Karina Lignelli

Karina Lignelli

Repórter lignelli@dcomercio.com.br

100 Artigos Escritos

Mais deste autor

Do lado dos trabalhadores, pesam na equação a inflexibilidade de horários e jornadas extensas, em alguns casos, com trabalho aos fins de semana, além da baixa remuneração, que varia entre R$ 2.050 e R$ 2.150 de piso salarial bruto, em média, segundo Chiquinho Pereira, presidente do Sindicato dos Padeiros de São Paulo.  

Como as padarias têm jornadas de trabalho de domingo a domingo, explica, há uma grande resistência dos trabalhadores, especialmente dos jovens, que querem aproveitar o tempo livre para fazer algum curso, para o lazer ou simplesmente descansar.

"Para a maioria dos cargos, como balconistas, os salários são próximos ao piso da categoria nas padarias menores, e com os descontos, ficam em torno de R$ 1,6 mil líquidos - considerados insuficientes para sobreviver", diz. "Até padeiros e confeiteiros, que em grandes padarias podem ganhar salários mais altos, entre R$ 5 mil e R$ 6 mil, nas pequenas também ganham próximo ao piso."

Pereira aponta o trabalho diário para reforçar a importância da CLT para a categoria em uma operação que é geralmente estressante e muitas vezes realizada sob forte pressão - o que tem gerado aumento de 62% em relatos de assédio moral, especialmente do ponto de vista das trabalhadoras, afirma. E critica as "campanhas em redes sociais para disseminar a aversão ao trabalho com carteira assinada, e as vantagens da geração de renda informal". Principalmente entre os jovens.

"A CLT ainda é a única proteção do trabalhador, pois garante aposentadoria, INSS, assistência em caso de acidentes ou doença, férias, 13º, FGTS e PLR. Essas campanhas são uma verdadeira falácia, pois, além de prejudicarem os mais diversos setores, fazem com que o trabalhador perca benefícios cruciais sem ela." 

Usando como base números do Datafolha e da Fiesp, o levantamento do Sampapão confirma: no atual cenário de inflação e juros altos, 59% dos brasileiros consideram melhor trabalhar por conta própria, ante 39% que preferem ser contratados por uma empresa. Outros dados apontam que, de 2022 a 2025, subiu de 21% para 31% o total de pessoas que preferem ganhar mais trabalhando por conta própria do que terem registros em carteira.

Já o processo de busca por candidatos é considerado muito difícil para 77,1% das indústrias (inclui as de panificação) e, segundo uma pesquisa feita pelo Sampapão com alguns associados, 42 panificadoras já confirmam procura ativa por modelos de trabalho fora da CLT para minimizar o problema, destaca Gonçalves. 

Ou seja, com as novas possibilidades de trabalho como apps e vendas online que oferecem a tal flexibilidade, uma possível solução, pelo estudo do Sampapão, passa pela necessidade de os empregadores reformularem salários e a rigidez da carga horária para que os empregos no setor sejam mais atrativos. Por outro lado, estes também ficam de mãos atadas pelas próprias regras da CLT e de outras normas regulatórias.

"Nossa legislação para padarias não aceita muito isso, mas tem gente fazendo, vamos ter que ser muito criativos para achar alguma solução. Se nosso setor não encontrar caminhos para se modernizar e dialogar com essa nova realidade, corremos o risco de enfrentar uma crise de operação sem precedentes."  

Rui, do Sampapão: sem dialogar com a nova realidade, setor corre risco de enfrentar uma crise de operação sem precedentes

 

Geração Z, informalidade e competição

Voltando aos jovens, um comportamento normalizado em diversos setores também tem afetado as padarias, segundo Rui Gonçalves, do Sampapão: a Geração Z não quer ser CLT, pois prefere trabalhar de casa, "ou com celular no bolso e um fone no ouvido porque não querem fazer jornadas de oito horas", diz. E o setor, que historicamente oferece oportunidades de primeiro emprego e treinamento, não consegue mais atrair esses iniciantes. 

Quem entra no ramo, afirma, consegue evoluir: muitos que começaram trabalhando na limpeza, por exemplo, se tornaram atendentes, chapeiros ou até viraram padeiros ou confeiteiros. Em seu próprio empreendimento, a padaria Portugália, no Morumbi, o presidente do Sampapão afirma que tem empregados com mais de 20, 30 anos de casa que subiram de cargo desta forma.

