Lojistas enfrentam falta de produto e alta de preços
Redução da produção devido à pandemia afeta a reposição de roupas, artigos de cama e banho, brinquedos, bicicletas e até colchões

Num momento em que o país vive um aumento de desemprego e restrição de consumo, dá para imaginar um cenário de falta de produtos e aumento de preços? À princípio, não.
Mas é exatamente isso que começa a acontecer em alguns setores. Lojistas não estão conseguindo repor o estoque de roupas, artigos de cama, mesa e banho e brinquedos.
“Houve um descompasso entre a oferta e a procura. Os fornecedores reduziram a produção e algumas lojas mantiveram a venda, gerando falta de produtos”, afirma Rafael Moura, fundador da rede I Wanna Sleep (Eu Quero Dormir, em português).
Com 18 lojas em Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul, a I Wanna Sleep, como o próprio nome sugere, comercializa produtos para dormir e relaxamento.
“Está faltando um pouco de tudo, como espumas, molas, malha de algodão para a produção de travesseiros, pijamas, colchões, de acordo com os fabricantes. E há pressão para aumento de custos”, diz ele.
Marcio Pasch, proprietário da Sonho Perfeito Enxovais, rede com sete lojas em Belo Horizonte, enfrenta o mesmo problema.
“Está faltando jogo de cama, cobre-leito, travesseiros. Os preços das indústrias subiram de 8% a 15%”, afirma.
“Vai ser um final de ano esquisito, com pouca mercadoria para oferecer no nosso segmento, pois 90% das fábricas já suspenderam os pedidos para entregas neste ano.”
Tudo o que leva algodão, que tem cotação no mercado internacional, está em falta e mais caro, de acordo com lojistas.
A Abrapa, associação que reúne os produtores de algodão, informa que não existe risco de escassez do produto mesmo com a recuperação da indústria, já que o país vem batendo recordes de produção nos últimos três anos.
“E a suposta alta de preços que se queixam a indústria têxtil e os lojistas se deve à variação cambial do real em relação ao dólar”, informa nota divulgada pela entidade.
Em setembro de 2018, de acordo com a associação, o agricultor vendia o algodão em pluma por US$ 1,70 o quilo ou R$ 7,02/kg. Em setembro de 2019, por US$ 1,31 o quilo (R$ 4,76/kg).
Hoje, comercializa por US$ 1,32 o quilo ou R$ 7,05/kg. “Ou seja, praticamente o mesmo valor em reais de setembro de 2018”, informa.
“Existe no mercado internacional uma aposta na alta de preços de commodities de alimentos e algodão. Lá fora, o preço subiu por conta da retomada das atividades, especialmente na Ásia. Aqui, devido à alta do dólar”, diz Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.
A falta de alguns produtos, especialmente no setor de vestuário, só não está mais evidente porque o ritmo de consumo ainda está abaixo do normal, de acordo com Luís Augusto Ildefonso da Silva, diretor da Alshop (Associação de Lojistas de Shoppings).
As duas principais queixas dos lojistas neste momento, diz ele, são o tempo ainda reduzido de funcionamento dos shoppings, de oito horas, e a falta de mercadorias.
“Mas isso, no caso daqueles lojistas mais capitalizados”, diz ele.
BRINQUEDOS
No varejo de brinquedos, também há falta de produtos, especialmente jogos, quebra-cabeças, bicicletas, patinetes, produtos elétricos e a Barbie do momento, a Color Review.
Com 15 lojas em Belo Horizonte e interior de Minas, a rede Estripulia informa que muitos produtos não chegam nem para o Dia das Crianças nem para o Natal.
“Os importados não chegam mais este ano por causa do frete e os nacionais, em razão da falta de ferro, plásticos e embalagens”, diz Airan Capelo, consultor da rede de franquias.
Dos 4 mil itens que a rede comercializa, cerca de 500 estão em falta, diz ele, como bicicletas para crianças de três a oito anos.
Os preços dos brinquedos, de acordo com Capelo, estão entre 10% e 20% mais caros. A Barbie da vez, que custava R$ 139 antes da pandemia, agora sai por R$ 149.
“E não tem mais em todas as lojas. Recebemos 400 peças deste modelo e devemos ter umas 80 no máximo.” A Mattel, que produz a Barbie, utiliza cota para a entrega da boneca.
“Se os pais acharem o brinquedo de desejo do filho em alguma loja, compra, pois pode faltar no final do ano e ainda ficar mais caro. Estamos preocupados com esta situação”, diz Capelo.
Boa parte das matérias-primas usadas na fabricação de vários produtos da linha de bens de consumo e até serviços tem custo influenciado pelo dólar, diz Silveira.
“O milho, por exemplo, é utilizado na produção de uma série de produtos. Se o dólar passa de R$ 4 para R$ 5,50, o que leva milho sobe de preço”, diz.
Infelizmente, de acordo com Silveira, os empresários vão ter de enfrentar mais esse entrave neste final de ano, pois, na sua avaliação, os preços devem continuar subindo no país.
“A expectativa para os próximos meses é de cenário de alta nos preços e de falta de alguns produtos, mesmo sem crescimento da massa salarial.”
Muitas empresas se desorganizaram com a pandemia tanto do lado da produção como da comercialização, diz ele. “E isso não é só um problema no Brasil. É mundial.”
IMAGEM: Freepik