Como uma empreendedora inglesa abriu mercado para as cores
Tricia Guild, da Designers Guild, tem duas façanhas no currículo: inventou um modelo de varejo e fez das cores seu produto principal. Sua influência está por toda parte

Quem vê a profusão de cores presente em nosso mundo hoje não pode imaginar que elas já foram artigo de luxo.
Nenhuma pessoa comum se arriscava a ter um sofá verde absinto ou uma parede rosa fúcsia ou uma geladeira laranja papaya. Lidar com cores causava medo.
Apenas os que podiam pagar (caro) por um decorador delegavam a tarefa e se atreviam a trazer cor para suas casas, em móveis, tintas e tecidos feitos sob encomenda. A vida era bege. E a indústria de artigos de decoração também.
Em 1970, uma jovem inglesa de 22 anos voltou da Índia maravilhada com a exuberância colorida que cerca a vida dos indianos.
Trouxe na bagagem um lote de tecidos para retingir com os tons que havia visto lá e teve a ideia de revender as peças em Londres.
Embora a cidade estivesse no auge da onda psicodélica, as famílias inglesas continuavam sendo, bem, famílias inglesas.
A reação de estranheza das pessoas com as cores fortes fez a moça sacar que, para conseguir quem comprasse o seu produto, precisaria primeiro ensinar como usá-lo.
SACADAS DE EMPREENDEDORA
Ela alugou uma lojinha no lado modesto da badalada rua King´s Road e dispôs os tecidos em cenários montados para mostrar de forma didática como eles se combinariam e ficariam lindos.
Esta foi a semente da energia empreendedora de Tricia Guild, a empresária que ensinou o mundo a perder o medo das cores e tornou o glamour da decoração acessível com seu modelo de varejo.
Ela também antecipou uma tendência de marketing valorizadíssima hoje, a de proporcionar experiências aos seus clientes.
Você pode não ter ouvido o nome dela, mas sente os reflexos da influência que exerceu no mundo da decoração nos últimos 40 anos.
“A frase que mais ouvi desde que comecei é tenho medo de usar e misturar as cores”, ela relembra. “Acho que é mais fácil para as pessoas entenderem como as coisas funcionam visualmente se podem tocar e sentir os produtos. Eu tinha pouco dinheiro e poucos produtos quando testei essa ideia e descobri que valia para a maioria das pessoas.”
CRESCIMENTO ACELERADO
Aos 71 anos, a empresária continua a fazer a mesma coisa –pregar incansavelmente que as cores deixam a vida mais vibrante e transformam a moradia em um refúgio capaz de expressar nossas concepções e desejos.
Este é o pensamento de Tricia Guild e também a diretriz estratégica que conduz a Designers Guild, a DG.
A empresa criada por ela em 1972 é hoje uma multinacional com vendas em 62 países e faturamento de 50 milhões de libras (R$ 205 milhões aproximadamente).
A empresa desenha, fabrica e comercializa tecidos, papéis de parede, tapetes, móveis, enfeites, roupas de cama e banho e outros acessórios para casa. Como não poderia deixar de ser, tem uma linha de tintas de parede.
Seus produtos são exibidos pelo mundo em showrooms de representantes e sites de comércio eletrônico (no Brasil, a DG é representada pela Empório Beraldin). As vendas internacionais são 70% do negócio.
Há duas lojas-conceito em Londres, onde também fica o Centro de Distribuição, de 6,1 mil m2. Entre os 264 funcionários, está um batalhão de designers e artesãos.
Além das fábricas e lojas, a empresa tem uma divisão de serviços de decoração para imóveis residenciais e corporativos e outro de representação de grandes marcas.
Nomes como Christian Lacroix e Ralph Lauren deixam sob os cuidados de Tricia Guild a produção e venda de seus produtos para decoração.
Até a casa real inglesa escolheu a designer para administrar sua coleção secular de estampas para tecidos e papel de parede, a Royal Collection.
MUITOS PRODUTOS, UM CONCEITO
No entanto, se perguntarem a Tricia o que ela vende, a resposta será estilo de vida. Pois não é um móvel ou uma peça de tecido que se associa à marca, mas algo abstrato que transparece dos ambientes produzidos para showrooms, anúncios, editoriais de revistas e nos sites.
Estes cenários mostram um estilo único, inconfundível e sedutor, imediatamente reconhecível como sendo da DG e de sua criadora e diretora.
Algo que Steve Jobs entenderia perfeitamente, pois se trata do mesmo tipo de ativo intangível que alavancou a Apple.
Para manter suas concepções vívidas e influentes, Tricia percorre o mundo em palestras e eventos, desenha pessoalmente as coleções com a equipe, escreve livros para demonstrar a arte e a técnica de combinar cores (já foram 16 best sellers e quase um milhão de livros vendidos), grava vídeos e comanda pessoalmente a produção das fotos de divulgação.