Há estabelecimentos que não pedem experiência anterior nem para os cargos mais especializados, como é o caso da Villa Grano, com unidades na Vila Clementino e na Vila Madalena (zonas Sul e Oeste da capital paulista). Nelas, também há funcionários de carreira, segundo o proprietário Luiz Pereira Ferreira.

Ele conta que há mais de 15 anos prefere contratar quem nunca trabalhou no ramo porque dar treinamento é mais vantajoso para todos. "Vamos formando a pessoa, ensinando na área comercial... Também temos um projeto para o funcionário passar de setor a setor e, em dois anos, ficar apto a fazer tudo do comercial, como atendimento de pão, de frios, suco, café, chapa e atendimento no salão", conta. "Na parte industrial (de panificação), também damos treinamento aqui na casa."

Gonçalves reforça dizendo que o setor dá oportunidade para todos. "Ensinamos, pagamos cursos para os empregados aprenderem a profissão. Muitos acabam até fazendo outras carreiras, se tornam donos de padaria, mercadinhos, bares... Mas era aquele pessoal que queria trabalhar, isso 10, 15 anos atrás. Agora acabou." 

Ferreira tem opinião semelhante. Para ele, nas padarias, o problema não é a falta de mão de obra qualificada. "O problema é o desinteresse dos candidatos: muitos dizem que compensa mais ficar em casa", afirma, que tem mais duas padarias além das Villa Grano, e um déficit de pelo menos 30 funcionários para contratação urgente. 

Já o antigo problema de trabalho aos domingos, antes exclusivo das padarias, segundo Gonçalves, também não é mais desculpa, já que a lei atual engloba todo tipo de comércio: a jornada é de oito horas, com turnos de trabalho e escala de folgas, "um horário normal e comum a qualquer tipo de serviço", explica.

"Mas o maior problema é que hoje o empregado chega na padaria para fazer entrevista e pergunta: 'vou ser registrado? Então não quero, obrigado'. Mas o que mais nos surpreende é que não é padaria, é qualquer tipo de ramo, em São Paulo e no Brasil. O comércio como um todo, construção civil... todo mundo reclama."

Nesse cenário, aumentou o número de informais, destaca, que hoje são mais de 38% da população ocupada (quase 40 milhões, segundo o IBGE). "Todo mundo quer ser dono de alguma coisa, ser proprietário nem que seja de uma barraquinha, menos ser registrado. Por isso é que a mão de obra fugiu do mercado."

E há uma questão delicada: a competição por funcionários entre as empresas do setor. Com a falta de mão de obra, tem sido comum o roubo de profissionais, ou seja, convidar um empregado de outra padaria a mudar de emprego oferecendo algum benefício extra, seja em aumento de salário ou uma folga a mais. 

Sérgio Luiz Bacelo Amorim, da Amor in Pani, no bairro da Aclimação, confirma. "A gente tem perdido algumas pessoas para os concorrentes, sim. Mas eu acho que isso faz parte do mercado e não só do nosso", explica. Dono de outras três padarias Santa Ifigênia espalhadas pelo Centro da capital paulista, Amorim contemporiza dizendo que as pessoas também procuram condições melhores de trabalho e de salários, mas muitas vezes mudam e mostram não ter qualificação suficiente. 

Para Rui Gonçalves, essa concorrência um tanto desleal infelizmente é uma realidade no setor, porque com a falta de mão de obra, muitos não encontram opção. "É deselegante, chata, feia, é verdade. Mas acontece: quem precisa desesperadamente vai na padaria do outro, pergunta quanto o funcionário ganha e... 'dou mais R$ 300, vem trabalhar comigo?' E o empregado vai, porque dinheiro é dinheiro." 

Para segurar esse funcionário, Amorim diz que a comunicação é primordial no negócio de padarias, além de uma gestão mais familiar e humanizada para reter essa pessoa, sem tratar o trabalhador como "uma peça a mais para virar dinheiro", afirma.

Ele diz ainda que sempre orienta o RH "a demorar para contratar, e ser rápido para demitir" - justamente para reter quem tem real interesse no emprego. E que o fato de duas de suas padarias não abrirem de domingo é um plus.

"A gente procura estar ao lado do colaborador, criar um ambiente mais favorável, desde coisas mais básicas, como o vestiário ou refeitório, até manter a porta do meu escritório aberta para quem quiser entrar e conversar quando precisa. Acho que o segredo é esse: ter sempre um canal aberto para a comunicação." 

