Do espumante ao 'copão de R$ 10': Cereser mira na expansão das adegas
Companhia multimarcas quase centenária, que hoje atende por CRS Brands, quer atrair novas gerações com collabs e capacitação de empreendedores das periferias para aumentar a lucratividade em toda a cadeia de venda de bebidas

Quem nunca brindou no Natal ou Ano Novo com um espumante Chuva de Prata ou uma sidra Cereser que atire a primeira pedra: a antiga Viti-Vinícola Cereser, popular fabricante de bebidas alcoólicas e não-alcoólicas fundada em Jundiaí (SP), no interior de São Paulo, por João Cereser, e que desde 2014 atende pelo nome CRS Brands para ampliar a visibilidade do portfólio, vai virar centenária em 2026.
Popularizando marcas como o pioneiro vinho Dom Bosco, o vermute Cortezano, o uísque Chanceler e muitas outras em quase um século de existência, a companhia tem se reinventado não só para se reconectar com a memória afetiva de seus consumidores habituais.
Também pretende atrair a Geração Z e afins com collabs experimentais, como a que fez no Carnaval deste ano com a marca Fator 5, quando lançou a edição limitada de um body splash com glitter dourado e essência de maçã, matéria-prima do seu carro-chefe, as sidras.
Em paralelo, pôs em prática um plano estratégico e ambicioso de crescimento e expansão da marca com um novo modelo logístico híbrido (equipe própria + representantes comerciais), mirando no avanço das adegas de bairro, movimento que vem se intensificando desde a pandemia, e ganhou espaço com a popularização dos drinques - ou 'copão de R$ 10'.
Mas, para atingir a meta de vender 55 milhões de garrafas em 2025, atingindo um em cada três consumidores de produtos da CRS acima de 20 anos, no último ano e meio foi preciso recalcular a rota da área comercial para movimentar as equipes de vendas mais intensamente.
A primeira parte abrangeu os representantes autônomos do grupo, já que os 'celebrantes' (Cereser, Celebrate, Georges Aubert e Chuva de Prata) eram comercializados só nos últimos três meses do ano, e estes seguiam uma rota focada na venda direta para o varejo e atacadistas.
"Esse é o nosso grande volume, mas tínhamos dificuldade em motivar o time a continuar vendendo a partir de janeiro", explica o diretor comercial da CRS Brands Bruno De Faria, citando dados da Nielsen que apontam que 60% do volume de vendas de bebidas ficam concentrados em 14 datas ao longo do ano, os feriados. "A gente usava só o fim de ano e ficava fora das outras 13 datas com marcas de vinho, uísque, vodka e os RTDs (ou prontos para beber, como as linhas ice e Cereser long neck), pois os representantes não faziam as vendas regularmente."
Com experiência em outras grandes empresas do setor, De Faria, que está há um ano e meio na CRS e capitaneou a mudança, contratou uma equipe CLT e montou um plano para tracionar o volume de vendas nos canais varejo alimentar e on-trade (bares, restaurantes e festas).
Tudo para sair da dependência das vendas de final de ano e crescer também nos outros nove meses com uma equipe própria, porém mantendo os representantes, que compõem 80% da força de vendas e estão estrategicamente distribuídos pelo país - o tal modelo híbrido.
"De 2024 para cá, crescemos 15%, enquanto a categoria de bebidas ficou estável entre 2% e 3%, ou até caiu em volume em categorias como vinhos e destilados", diz o diretor. Por ser uma empresa de capital fechado, a CRS não divulga valores, mas, segundo De Faria, a mudança dobrou o faturamento dos 38 distribuidores, que estão em 47 mil pontos de vendas no país.
Hoje, 70% do volume de vendas da CRS vem do canal indireto, ou seja, de distribuidores e atacadistas que vendem para o varejo. Os outros 30% são dos cash-and-carries (ou autosserviços), e também das lojas de conveniência de forma direta, diz o diretor.
Já o e-commerce, que representa no momento apenas 1% das vendas, começou a ser utilizado no último ano para impulsionar as demandas de ocasião rápida, ou seja, em que o drive para comprar bebidas é o acontecimento, que pode ser uma festa, um churrasco ou algo do tipo.
Para atender a esse tipo de demanda do e-commerce, mais recente, ainda em percentual pequeno, porém aumentando, o consumidor que fizer pedidos até às 16h recebe os produtos no mesmo dia. A CRS também é parceira do app Zé Delivery para acelerar as entregas.
"No meio da festa pode faltar alguma coisa e a gente tem que estar preparado para atender àquela demanda em velocidade maior. É preciso uma solução, um drink pronto, e por isso, os RTDs viraram um sucesso de vendas: chegam gelados, você toma e está resolvido."
O apelo do 'Chan-chan' e as estratégias para empoderar adegas
É o drinkability, ou seja, as características que tornam um produto 'bebível', fácil de consumir (e repetir), a grande aposta da CRS para se reconectar com os antigos consumidores e atrair novos. Hoje, segundo Bruno De Faria, o grande público da CRS é formado por consumidores acima de 50 anos, a maioria mulheres - daí a ideia de criar ativações pontuais ao longo de 2025 e 2026 para atrair esse público, retomar sua fidelidade, manter a recorrência e, claro, aumentar o equity dessas marcas, explica.
Mas o grande foco são as novas gerações, já que a empresa trabalha para ampliar o mercado de adegas de bairro, subestimado pela indústria. "Trabalhei em grandes indústrias globais de bebidas, então posso falar: todas esqueceram a turma das periferias. Queremos colocar a CRS nessa grande oportunidade, que é oferecer soluções para os empreendedores das adegas ganharem mais dinheiro."

