Geração Z impulsiona segmento de bebidas zero álcool
No Brasil, entre 2018 e 2024, a venda de bebidas sem álcool saltou de 133 milhões de litros para cerca de 750 milhões de litros. Projeções da consultoria Euromonitor indicam que esse número pode dobrar até 2028, alcançando 1,5 bilhão de litros

São muitas as pesquisas que mostram que a Geração Z bebe menos bebida alcoólica que as gerações anteriores. Para esse grupo de jovens, não beber é considerado um hábito positivo, e as marcas estão de olho nesse comportamento.
"Tem gente que não bebe - e está vivendo" é uma página com quase 40 mil seguidores desenvolvida pela criadora de conteúdo Anna Gouveia. Quase um bordão, a frase vai na contramão do padrão brasileiro de beber em aniversários, casamentos, happy-hours e outros eventos sociais. A página é seguida por consumidores mais jovens que passaram a se perguntar como seria a vida sem álcool.
"Descobri que não preciso beber para ser divertida e me sinto melhor a cada dia. Hoje, sou mais consciente e decido quando, onde, como e se vou beber", explica Anna.
A fala de Anna ilustra uma transformação notável que acontece no mercado, no qual as bebidas sem álcool evoluíram de um nicho para uma indústria próspera. A consultoria inglesa de inteligência de mercado IWSR projeta que a participação das bebidas sem álcool vai ter um crescimento anual de 6% até 2027 nos dez principais mercados globais, entre eles o Brasil.
Por aqui, esse segmento registrou um crescimento acima de 400% entre 2018 e 2024, saltando de 133 milhões de litros para cerca de 750 milhões de litros vendidos. As projeções indicam que esse número pode dobrar até 2028, alcançando 1,5 bilhão de litros, segundo a consultoria Euromonitor.
Segundo o estudo “O Dossiê das Bebidas”, feito no último ano pela MindMiners, menos da metade (45%) da Geração Z consome bebidas alcoólicas. De acordo com o material, essa tendência está relacionada a fatores como falta de interesse e o sabor das bebidas. Relatórios da Euromonitor e da Mintel indicam o mesmo: até 2030, o consumo de álcool entre jovens deve cair 20% globalmente, enquanto o mercado de "bebidas conscientes" deve dobrar.
Além da mudança geracional, há um público crescente que evita o álcool por motivos médicos ou religiosos, como os evangélicos, que representam quase 30% da população brasileira.
Cerveja - Um levantamento do Euromonitor International revela que, em 2023, o Brasil produziu 480 milhões de litros de cerveja sem álcool, três vezes mais que em 2019. Dados da NielsenIQ mostram que a Heineken 0.0 liderou em volume de vendas entre as cervejas desse segmento em 2023 no Brasil.
Em 2024, a Heineken 0.0 cresceu 10%, número acima do aumento de 8,8% registrado pela Heineken tradicional e do aumento de 1,6% nos volumes de cerveja do grupo, de acordo com dados da empresa. A opção sem álcool da Heineken foi lançada em 2017, chegou ao Brasil em 2020 e é comercializada em cerca de 120 países.
As cervejarias menores e artesanais também acompanham esse movimento e estão alavancando a sua expertise para opções com a mesma complexidade das marcas tradicionais. Já é possível encontrar e-commerces especializados em bebidas sem álcool, com um grande espaço para diferentes marcas.
Lançada no mercado há um ano, a cerveja artesanal sem álcool Etapp espera vender 1 milhão de latas em 2025 e alcançar faturamento de R$ 13 milhões, focando, principalmente, no mercado fitness e de bem-estar, o chamado Wellness. A principal estratégia de divulgação é estar presente em eventos importantes de corrida de rua, como as maratonas de São Paulo e de Curitiba. Além disso, a Etapp é também a cerveja oficial do Ironman.
Segundo Eduardo Andrade, cofundador da Etapp, o lançamento da marca tem a ver com o entendimento de que celebrar não precisa estar ligado ao álcool, especialmente pensando em clientes que prezam por saúde. Nessa busca, variedade, sabor e baixíssima caloria foram premissas. O estilo Session IPA, por exemplo, possui apenas 52 calorias.
"Nunca teremos bebida alcoólica em nosso portfólio. O significado da bebida mudou e essa tendência de menos álcool não é passageira", disse.
À medida que a categoria amadurece, os consumidores estão dispostos a pagar mais por novos produtos com ingredientes premium, técnicas inovadoras de fabricação e práticas sustentáveis. Em média, uma latinha de 310 ml da Etapp pode custar R$ 19,90.
Mercado forte
Deixando a cerveja sem álcool e a Geração Z um pouco de lado e pensando no mercado como um todo, o que se vê, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) é que, em termos de consumo per capita, o Brasil ocupa a 25ª posição no ranking global, com 69,3 litros de cerveja por habitante.
Um levantamento realizado pela Brazil Panels em parceria com a Agência Conexão Vasques, por exemplo, indica que 61% dos brasileiros acima de 18 anos consomem cerveja. Desse total, quase um terço (32,8%) consome a bebida pelo menos uma vez por semana.
"São números que fazem um pano de fundo de um mercado bem resiliente. Temos uma grande diversidade e nosso consumo está muito ligado à situação econômica de cada região - cultura, clima, condição social, tudo impacta nessa decisão", disse Marco Quitarel, consultor de varejo.
Falando sobre as opções sem álcool, o consultor indica que a tendência expande para outras bebidas, mas quem puxou a onda certamente foi a cerveja. A justificativa é que a categoria não alcoólica ganha cada vez mais o status de experiência com os drinks não etílicos, também conhecidos como mocktail, atingindo públicos que vão desde quem busca um estilo de vida saudável até aqueles que, por restrições médicas, não podem ingerir álcool.
Sendo assim, quem não for beber, não precisa mais ficar só na água ou no refrigerante, pois os drinks têm sido elevados para além do básico. Espumas, xaropes, especiarias trazem texturas, nuances e aromas com apresentações que rendem muito prazer, na visão de Quitarel.
O consultor destaca que na alta gastronomia, a Casa do Porco, que está entre os 50 melhores restaurantes do mundo, tem um menu degustação harmonizado com cervejas e até vinhos sem álcool, e que essa mudança comportamental indica uma demanda reprimida por opções mais sofisticadas de bebidas sem substância etílica, especialmente, como produto final em bares e restaurantes.
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IMAGEM: Heineken/divulgação