TINO COMERCIAL
Mas, claro, não se deve apenas à sua extraordinária criatividade e energia os 45 anos de sucesso da empresa.Todas essas atividades são cuidadosamente planejadas como marketing da empresa.
Os livros, por exemplo, além de trazerem dicas preciosas sobre decoração, funcionam como um guia sobre como usar os produtos DG, mostrados em cenários reais.
Antenada, em 2008, lançou o site de ecommerce para a Grã Bretanha e em 2009, para os Estados Unidos. Hoje, a marca tem loja digital em sete países e recebe mil consultas e pedidos por dia.
Empreendedora nata e com grande senso de oportunidade, tratou de profissionalizar a empresa quando comprovou seu potencial de crescimento.
Na década de 1980, quando a marca se consolidou, a designer convidou o irmão Simon Jeffreys, um profissional da área financeira, para ser sócio e assumir a direção executiva da empresa. Na época, ele trabalhava em uma consultoria internacional em Hong Kong.
A quatro mãos, fizeram um plano de crescimento para cinco anos, renovado regularmente. No planejamento, previram a transformação da DG em uma marca guarda-chuva, a diversificação de produtos e a expansão internacional. A ideia de lançar duas coleções por ano também surgiu nesse esforço.
A empresa saiu dos 3 milhões de libras em 1985 para os 50 milhões atuais. A diversificação de produtos e mercados se mostrou premonitória durante a crise de 2008.
A empresa manteve a rota de expansão constante e soube aproveitar o crescimento da classe média no leste da Europa, China e Rússia.
AUTODIDATA
O começo de Tricia Guild, porém, em nada difere da saga da maioria dos empreendedores. Junto com a paixão pelo design de interiores, fazem parte da história a inexperiência em negócios e dificuldades com bancos.
A empresária entrou no mundo da decoração sem ter capacitação formal em design, movida apenas pela convicção de ter inventado um modelo de negócios e determinada a fazer sucesso com ele e ser independente.
Em entrevistas, contou como fez falta esta formação. “Não passei por aquele período de aprender e ter liberdade de errar antes de começar o negócio.”
Além da margem mínima para erros, ela também precisava dar conta de tudo. Foi assim que se viu em uma van alugada levando um lote de tecidos para mostrar em Paris.
A viagem rendeu a primeira representação internacional e muitos contatos proveitosos com profissionais influentes.
Tendo que aprender na prática, foi rápida em assimilar as lições. Percebeu que poderia vender por atacado os produtos oferecidos em sua pequena loja, o que se mostrou fundamental para o primeiro salto de crescimento. A viagem a Paris comprovou que seu estilo e modelo de negócios não tinham fronteiras.
“Aprendi também que a gestão não pode ficar separada da criação. Quando comecei, não tinha plano de negócios. Ir a um banco sem dominar a linguagem financeira foi muito difícil. Precisei aprender a ter disciplina e ser hábil para fazer muitas coisas.”
Esta postura faz da designer uma trabalhadora em tempo integral. Centraliza totalmente a produção dos livros, acompanhando a redação, cada sessão de fotografia e a escolha das imagens.
Grava os vídeos de lançamentos e faz apresentações à rede de lojistas. Está presente no desenvolvimento das coleções e representa a empresa em inúmeros eventos e feiras do setor.
NETWORK
Inglesas bem nascidas aprendem desde o berço a habilidade de se relacionar. A criadora da DG foi além. A cada oportunidade, como o convite para abrir uma loja em Paris, enriquecia sua agenda com novos potenciais clientes ou parceiros.
O relacionamento com decoradores, arquitetos e varejistas abriu as portas para as vendas corporativas, como os contratos com empresas, hotéis, restaurantes e até hospitais e navios de cruzeiro.
Com seu segundo casamento, ela abriu novas portas, agora no universo da gastronomia.
É casada com o americano Richard Polo, dono até recentemente de dois conhecidos restaurantes em Londres, o Joe Allen e o Orso. Ele mesmo é um empreendedor de sucesso e os dois formaram uma fértil parceria sem misturar os negócios.
O pragmatismo dos negócios nunca fica de lado, mesmo quando ela satisfaz um sonho, como ter uma casa de campo na Toscana, na Itália, comprada ainda nos anos 80.
Era apenas uma ruína que ela reergueu e aproveitou para usar como laboratório para testar seu ideal de decoração, algo que transmita um estilo de vida informal, autêntico e glamouroso.
Restaurada e decorada, a casa serviu de refúgio de lazer para a família, e, claro, de cenário para inúmeras fotos produzidas para os catálogos da DG e os livros da designer.
Não se pode negar o espírito democrático de Tricia Guild. Embora seus produtos sejam caros, suas lições sobre beleza e glamour são de graça e estão disponíveis para qualquer pessoa.
Com seus negócios, ela ajudou meio mundo a ganhar confiança para usar cores e desmistificou a ideia de que uma casa bonita é para poucos.
FOTOS: Divulgação