Hoje, no total, o Grupo Santa Ifigênia tem cerca de 180 funcionários e um turnover de 5%, 6%, "suficiente para movimentar quando é preciso", diz Amorim. 

Sérgio, da Amor in Pani: demora para contratar e rapidez para demitir para reter quem realmente tem interesse no emprego

 

Tradição versus modernidade

Os self-checkouts já fazem parte do cenário há mais de uma década, assim como os pedidos por QR Code, maquinários automatizados para acelerar a produção e os softwares de estoque e precificação integrados. Para driblar a falta de mão de obra, tem até dono de padaria importando robôs da China, semelhantes aos utilizados em hotelaria, para testar a aceitação do consumidor quanto ao atendimento e, quem sabe, minimizar o problema.  

Hoje, segundo Rui Gonçalves, do Sampapão, há um esforço dos proprietários para trazer novidades do exterior e maquinários como masseiras espirais, cilindros, amassadeiras, fornos industriais, ultracongeladores ou supercentrífugas, entre outros, para diminuir essa necessidade de funcionários.  

"Máquinas que antes exigiam três trabalhadores, agora operam com um ou no máximo dois", explica ele, que diz que eventos do setor, como a Fipan, são importantes para mostrar essas inovações e trazer modernização para as padarias. O setor também oferece treinamento para que os funcionários possam operar as novas máquinas, "reconhecendo que elas não funcionam sozinhas."

Mas a modernização traz outro desafio: a natureza artesanal das padarias. Gonçalves lembra que grande parte dos produtos (pães, salgados, confeitaria) é manual e artesanal, exigindo o toque humano - o que torna difícil a substituição total por máquinas. Sem contar o alto custo de investimento e espaço para acomodá-las - o que é inviável para muitas padarias, em especial as pequenas. 

Em sua avaliação, o "futuro da modernidade" que ajudará a resolver essa falta de mão de obra é tentar fazer a máquina trabalhar para ocupar esse vácuo. "Em alguns lugares vai dar certo, mas em outros não vai. Porque, insisto: o artesanal, o manual, ainda é muito forte no nosso setor."

LEIA MAIS: Padaria 'contrata' robô para contornar crise de mão de obra

Outra questão, segundo ele, é uma espécie de rejeição cultural à automação, já que existe uma forte preferência dos brasileiros, em especial dos paulistanos, pelo atendimento humano: segundo o presidente do Sampapão, cerca de 90% dos clientes preferem ser atendidos dessa forma. Tentativas de implantar sistemas de autoatendimento (como pedidos via celular) encontram grande rejeição - inclusive entre os jovens, pois os clientes valorizam a interação pessoal.

"Porque é aquela história, o pessoal quer chegar e 'bom dia, e o Corinthians? E o Palmeiras? Vai chover?' É normal o cliente entrar na padaria, sentar e não pedir nada, e o chapeiro, o atendente, já saber o que ele vai pedir. Ou só perguntar: 'o mesmo de ontem?' O pessoal vira amigo", conta.

Mas, se o dilema continua, pois o consumidor paulistano quer ser bem atendido na padaria mas não quer trabalhar na área, reforça Gonçalves, o setor de padarias em São Paulo não para: muitos estabelecimentos estão se revitalizando ou investindo em novas casas, que já nascem automatizadas e modernas.

Crescendo "um pouquinho" por ano desde a pandemia, e com a expectativa de fechar 2025 com alta de 4% a 5%, em paralelo ao impasse da falta de mão de obra, o setor de panificação se movimenta com iniciativas para promover a qualidade e a importância cultural desses estabelecimentos.

Entre elas, estão o evento anual Padocaria, lançado na última quarta-feira (10) para eleger as melhores padarias de São Paulo, o reconhecimento do setor pelo Governo do Estado, que incluiu 300 padarias no roteiro turístico de São Paulo em 2023, e a parceria com a multinacional de alimentos Bunge para transformar o pão paulistano em patrimônio imaterial da cidade.

"São essas coisas que fazem com que as padarias, além de ficarem na mídia, levem a população a analisar nosso setor com outros olhos", acredita Gonçalves. 

LEIA MAIS

O plano ambicioso da PaneBras para levar o pãozinho brasileiro aos 50 estados dos EUA

Do trigo ao balcão: padarias artesanais resgatam o tempo, sabor e terroir do pão

Olivier Anquier reabre a padaria Mundo Pão no Centro de SP

'Não falta mão de obra, o que falta é atratividade para o empregado do varejo'

No varejo, sobram vagas. Mas faltam interessados

Falta de mão de obra já compromete expansão de redes. O que fazer?

