Passado, presente e futuro das marcas próprias
‘A participação das marcas próprias no varejo varia significativamente entre países, sendo influenciada pela maturidade e estratégia dos grupos que atuam no setor, além de fatores culturais, nível de desenvolvimento do varejo, percepção de qualidade e políticas comerciais’

As marcas próprias do varejo, as private labels, significam a natural evolução para as empresas do setor que buscam diferenciação, fidelização e melhoria da rentabilidade.
São também um contraponto à tendência da indústria de marcas criar seus próprios canais de venda e relacionamento com o consumidor final.
Os setores mais competitivos, como alimentos, farmácias e vestuário, são aqueles mais monitorados e acompanhados, mas o movimento tem se ampliado em outros segmentos, como material de construção, papelaria, e o próprio atacarejo começa a focar nessa opção estratégica.
No setor de supermercados, sempre uma referência no tema, no Brasil, o percentual médio de participação das marcas próprias no total das vendas oscila entre 10 e 12%, dependendo das diversas fontes de informação. Nos Estados Unidos, oscilam de 18 a 20%; na França, de 33 a 35%; na Itália, de 30 a 33%; e na China, que ainda está em desenvolvimento, varia de 5 a 8%, mas a participação deverá acelerar muito nos próximos anos. Na Coréia do Sul, varia de 25 a 30%; e no Japão, de 30 a 35%.
No Reino Unido, que apresenta o mais alto percentual no mundo, esse percentual atinge 45%, e vale lembrar que redes como Tesco ou Sainsbury chegam a ter até cinco marcas próprias em uma mesma categoria de produtos, como cereais matinais.
No Brasil, como se percebe, estamos abaixo das médias de mercados mais desenvolvidos nesse aspecto.
No setor de farmácias nos Estados Unidos, oscila entre 25 e 30%, destacando-se redes como Walgreens, Rite Aid e CVS. Na França, varia entre 10 e 15%, por conta de uma regulamentação mais restritiva no setor de medicamentos.
Nas farmácias coreanas, o percentual varia de 10 a 15%, também por conta de regulamentação mais restritiva, e no Japão, gira em torno de 10%.
Na Itália, entre 10 e 12%, e, de no novo, no Reino Unido, aparcecem os maiores percentuais, no patamar de 35 a 40%, com destaque para Boots e Superdrug.
O começo no Brasil condicionou a evolução
Na realidade brasileira, a história das marcas próprias, em especial nos supermercados, foi marcada por seu posicionamento inicial de produtos de preços mais baixos e posicionados como genéricos, o que, de alguma forma, impregnou a imagem das marcas próprias no setor, focando apenas na oferta de preço mais baixos.
Só muito tempo depois, o Grupo Pão de Açúcar reposicionou o conceito, lançando a marca própria Taeq, focada em produtos de maior valor agregado.
Mas esse posicionamento inicial, de alguma maneira, criou a imagem de produtos focados em preços mais baixos, nos quais o conceito de qualidade fica em segundo plano, e, de alguma forma, marcou toda a evolução, aceitação e fidelização da categoria nos supermercados e outros segmentos.
Com o tempo, houve o reposicionamento, e o avanço pode ser ainda mais abrangente por conta de movimentos como o que acontece com as farmácias Pague Menos, nas quais a produção de alguns produtos de marcas próprias é feita em indústria própria, com investimento da holding familiar, além dos parceiros que produzem com as marcas da rede.
De alguma maneira, essa estratégia se conecta com o modelo da Riachuelo, que nasceu integrada com a Guararapes.
Sem falar nos negócios que nasceram e se desenvolveram integrados, como O Boticário, Cacau Show, Natura, Hinode e muitos outros.
Nesses casos, o ciclo envolve desenvolvimento de produtos, produção própria ou por meio de fornecedores, com total domínio do canal próprio de distribuição. Em alguns casos, essas marcas avançam ainda mais, passando a colocar seus produtos também em pontos de venda tradicionais.
Mas deve ser lembrado que o reposicionamento estratégico de muitas redes de varejo líderes em seus setores, aqui no Brasil ocorreu por meio de marca própria, como foi o caso de Renner e C&A que, ao longo do tempo, focaram em serem quase que exclusivamente orientadas para marca própria e reinventaram seu modelo de negócio.
No setor pet, as líderes de mercado têm forte presença de marcas próprias em algumas categorias, nas quais a participação chega a representar até 40% das vendas, como no caso da Petz Em termos médios, esse percentual é ainda relativamente baixo.
A evolução recente global
Mas esse crescimento e a participação média global, em diversas categorias, podem ser acelerados à medida que os operadores de plataformas digitais, como Amazon, Shein, Shoppee, Alibaba e outros, avancem para ampliar a presença e promoção de suas marcas próprias.
E também com o varejo de valor, dos atacarejos, clubes de compra e atacado de autoserviço, ampliando essa participação.
Vale lembrar que o benchmark global nesse setor, a Costco, tem 35% de participação da marca própria Kirkland em sua receita, nas mais diversas categorias, que vão de vestuário a medicamentos, passando por alimentos, bebidas, vinhos, whiskies e utilidades, e até mesmo em seu portfólio de serviços, que inclui turismo e serviços administrativos.
A participação das marcas próprias no varejo varia significativamente entre países, sendo influenciada pela maturidade e estratégia dos grupos que atuam no setor, além de fatores culturais, nível de desenvolvimento do varejo, percepção de qualidade e políticas comerciais. Como sempre, é diretamente condicionada pelas percepções formadas junto aos consumidores.
Mas a única certeza é que, tanto quanto a indústria de marcas avançará para a relação direta com consumidores em sua atuação na distribuição própria, digital e física, o setor de varejo também avançará na incorporação, desenvolvimento, gestão e expansão das marcas próprias nas mais diretas categorias, segmentos, canais e modelos de negócio.
Vale refletir. E agir.
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