Haddad x Bolsonaro: e agora, Brasil?
Com a polarização, sucessão presidencial perde as opções liberais de centro, que poderiam dar maior previsibilidade e um esqueleto mais racional à economia

O Datafolha confirmou na madrugada desta quinta-feira (20/9) o diagnóstico traçado na véspera pelo Ibope. Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) se enfrentarão no segundo turno presidencial.
Não haverá nesse confronto final representantes de correntes moderadas e próximas ao liberalismo de centro. As circunstâncias levaram à radicalização da sucessão turbulenta de Michel Temer.
A pergunta pertinente, a partir de agora, passa a ser, então, a seguinte: qual será o rosto político do Brasil em caso de vitória de um dos finalistas?
Será, de qualquer modo, um rosto preocupante.
Vejamos a opção Bolsonaro. A falta de coerência nas propostas de seu governo não se deve ao fato de o candidato prosseguir internado no Hospital Israelita Albert Einstein.
A incoerência já estava na semente de uma pregação baseada essencialmente em valores difusos – ordem, autoridade, armamento da população, apelo à ética militar – que foram um dos atrativos da campanha.
O outro atrativo, de mais fácil compreensão, consistiu em colocar o ex-capitão do Exército como uma espessa parede que impediria a passagem do PT.
AS GRANDES INCÓGNITAS
Mas é preciso detalhar um programa de governo que Bolsonaro sequer formalizou. O fato de as ideias correrem muito fluídas e soltas justifica a trombada desta semana com relação à política econômica.
O economista Paulo Guedes, a quem o candidato praticamente terceirizou todas as decisões nessa área, fez na terça-feira (11/9) uma palestra a um grupo reduzido de empresários, e afirmou que pretendia recriar um imposto semelhante à CPMF e reduzir, para 20%, o conjunto das atuais alíquotas do Imposto de Renda.
A notícia vazou na manhã seguinte, obrigando o candidato a tuitar, de seu leito de hospital, que não pretendia aumentar a carga tributária.
Se em algo tão fundamental como a questão tributária a campanha de Bolsonaro enfrentou tamanho tropeço, a questão consiste agora em indagar se o mesmo não ocorrerá com outros problemas essenciais de governo, como a Previdência, ensino e pesquisa, política industrial, programas sociais de inclusão ou agronegócios.
Bolsonaro transporta duas imagens contraditórias. Para seus partidários, ele é um homem bem-intencionado, capaz de produzir soluções moralmente sólidas para os problemas do país.
Para seus adversários, ele é um xucro sem muita ideia sobre a complexidade do caminho em que está entrando, e ainda com a agravante de ter um candidato a vice, capaz de atrapalhar suas relações com segmentos da sociedade (negros “indolentes”, órfãos potencialmente bandidos).
O DESASTRE DE HADDAD
Em contraste com o capitão da reserva, o candidato petista Fernando Haddad aparentemente sabe o que quer.
A questão, no entanto, é que o “querer” dele vale muito pouco, porque o que prevalece é a opinião de Lula, preso desde abril em Curitiba.
Seria um exemplo inédito na história republicana, em que um presidente da República é teleguiado pelas iniciativas e pensamentos de um tutor institucional. Não seria propriamente um chefe de Estado, mas um porta-voz, que funciona por controle-remoto.
Mas não é por isso que Haddad representa riscos. Sua ascensão nas pesquisas se deve à promessa de levar o Brasil de volta aos bons tempos do crescimento e do pleno emprego que prevaleceram entre a posse de Lula (janeiro de 2003) até a crise financeira internacional (2008).
É um roteiro de repetição impossível. É bem verdade que naquele período o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, recebeu carta branca para manter a heterodoxia existente no governo FHC.
Ao mesmo tempo, no entanto, os bons ventos que permitiram o crescimento interno vinham de fora, da China, onde a multiplicação do PIB dependia de commodities – ferro, soja – que se valorizaram no mercado internacional, e das quais o Brasil era um grande produtor.
A China não repetirá o milagre, e a volta ao pleno emprego não depende mais dela. É uma operação demorada e difícil, para a qual a heterodoxia prevê equilíbrio fiscal, para que o país possa voltar aos investimentos públicos dos anos dourados.
É uma estratégia econômica para a qual Fernando Haddad e o PT não estão de maneira alguma preparados.
Mesmo que prevaleça um enfoque moderado na economia, em que o atual candidato presidencial consiga descartar a ala mais à esquerda de seu partido, hoje representada por Márcio Pochmann.
Sobre o relacionamento de Haddad com o mercado, é lógico que não se trata de algo impossível, por mais que a relativa racionalidade com que se movem os agentes econômicos exija bem mais que o bom-mocismo das honestas intenções.
O mercado cobrará de Haddad uma postura autocrítica com relação aos erros imensos que os governos do PT cometeram. Não adianta mais atribuir a pior de todas as recessões (2015-2017) às pautas-bomba da oposição no Congresso.
Houve uma sucessão de equívocos gravíssimos nos diagnósticos e terapias adotadas por Dilma Rousseff.
É muito cômodo afirmar, e essa é uma ilusão sobre a qual Pochmann e Haddad concordam, que o patinho feio da relação idílica do PT com a economia se chamava Joaquim Levi, o ministro da Fazenda que Dilma nomeou em 2015 para comandar o corte de gastos públicos.
Por fim, nesse pesadelo representado pela dobradinha Haddad x Bolsonaro, é preciso se indagar com que base parlamentar um ou o outro governarão.
Essa é uma história que será respondida de maneira incompleta pelos resultados das urnas em 7 de outubro, quando nem o PT e nem o PSL terão, com seus aliados próximos, bancadas o bastante numerosas para sustentarem o novo governante.
E, apesar de tudo, boa sorte, Brasil.
PS – Com esse texto, concluo quatro anos como editor contribuinte do Diário do Comércio.