasileira, aparentemente desconexos, o acordo de 2,95 bilhões de dólares aceito pela Petrobrás nos Estados Unidos e o blecaute de segurança pública em mais um estado da federação têm a mesma origem: o colapso da Justiça no Brasil.
Colapso pelos fatos, não pelas aparências. A Justiça no Brasil fracassou em distribuir justiça, enquanto seu formalismo e rituais dão a impressão de que ela funciona. O custo financeiro de seus privilégios, sinecuras e acumpliciamentos não se compara ao estrago do rombo moral que ela vai causando.
Diante desse quadro de falência das instituições, é natural que os brasileiros se voltem para aquela que lhes proporciona segurança: o Exército. Afinal, pela nossa cultura e formação histórica, mais do que atender institucionalmente à demanda de segurança, o Exército está enraizado no inconsciente coletivo brasileiro como elemento de unidade e identidade nacionais.
O Brasil precisa que o Exército seja o que ele é. Força militar regular e permanente, estruturada, organizada e treinada para travar e vencer o combate terrestre, na guerra, a mais difícil empreitada humana e o mais complexo fenômeno social.
O que ele é molda todos os seus integrantes, o que ele fez construiu o Brasil. E do que ele é e do que ele fez depende o que fará no futuro como instrumento do Estado a serviço da Nação.
Ser instrumento da política mantendo-se afastado dela, sabendo que quando ela entra pela porta da frente do quartel, a disciplina sai pela dos fundos. Subordinar-se ao poder civil pelo estrito cumprimento de sua missão constitucional, não pela subserviência ao poderoso de plantão.
Houve tempos em que se dizia que segundo o valor de um exército, floresce ou perece uma nação, e que segundo o valor de sua infantaria vive ou morre um exército. Por incrível que pareça e por muitas razões, muito disso permanece válido. Nação alguma digna desse nome prescinde de seu exército e ele dos combatentes que formam sua espinha dorsal.
Há pouco mais de 150 anos, a 3a Divisão do Exército, a fina flor da infantaria brasileira e síntese do povo em armas, enfrentava em Tuiutí a avalanche lançada sobre ela pelo Kim Jong-um da época. Seu comandante, o Brigadeiro Antônio Sampaio, procurado no auge da batalha pelo ajudante de ordens do General Osório que lhe pediu mais um sacrifício, informou que estava perdendo muito sangue e que seria conveniente substituí-lo. E em seguida completou: ”Olhe senhor alferes, diga ao general que este é o terceiro ferimento”.
Epítome da bravura militar, Sampaio ensinou que todo soldado deve ter consciência dos seus limites para que a lacuna causada pelo seu ferimento não seja a brecha na formação de combate de seus companheiros. Ela haverá sempre de ser preenchida, para vençam os que tombaram e os que continuam de pé.
As baixas são fatalidades do combate, a derrota não.
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