Para driblar inflação de alimentos, brasileiros recorrem aos ‘vencidinhos’
São consumidores como a diarista Maria José (foto), que abrem mão das marcas famosas em busca dos melhores preços. Redes que operam nesse modelo falam em crescimento de 20% nas vendas neste ano

A inflação elevada, especialmente no grupo Alimentos, fez o brasileiro mudar sua rotina de compra. Para não estourar o orçamento, o consumidor troca marcas líderes por outras com preços menores, corta o consumo de produtos supérfluos e visita mais os atacarejos. Outra tendência que parece se consolidar é o aumento na frequência aos chamados ‘vencidinhos’, estabelecimentos que vendem produtos próximos do vencimento e, por isso, com preços mais baixos.
O supermercado Ki Gostoso, no bairro de Presidente Altino, em Osasco, que opera nesse modelo, reportou ao Diário do Comércio um aumento de 20% nas vendas nos últimos meses. Igor Lemos, supervisor do mercado, diz que produtos com validade próxima de expirar têm descontos que chegam a 70%. Pão de forma, frios, requeijão e laticínios em geral são os itens mais procurados.
Em visita ao Ki Gostoso em meados de junho, a reportagem encontrou, por exemplo, embalagem de bisnaguinha da marca Visconti por R$ 4,99, pão integral Bauducco por R$ 4,99 e bolinho Ana Maria 70g por R$ 2,99.
Como comparação, em um mercado tradicional na região do Jardim Ângela, na zona Sul da capital paulista, os mesmos itens tinham os seguintes preços: bisnaguinha Visconti: R$ 7,99; pão integral Bauducco: R$ 11,49; e bolinho Ana Maria: R$ 3,49.
Ou seja, a compra no ‘vencidinho’ resultaria em economia de R$ 10. Esses estabelecimentos conseguem preços atrativos porque levam ao extremo o modelo de gestão de estoque conhecido como FIFO (First In, First Out – ou primeiro a entrar, primeiro a sair), no qual produtos próximos da validade vão para as prateleiras antes daqueles que estão longe do vencimento.
Essa é uma prática comum nos supermercados, mas os ‘vencidinhos’ trabalham os preços de forma mais dinâmica, baixando os valores dos itens com mais frequência, à medida que o fim da validade vai se aproximando. Também vendem produtos descontinuados pela indústria.
É o preço que manda
Dayana Primarano, dona da rede de mercados Vanessa, de Pirituba, zona Norte da cidade de São Paulo, reforça que a tabela de preços muda de acordo com a proximidade do vencimento dos produtos, não com a demanda por eles. “Se não há venda, o prejuízo é por conta do empreendedor, que realiza o descarte”, diz a empresária, que há 20 anos trabalha com produtos FIFO.
Segundo ela, o consumidor dos ‘vencidinhos’ compra por impulso. Não tem lista de compra ou necessidade por algo específico, ele leva o que está em promoção. “Os consumidores compram em pequenas quantidades e voltam com frequência às lojas, o que mantém uma alta rotatividade de produtos dentro dos estabelecimentos”, afirma.
É exatamente essa a rotina da diarista Maria José (que aparece na foto que abre esta matéria), que disse à reportagem que está sempre indo aos ‘vencidinhos’ em busca de promoções, e costuma voltar com margarina e bolacha na sacola.
No Instagram do mercado Vanessa, entre as promoções de meados de junho havia queijo minas Itambé por R$ 9,95, pacote com três Activias de 450g por R$ 5,50 e iogurte Vigor de 510g por R$ 3,50.
Sem apego às marcas
Além da alta dos preços dos alimentos, Leandro Rosadas, especialista em gestão e execução no varejo alimentar, explica que os consumidores buscam cada vez mais os 'vencidinhos’ porque estão mais racionais, deixando de lado o apego às marcas e mais propensos a comparar preços, dando preferência a produtos mais acessíveis. “O público desses mercados é bastante diverso, mas os consumidores das classes C e D, que precisam fazer o dinheiro render, se destacam por conta dos descontos, assim como os consumidores mais racionais”, diz.
Rosadas alerta, porém, que esses mercados dependem muito da demanda da indústria e dos atacarejos para manterem suas promoções. “Quando esses canais possuem vendas pujantes, mais produtos são produzidos e distribuídos aos ‘vencidinhos’. Mas quando as vendas estão mais escassas, este tipo de mercado acaba encontrando dificuldade em encontrar produtos, não conseguindo se manter no mercado.”
Os ‘vencidinhos’ ganharam força no Brasil mais recentemente por causa da inflação, mas não são um fenômeno unicamente brasileiro. Segundo Rosadas, em países como França, Japão e Estados Unidos eles são comuns e recebem até mesmo apoio institucional. O especialista cita redes como a francesa Nous Anti-Gaspi, que se especializou em vender produtos com validade curta. Já nos Estados Unidos, aplicativos conectam supermercados a consumidores interessados por esses produtos, algo também usado no Brasil.
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IMAGEM: Rebeca Ribeiro/DC