Como o meio ambiente tem inspirado o varejo
Assim como a digitalização, a adoção de práticas empresariais mais sustentáveis deve ser acelerada em tempos de pandemia e queimadas na Amazônia. Pautadas pela sustentabilidade, muitas marcas querem envolver o consumidor nesse processo, como a rede londrina Selfridges

Os efeitos do desmatamento de forma incessante na Amazônia tem levado muitas empresas a repensarem sua postura em relação à questão ambiental.
Seja revendo possíveis impactos gerados pelo negócio ou simplesmente descobrindo uma forma de se tornarem aliadas à preservação desse patrimônio natural, elas estão em busca de estabelecer uma atuação mais consciente.
Acompanhando o crescimento das queimadas na Amazônia, a Ambev direciona todo o faturamento da cerveja Colorado Amazônica para a Rede de Cantinas da Terra do Meio, que agrega um conjunto de 14 associações de comunidades ribeirinhas e indígenas na região do Xingu, no entorno do município de Altamira (PA).
A bebida tem seu preço determinado conforme variação do Índice de Reajuste de Preços da Amazônia (IRPA). O indicador varia de acordo com a evolução da taxa de desmatamento semanal na Amazônia.

Este mês, o preço da cerveja começou com uma elevação de 45,9%, e foi de R$ 5,49 para R$ 8,01. Ou seja, o dado mais recente mostra que o aumento da devastação da Floresta Amazônica foi de 45,9%, em relação a 2019. O último reajuste levou o preço para R$ 9,69
A ação foi a forma que a maior companhia cervejeira da América Latina encontrou para demonstrar seu posicionamento frente a situação de emergência socioambiental na Amazônia e de mostrar a seus consumidores a necessidade de uma atuação mais eficaz na proteção da biodiversidade brasileira.
NO BRASIL E NO MUNDO
Aliada a toda a repercussão dos incêndios no Pantanal, ter vivido a experiência de um isolamento social permitiu aos consumidores maior tempo e discernimento sobre tudo o que se consome e sua real necessidade.

Nesse contexto, o timing da rede londrina, Selfridges, não poderia ter sido mais perfeito. O lançamento do projeto Project Earth em meio à pandemia traz de forma prática aos consumidores um jeito sustentável de consumir.
Conhecida por suas megalojas e produtos de luxo, a varejista divulgou um pacote de ações para diminuir seu impacto no planeta. Trata-se da busca por materiais cada vez mais sustentáveis, parceria com fornecedores alinhados às mesmas preocupações, serviços que incentivam o consumo consciente, relatórios detalhados sobre a emissão de poluentes e outras mudanças em curso até 2025.
Deixando para trás aquele modelo tradicional de loja de departamento, a Selfridges instalou uma estação de reparos dentro do próprio ponto físico. Assim, peças que precisam ser reformadas ou adaptadas porque foram pouco utilizadas podem ganhar cara nova.
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Em outra área, um departamento dedicado inteiramente aos itens chamados de "second hand", na tradução literal, segunda mão. A empresa direcionada ao mercado de luxo inova a investir na venda e aluguel de itens usados.
Outra novidade é que esses produtos são oferecidos em formato de pop up stores (lojas temporárias) dentro das lojas, e podem ser remontados, de acordo com a disponibilidade de itens. Por exemplo, quando houver um grande volume de bolsas usadas, a loja pode ser montada próxima ao setor de acessório. Quando houver um volume de itens da mesma marca, como, por exemplo, roupas e calçados da Nike, é possível levar a loja para a área da marca na loja.

O modelo também torna o processo de compra da Selfridges mais democrático aos olhos do consumidor. Há quem prefira comprar, mas há quem prefira alugar os itens por valores bem mais acessíveis e de forma mais sustentável. Além de atrair um novo público, o formato também funciona como uma espécie de test-drive para uma possível compra futura.
Outra tendência de mercado é a oferta de produtos na versão refil. Parceira de muitas marcas de beleza, a rede passou a oferecer opções de refil de perfumes, cosméticos e afins. A medida reduz o número de embalagens que especialmente no mercado de luxo, costumam ser de alta qualidade e mesclar diferentes materiais. Ao reutilizar, o consumidor também acaba pagando menos pelo mesmo produto.
O compromisso da varejista em lidar com marcas com o mesmo propósito também leva esse senso de reponsabilidade a muitos de seus fornecedores e parceiros.
Por meio de uma curadoria, a loja de departamentos criou um sistema de divulgação e incentivo das marcas com produtos mais sustentáveis. Quem adere ao movimento ganha destaque nas redes sociais, no e-commerce e também no visual merchandising da loja.
Etiquetados e agrupados como veganos, produção local, livres de crueldade animal, couro responsável e outras categorias, os produtos também são identificados para que o consumidor saiba exatamente qual é o diferencial, como é o caso da Prada com sua linha de produtos re-nylon, feitos de nylon reciclado.

VAREJO COMO PARTE DO PROBLEMA
Garrafas e copos plásticos, canudos, embalagens de alimentos, sacos — todos esses itens são comprados e descartados em um ciclo interminável de consumo.
A introdução dos descartáveis no dia a dia do comércio acostumou os negócios e consumidores a consumir sem refletir sobre o que acontece com os materiais que usamos depois de jogá-los no lixo.
Em um artigo escrito por Bryan Meehan, diretor executivo da Blue Bottle Coffee, é abordada a omissão das empresas frente a esse uso excessivo.
"Na Blue Bottle, não temos medo de admitir que somos parte do problema", diz o artigo.
Recentemente a empresa fez um comunicado dizendo que depois de anos, percebeu que os copos e canudos utilizados pela rede, mesmo sendo 100% compostáveis, acabavam em aterros sanitários, onde tal decomposição não era possível.
Em seguida, mudaram seus canudos e copos para o papel de cana-de-açúcar, e também perceberam que isso ainda não era suficiente. Distribuindo, em média, 15 mil copos descartáveis de uso único por café por mês apenas nos Estados Unidos - um total de 12 milhões de copos por ano - eles decidiram eliminar os copos descartáveis.

Segundo o executivo, a rede americana se compromete em fechar o ano de 2020 com todas as lojas seguindo a premissa de "lixo zero", o que, de acordo com a Zero Waste International Alliance, significa que pelo menos 90% dos resíduos gerados pela rede serão desviados de aterros sanitários.
A principal mudança dependerá dos consumidores. Desde o final de 2019, a marca vem educando seus clientes para que tragam seu próprio copo. A venda de grãos de café ou café moído, até então, ensacados, passou a ser feita a granel, obrigatoriamente, em recipientes reutilizáveis.
Em seu discurso, Meehan destaca que a reciclagem não pode resolver os problemas ambientais isoladamente.
"O foco precisa estar nos outros dois Rs: reduzir e reutilizar. Esforços como o que a Blue Bottle está pilotando são realmente emocionantes, pois engajam os consumidores diretamente em fazer parte da solução", diz o texto. "Precisamos que as empresas façam grandes mudanças, mas precisamos que os consumidores mudem seus comportamentos também."
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