A cruel ironia da escolha no mundo das startups
‘Precisamos repensar como identificamos e avaliamos o potencial de liderança, indo além das métricas tradicionais em direção a uma compreensão mais sutil do que significa liderar em uma era de mudanças sem precedentes’

No cenário de alto risco das startups – especialmente no Brasil e outras economias de renda média, onde ganhos de produtividade podem remodelar setores inteiros –, escolher o líder certo não é apenas importante: é uma questão de sobrevivência.
É o que nos contou Raffaella Sadun, de Harvard Business, semana passada. Contudo, continuamos a lutar com uma pergunta fundamental que revela nosso ponto cego coletivo: o que realmente separa um verdadeiro líder de alguém que simplesmente gerencia bem?
Suzy Welch, a ex-Editora Sênior da Harvard Business Review, conhecida por sua inteligência e franqueza, certa vez encerrou esse debate eterno com sua acidez característica: um gerente, declarou ela, é meramente um "líder nota B+". É uma observação ao mesmo tempo divertida e certeira, mas, como muitas tiradas inteligentes, ela contorna a complexidade mais profunda com a qual estamos lidando.
A ironia cruel é que a liderança só se torna cristalina em retrospectiva. Pensemos nas figuras transformadoras que emergiram de circunstâncias aparentemente comuns: a capacidade de Nelson Mandela de unir uma África do Sul fraturada, a conexão autêntica de José "Pepe" Mujica com o povo uruguaio, ou a habilidade de Lula em inspirar através das vastas divisões sociais do Brasil. Esses líderes possuíam algo indefinível que transcendeu fronteiras e tocou milhões. Sua liderança não foi fabricada em salas de reunião ou extraída de livros de gestão – ela foi forjada por meio de visão, autenticidade e uma capacidade quase magnética de encarnar a esperança.
O mundo dos negócios, porém, apresenta um cenário mais traiçoeiro. Ao contrário de líderes políticos, que frequentemente emergem através do escrutínio público e processos democráticos, as decisões de liderança corporativa geralmente acontecem a portas fechadas. A informação sobre as verdadeiras capacidades dos candidatos é mais limitada. Estamos essencialmente fazendo apostas de alto risco no potencial das pessoas para inspirar e transformar, muitas vezes baseadas em currículos que nos dizem mais sobre sua competência gerencial do que sobre seu verdadeiro fogo de liderança.
Esse déficit de informação cria um ciclo perigoso. Promovemos gerentes competentes a papéis de liderança, e depois nos perguntamos por que as organizações parecem mais máquinas bem lubrificadas do que unicornios. O atual processo de seleção para o Chanceler da Universidade de Cambridge ilustra perfeitamente esse desafio: como avaliar o potencial de liderança quando o que está em jogo é o legado institucional e a verdadeira fibra dos candidatos permanece amplamente intocada?
Talvez a parte mais insidiosa deste quebra-cabeça não resida apenas em identificar líderes, mas em quem toma essas decisões críticas. Com muita frequência, a seleção de lideranças recai sobre gerentes existentes, ou seja, os líderes nota B+ da Suzy – indivíduos cuja visão de mundo metódica e "engravatada" pode, inerentemente, favorecer candidatos que espelham sua própria abordagem. É como pedir para escolher poetas a contadores que só olham para o retrovisor: eles podem selecionar mestres das palavras tecnicamente proficientes, mas perderão aqueles capazes de mover almas.
A urgência deste desafio se intensifica em economias em desenvolvimento, onde a escolha certa de liderança pode acelerar o progresso em décadas, enquanto a escolha errada pode solidificar a estagnação. Esses contextos demandam líderes que podem navegar não apenas planilhas e planos estratégicos, mas as complexas realidades sociais e econômicas que impulsionam o crescimento da produtividade em populações inteiras.
A solução não é descartar a boa gestão – organizações precisam tanto de excelência operacional quanto de liderança inspiradora. Pelo contrário, precisamos repensar fundamentalmente como identificamos e avaliamos o potencial de liderança, indo além das métricas tradicionais em direção a uma compreensão mais sutil do que significa verdadeiramente liderar em uma era de mudanças sem precedentes.
Eu votarei para o próximo Chanceler da Universidade de Cambridge. Neste link podes apreciar em inglês como cada um dos candidatos se apresenta. Comentando neste artigo, me ajudaras a escolher melhor.
Se queres te informar sobre a opinião da Raffaella Sadun, aqui esta o link.
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