Urbanista Carlos Moreno diz que 'Cidade de 15 Minutos' é possível em SP

Há alguns anos, a cidade de Paris, na França, tinha às margens do Rio Sena uma faixa rápida de trânsito por onde passavam mais de 40 mil veículos todos os dias. Habitualmente engarrafada, a via colaborava para as taxas de poluição do ar da cidade, que com frequência costumavam ultrapassar os limites estabelecidos pela União Europeia.

Como objeto de estudo e parte de um esforço maior para melhorar a qualidade de vida em Paris, em 2016, a área se tornou livre de carros e foi convertida em um parque linear concebido pelo urbanista Carlos Moreno. A mudança ficou conhecida como “Cidade de 15 Minutos” e estabeleceu novas políticas para fortalecer a governança na escala dos bairros para torná-los mais dinâmicos. O intuito é que a população possa acessar todas as suas necessidades básicas dentro de um raio confortável de caminhada.

Desde então, tal teoria vem ampliando um movimento global e inspirando planos urbanos sustentáveis em metrópoles como Medellín e Bogotá, na Colômbia, Melbourne, na Austrália, e Chengdu, na China, entre outras. Em seu livro “Cidade de 15 Minutos”, publicado no último ano, Moreno compartilha conceitos de um modelo urbano que prioriza proximidade, mobilidade ativa, integração social e acesso a serviços essenciais em deslocamentos curtos, seja a pé ou de bicicleta.

 

São Paulo de 15 minutos 

Colombiano, o urbanista vive em Paris desde os 20 anos, é professor na Sorbonne, a principal universidade de Paris, com mais de 800 anos de história, e se tornou referência mundial no debate sobre cidades sustentáveis. Em São Paulo, para lançar a edição brasileira de sua obra, Moreno participou do seminário Novas Centralidades Urbanas, organizado pelo Arq.futuro, em Campinas, e contou como é possível aplicar o modelo em diferentes contextos, como, por exemplo, na capital paulista.

"O conceito da Cidade de 15 Minutos é possível em São Paulo, mas vejo a segurança como o maior desafio porque algumas decisões incentivam o esvaziamento de áreas que deveriam estar repletas de pessoas e não de carros", disse.

Ao relembrar o surgimento do movimento, Moreno diz que a “Cidade de 15 Minutos” nasceu na COP21, o encontro das Nações Unidas que deu origem aos acordos climáticos de Paris, realizado em 2015. Naquele momento, discutiu-se de forma séria o aquecimento global e como as cidades poderiam reduzir as emissões de CO2, especialmente no transporte.

A ideia de Moreno ia na contramão do estilo de vida nas grandes metrópoles e tinha o bairro como uma rede de relações sociais com noção de vizinhança e fruição do espaço público. A presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, fez deste paradigma a base da sua política para a cidade. Da primeira vez, durante seu mandato, e na segunda, como eixo principal de seu programa eleitoral em 2020.

Em março deste ano, Paris votou pela criação de 500 “ruas-jardins”, exclusivas para pedestres, e a substituição do asfalto por áreas verdes. A ideia de fechar as vias para veículos foi aprovada por 66% dos votantes e a iniciativa inclui a remoção de cerca de 60 mil vagas de estacionamento.

Importância do pequeno comércio 

Uma dificuldade levantada por Moreno era a permanência de pequenos negócios, especialmente em regiões turísticas, onde os preços do metro quadrado se tornaram impraticáveis, levando muitos comerciantes a encerrarem suas atividades. O comércio, no entanto, segundo o especialista, é uma das bases da "Cidade de 15 Minutos".

Pensando nisso, a Câmara de Paris comprou mais de 62 mil imóveis e criou uma agência público-privada, a Semaeste, dedicada à organização das atividades comerciais em diferentes áreas da cidade para corrigir as disfunções de um mercado regido por pressões habituais do mercado imobiliário e turístico. A ação reforçou a malha do comércio e serviços de proximidade e favoreceu a produção local e circuitos de restaurantes, moda, comércio cultural, como livrarias, artesanato e mercearias.

“Essa transformação (fechar as ruas para veículos) foi vista como um atrevimento muito impopular. Diziam que a indústria automotiva ia falir, a economia ia quebrar. Mas o importante era entender que as ruas precisam de gente circulando e que, sem o comércio de bairro, não há bairro, e aí não temos cidade. Cada uma dessas lojas desenvolve a economia local, os empregos, a cultura", disse Moreno.

Pensando em outros países, para além do lobby automotivo, o ponto mais importante a ser mudado, segundo Moreno, é a mentalidade das pessoas, que precisam aceitar que andar a pé, de bicicleta ou de transporte público é melhor do que ir de carro - especialmente no trajeto casa-trabalho-casa.

Falando especificamente sobre São Paulo, ele diz ser fundamental equilibrar de forma conectada a densidade habitacional, o comércio/serviços e os lugares para se trabalhar. O Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, em sua versão mais recente, prevê a verticalização ao longo de eixos de transporte público. A ideia é densificar a cidade em torno de estações de metrô, trem e corredores de ônibus, incentivando a construção de edifícios de grande altura nesses locais.

Ainda que novos edifícios surjam, Moreno diz acreditar que a proliferação de prédios não implica necessariamente no adensamento populacional. Na verdade, em alguns casos, pode até parecer que a cidade está mais cheia, mas as áreas centrais de São Paulo não fazem parte deste incremento populacional e algumas até perderam moradores. Nesse cenário, surgem ruas pouco movimentadas, comércio local fraco e a sensação de bairros-dormitórios verticais, afirmou o especialista.

"Não dá para ter verticalidade massiva sem serviços. É preciso criar novos lugares de proximidade para trabalhar e abrir as ruas para as pessoas", disse.

Ainda assim, Moreno enxerga avanços no Plano de São Paulo, como uma nova visão para os usos do espaço urbano com menor dependência de carros e maior circulação de pedestres, criação de novas centralidades e maior diversidade e convívio entre diferentes faixas de renda. Desestimular a construção de estacionamentos em áreas servidas por metrô, trem e corredores de ônibus, e o incentivo ao uso misto e fachadas ativas também são pontos de destaque, na visão do especialista.

Por fim, ele disse que idealizar um futuro urbano mais justo passa obrigatoriamente por criar mais incentivos para ocupar áreas consolidadas, como abrir caminho para os programas de requalificação histórica. No caso de São Paulo, os prédios antigos do Centro da cidade são a maior força capaz de readensar o coração da cidade, valorizando esse patrimônio, unindo memória, adensamento e qualidade de vida.

 

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