Mais um capítulo
Se houvesse um mínimo de boa intenção na iniciativa de intervenção federal no Rio de Janeiro, ela seria completa, abrangendo todas as esferas da administração pública do estado

O poder político impôs ao Exército a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Não por razões de segurança, mas tão somente por razões políticas.
O próprio Temer deixou isso claro, ao afirmar despudoradamente que suspenderá a intervenção para votar a reforma da Previdência. Ou como querem outros: para não votar a Previdência, o que dá no mesmo.
Se for votada a Previdência e persistindo no Rio de Janeiro o caos da segurança pública, retoma-se a intervenção. Nesse caso, como se sabe que o caos vai continuar, não é difícil prever o que o liga-desliga vai causar: mais caos e desmoralização.
Se não for votada a Previdência, a intervenção pode não resolver nada, mas resolve os problemas do governo. Os políticos, com o governo à frente, estão aliviados com a oportunidade de enterrar a votação em ano eleitoral.
Jogou-se um General às feras. E com ele o Exército, cujo Alto Comando tomou conhecimento da medida como fato consumado, noticiado simultaneamente por uma rede de televisão que pauta o governo. Jogados, um e outro, não aos perigos da guerra, para o que existem o Exército e seus generais.
Mas sim jogados às feras da política nacional, para quem as instituições se prestam exclusivamente à consecução de seus objetivos pessoais, neste caso, resumidos em um só: a permanência no poder da quadrilha entrincheirada no Planalto.
Por que, decretada da forma que foi, simplesmente não há como a tal da intervenção dar certo. Aliás, pode-se desconfiar de que foi criada justamente para não dar certo.
Basta uma passagem d’olhos no decreto de sua publicação. Pretende-se que uma intervenção limitada à área de segurança pública em um estado da federação em profunda crise social, falido e tomado pela corrupção ponha termo ao grave comprometimento da ordem.
Como se fosse possível separar a situação da segurança no Rio de Janeiro das condicionantes econômicas, sociais e políticas que a levaram ao presente estado de deterioração.
Não nos faltam especialistas competentes para apontar o que deve ser feito para enfrentar o crime no Rio de Janeiro: a retomada do controle do sistema prisional, hoje em mãos das facções; o cerco a essas facções nas favelas; e o rastreamento do dinheiro do narcovarejo até a cúpula do crime, e assim por diante.
Mas qualquer observador mais ou menos informado sabe que a intervenção imposta da forma que foi está longe de permitir ao seu executor, seja ele quem for, implementar satisfatoriamente qualquer dessas medidas.
Fala-se equivocadamente em intervenção militar no Rio de Janeiro. O Exército não será empregado, será usado.
Um general–de-exército exercerá, cumulativamente com suas funções de comandante militar de área, o cargo de interventor, este de natureza militar, o que de antemão limita a sua atuação aos efeitos, jamais às causas da crise de segurança pública no Rio de Janeiro.
Se houvesse um mínimo de boa intenção na iniciativa de intervenção federal no Rio de Janeiro, ela seria completa, abrangendo todas as esferas da administração pública do estado.
Nunca em conluio com um governo que é hoje um fator que contribui para o quadro de insegurança no estado, governo do qual dependerá o interventor.
Se houvesse um mínimo de decência na Câmara dos Deputados, essa intervenção seria categoricamente rejeitada na votação de 2a feira. Porém, não há a menor esperança para tanto.
Juntando-se à malandragem do Planalto, a esquerda pelega vai participar do teatro com a greve geral dos bancários convocada para o mesmo dia.
Gestada por motivos para lá de duvidosos, de uma forma radicalmente equivocada, a intervenção do compadrio é somente mais um capítulo da tragédia brasileira.
*As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio
FOTO: Beto Barata/PR/Agência Brasil