Hoje, segundo o diretor comercial, mais de um terço do volume de vendas da empresa está concentrado em produtos standard (até R$ 25), que são os destilados, RTDs e vinhos. Portanto, a estratégia inclui entender o que o consumidor da periferia busca e suas motivações. E oferecer produtos com bom drinkability para atender o fenômeno dos "copões de R$ 10", que nada mais é do que a combinação de bebidas como uísque, vodka e gim com energéticos, groselha, sucos ou água de coco, sempre comercializados em recipientes de 500 ml a 700 ml.
"O que o jovem da periferia quer? Todo fim de semana, no feriado, ele quer comprar seu copão, ouvir música, conversar, paquerar... Quando eu ofereço produtos de qualidade que geram uma certa experiência, é a oportunidade ideal de se conectar com essa turma", diz De Faria.
Para completar a estratégia, a ideia é aumentar a distribuição de produtos que já impulsionam as vendas desses pequenos comércios, com marcas como o uísque Chanceler - que até ganhou, dos consumidores, o apelido carinhoso de 'Chan-chan', e é "o mais vendido das adegas de São Paulo", afirma. Dos mais de 3,9 milhões de litros do destilado comercializados por ano, 40% dos pedidos são de adegas e depósitos on-trade.
Essa proximidade, resultado do atual modelo logístico de distribuição, é a forma que a CRS encontrou para começar a incentivar os pequenos negócios, os empreendedores das adegas, a aproveitarem as ocasiões de venda com propostas de capacitação para criar clubes do drink, além de "treinar essa turma toda para fazer os melhores copões", diz De Faria.
O projeto-piloto prevê até oferecer cursos de contabilidade, criar soluções de ecossistema para as adegas entenderem qual o melhor fornecedor para comprar os produtos, ou seja, se é no distribuidor ou no cash-and-carry, ou até as já citadas experiências de treinamentos diversos.
"Essa turma não tem tempo para pensar nisso, precisa se preocupar em vender. Por isso, a ideia é conectar, ancorada em uma estratégia mais ampla. E trazer novos produtos, inovações, ativações, experiências com as marcas e mais capacitação para os empreendedores das adegas ganharem dinheiro. Essa é a expectativa da CRS para se reinventar nesses 100 anos."
Citando novamente que, enquanto o mercado de bebidas cresceu entre 2% e 3% em 2024, a CRS Brands cresceu 15%, De Faria enxerga oportunidades mesmo com a retração do consumo da categoria em 34% no primeiro trimestre deste ano, conforme divulgou na última terça-feira (17) a consultoria Kantar, em seu estudo 'Consumer Insights 2025', elaborado pela Wordpanel.
O diretor faz um retrospecto dos últimos 40 anos para explicar as transformações da categoria de destilados até o momento atual, que começou com a expansão da vodka na década de 1980, a abertura do mercado com o Plano Collor e a febre da importação de uísque na década de 1990, até chegar ao avanço do gim a partir dos anos 2000.
Mas, se antes a regra era tomar essas bebidas puras - "se você tomasse uma Absolut com gelo, já era julgado", brinca De Faria -, o que ajudou essa categoria a sair do lugar-comum foi a criação dos drinques e do conceito do drinkability, da alta coquetelaria.
O objetivo? Aumentar a frequência de consumo já naquela época: afinal, uma caixa de Johnnie Walker ou Ballantine's durava pelo menos um ano. Com o incentivo ao preparo de drinques, o consumidor passou a tomar todo fim de semana, mais vezes e em vários lugares, lembra.
"Queremos ser um motor de crescimento da categoria fazendo diferente, ajudando o distribuidor ou o varejista a crescer em vendas com o modelo híbrido e a capacitação das adegas de bairro para mudar esse cenário. Para inovar, precisa ter história para contar, e isso nós temos."
Maior linha de envase do mundo
O negócio que deu origem à marca de espumantes mais popular do portfólio da CRS Brands foi a Fábrica de Vinhos Santa Isabel. Ela surgiu em 1926 a partir de uma venda recusada por uma vinícola da produção de uvas Niágara da família do imigrante italiano Santo Cereser - o que eternizou seu sobrenome como sinônimo de bebidas espumantes. Daí nasceu o produto número um da companhia, o vinho Dom Bosco.
Ao ampliar participação no mercado e vender vinho em todo o Brasil na primeira metade do século 20, a companhia se tornou Viti-Vinícola Cereser. O incentivo do governo a produtores para plantar maçãs na década de 1960 (e depender menos da importação argentina) levou a família empreendedora a diversificar o portfólio produzindo sidra, a bebida fermentada de maçãs que deu origem ao popular espumante, a partir de 1967. Ao completar 50 anos, em 2017, a sidra Cereser passou por reposicionamento de marca e teve até a cantora Ivete Sangalo como embaixadora.
Segundo a CRS Brands, anualmente são vendidos 20 milhões de litros de celebrantes, o que engloba as marcas Cereser, Celebrate, Georges Aubert e Chuva de Prata. Só do vinho Dom Bosco são 11 milhões de litros, e do Chanceler, 3,9 milhões.
A companhia é líder no mercado de sidras, do qual detém 40% de participação. Possui um parque fabril em Jundiaí, considerado a maior linha de envase de espumantes do mundo, com capacidade para produzir até 65 mil litros por hora, e outro em Cabo de Santo Agostinho (PE).
Cerca de 15% da produção é exportada para mais de 40 países da América do Sul, África e Oriente Médio (bebidas não-alcoólicas, como o suco de maçã gaseificado). O portfólio inclui vodkas (Kadov e Roskoff), aguardentes (Roskoff e Old Cesar 88), o vinho Massimiliano, o gim La Boie e a groselha Cereser. A Castelo Alimentos, de vinagres, molhos e temperos, também é uma empresa da família Cereser.
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