 

IMAGENS: Karina Lignelli

" ["publish_date"]=> string(19) "2025-09-16 07:30:00" ["created"]=> string(19) "2025-09-10 14:29:19" ["created_by"]=> string(4) "5703" ["modified"]=> string(19) "2025-10-10 13:20:20" ["modified_by"]=> NULL ["fix"]=> string(1) "1" ["priority"]=> string(1) "0" ["publisher_id"]=> string(3) "134" ["category_id"]=> string(2) "15" ["status"]=> string(1) "1" ["slug"]=> string(75) "padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-falta-de-mao-de-obra" ["d_e_l_e_t_"]=> string(1) "0" ["pic_small"]=> string(91) "public/upload/gallery/magens-2025/dcomercio-funcionarias_padaria-karinalignelli_-_copia.jpg" ["pic_large"]=> string(91) "public/upload/gallery/magens-2025/dcomercio-funcionarias_padaria-karinalignelli_-_copia.jpg" ["views"]=> string(5) "33489" ["type"]=> string(1) "0" ["ref_link"]=> string(0) "" ["analised_date"]=> NULL ["analised_by"]=> NULL ["analised"]=> string(1) "0" ["order"]=> string(1) "0" ["old_slug"]=> string(76) "padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-apagao-de-mao-de-obra" ["pic_large_embed"]=> string(1) "1" ["meta_description"]=> string(0) "" ["horario_att"]=> string(19) "2025-10-09 12:00:03" ["meta_keywords"]=> string(0) "" ["google"]=> string(5) "24322" ["category"]=> array(14) { ["id"]=> string(2) "15" ["title"]=> string(7) "Gestão" ["slug"]=> string(6) "gestao" ["color"]=> string(6) "3999D3" ["created"]=> NULL ["modified"]=> string(19) "2017-06-01 12:31:56" ["category_id"]=> NULL ["d_e_l_e_t_"]=> string(1) "0" ["category_owner_id"]=> string(1) "1" ["level"]=> string(1) "1" ["meta_description"]=> string(0) "" ["meta_keywords"]=> string(0) "" ["color_sec"]=> string(6) "FFFFFF" ["old_slug"]=> NULL } ["publisher"]=> array(8) { ["id"]=> string(3) "134" ["name"]=> string(15) "Karina Lignelli" ["description"]=> string(35) "Repórter lignelli@dcomercio.com.br" ["status"]=> string(1) "1" ["d_e_l_e_t_"]=> string(1) "0" ["slug"]=> string(15) "karina-lignelli" ["display"]=> string(1) "0" ["pic"]=> string(31) "public/upload/publisher/134.png" } ["_publish_date"]=> string(11) "16/Set/2025" ["_indirect_route"]=> string(92) "categoria/gestao/padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-falta-de-mao-de-obra" ["_direct_route"]=> string(86) "publicacao/padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-falta-de-mao-de-obra" ["_direct_old_route"]=> string(87) "publicacao/padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-apagao-de-mao-de-obra" ["_route"]=> string(92) "categoria/gestao/padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-falta-de-mao-de-obra" ["_old_route"]=> string(93) "categoria/gestao/padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-apagao-de-mao-de-obra" ["_cat_route"]=> string(16) "categoria/gestao" ["_indirect_old_route"]=> string(93) "categoria/gestao/padarias-paulistas-tentam-se-modernizar-para-enfrentar-apagao-de-mao-de-obra" ["thumbImg"]=> NULL } } ["pagination"]=> array(6) { ["total"]=> int(0) ["pages"]=> float(-1) ["page"]=> int(0) ["page_list"]=> array(0) { } ["first_page"]=> NULL ["last_page"]=> int(0) } } -->

Indicadores Econômicos

Fator de Reajuste

indice
Jul
Ago
Set
IGP-M
1,0296
1,0303
1,0282
IGP-DI
1,0291
1,0300
1,0231
IPCA
1,0523
1,0513
1,0517
IPC-Fipe
1,0507
1,0492
1,0541

Vídeos

Marketplaces na mira do ICMS e outros destaques do Diário do Comércio

Marketplaces na mira do ICMS e outros destaques do Diário do Comércio

Wishin estreia em shopping, número de lojas cresce em SP e outros destaques do Diário do Comércio

Padarias enfrentam escassez de mão de obra, MP 232 e outros destaques do Diário do Comércio.

Feiras e Eventos