Metanol no copo: bares e restaurantes reforçam medidas contra adulteração
À frente do Drosophyla há 40 anos, Lílian Varella (na foto) afirma que comprar de locais homologados evita problemas. Para reduzir riscos, associações de bares e restaurantes e a indústria de bebidas têm ministrado cursos online para orientar donos de estabelecimentos a identificar falsificações

No Drosophyla Bar, no Centro da capital paulista, a prática é sempre comprar de fornecedores homologados e guardar selos de autenticidade para eventuais fiscalizações. No Broca Restaurante, localizado na agitada rua Aspicuelta, na Vila Madalena, a proposta de trabalhar com coquetelaria brasileira leva o empreendimento a realizar pesquisas criteriosas de produtos de qualidade e boa procedência, fiscalizados pela Anvisa e Ministério da Agricultura.
Porém, mesmo que muitos bares e restaurantes se destaquem pelas boas práticas, o setor começou outubro envolto em notícias negativas após casos de clientes hospitalizados e até mortos após o consumo de bebidas alcoólicas 'batizadas' com metanol.
Uma força-tarefa combinada entre a Polícia Federal e o Ministério da Agricultura fiscalizou diversos depósitos de distribuição de bebidas na última quinta-feira (02), na Grande São Paulo e no interior do estado, para investigar a origem do problema. Balanço do governo paulista aponta que há dez casos confirmados de intoxicação pela substância, 52 sob análise, uma morte confirmada e mais cinco sob suspeita. Também foram apreendidas mais de 940 garrafas contaminadas e seis bares foram interditados na Capital paulista e na Grande São Paulo.
Nesse contexto, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) e a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) reforçam a orientação aos donos de estabelecimentos para evitarem riscos relacionados à falsificação de bebidas, não só pela grave ameaça à saúde dos consumidores, mas também por prejudicar a credibilidade do setor e gerar prejuízos econômicos.
Com a situação crítica e o provável aumento dos casos, as entidades lançaram nesta semana uma série de treinamentos online, gratuitos e com certificado, aos empreendedores do setor, com orientações práticas sobre como identificar bebidas falsificadas.
Entre elas, as associações recomendam comprar apenas de fornecedores confiáveis, priorizando distribuidores legalizados, reconhecidos e que possuam sistema de distribuição próprio e seguro. Orientam também a evitar compras de comerciantes ou fornecedores sem histórico sólido, principalmente quando os preços estiverem muito abaixo do mercado, "pois pode ser um forte indicativo de adulteração". Solicitar nota fiscal é outro cuidado básico.
Recomendam ainda fazer o descarte seguro das embalagens, que devem ser inutilizadas (quebradas), impedindo seu reaproveitamento por falsificadores. "A maioria dos bares e restaurantes associados à Abrasel-SP já realiza suas compras exclusivamente de grandes fornecedores, o que reduz significativamente o risco de receberem produtos falsificados", afirma Gabriel Pinheiro, diretor da Abrasel-SP.
Uma das principais garantias de qualidade das bebidas é a tampa, segundo explicou Daniel Monferrari, head de Proteção às Marcas e Segurança Corporativa da Diageo, durante um dos treinamentos online ministrados pelas entidades. Tampas originais apresentam um acabamento preciso, sem amassados ou espaçamentos, e com arte impressa em alta qualidade. "Já a presença de lacres plásticos sobrepostos a tampas decoradas é um forte indicativo de adulteração", disse.
Outro ponto de atenção é o selo fiscal, obrigatório em bebidas destiladas importadas. Produzido pela Casa da Moeda, o selo autêntico possui holografia progressiva que revela apenas uma letra por vez — R, F ou B. Se todas as letras forem visíveis, há grande chance de o produto ser falsificado.
O treinamento também orientou sobre análise do conteúdo das garrafas, que, se forem da mesma marca, devem ter o mesmo nível de enchimento e líquidos sem impurezas. Diferenças de coloração em garrafas idênticas podem indicar falsificação.
Rótulos e contrarrótulos também precisam ser cuidadosamente analisados, alertou: produtos legítimos apresentam impressão de alta qualidade, com informações obrigatórias em português, como ingredientes, origem e número de registro no Ministério da Agricultura. Erros de grafia também são considerados sinais claros de falsificação.
A rastreabilidade dos produtos por meio do código de barras é outra ferramenta indispensável para garantir visibilidade sobre toda a cadeia de produção e distribuição, segundo a GS1 Brasil (Associação Brasileira de Automação). "O padrão global de identificação auxilia o rastreio de lotes de produtos originais distribuídos e garante segurança para o consumidor", informa a entidade, reconhecida por atribuir código de barras e QR Code Padrão aos produtos.
Mesmo assim, a fiscalização governamental prévia e volta ao início da cadeia continua fundamental, segundo a Abrasel-SP. "Os falsificadores utilizam garrafas e selos originais, o que torna quase impossível identificar a fraude apenas pela análise visual. Por isso, a atuação das autoridades precisa se concentrar em barrar a produção e a distribuição antes que esses produtos cheguem ao mercado”, reforça Pinheiro.

O olhar de quem está atrás do balcão
Adeptos das boas práticas, a empresária Lilian Varella, 40 anos à frente do Drosophyla, e Rafael 'Rafa' Câmara, gestor de bebidas e bartender do Broca, têm critérios bem próprios, porém semelhantes, para evitar problemas com falsificações ou adulterações de bebidas alcoólicas. Lílian, por exemplo, afirma que "não existe bebida barata nem almoço grátis", por isso, só compra de empresas homologadas pelos grandes produtores, como Diageo ou Pernod Ricard, por exemplo.
"Só compro dos fornecedores que os grandes produtores indicam, tudo com nota fiscal. Não tem erro. Em 40 anos de bar, nunca aconteceu nada porque fazemos o certo", afirma Lílian. Segundo ela, ainda que o setor tenha margens apertadas, é melhor evitar as bebidas baratas ou as contrabandeadas nas malas de amigos para fugir dos impostos, pois é aí que está o perigo.
"Esquece a bebida barata. Eu acho que a grande dica que dou é essa: compre apenas das lojas homologadas e sempre guarde a relação dos selos das bebidas que as lojas fornecem. Guardamos porque, se precisar, temos para mostrar."
No Broca, restaurante e bar 'jovem' em atividade há um ano e meio, segundo o gestor Rafael, dois pontos são importantes: primeiro, conhecer o fornecedor e, segundo, fazer o controle de compras. "Temos controle financeiro, fiscal, justamente para que não exista a possibilidade de fazer intermédios, para evitar comprar bebidas de promoções ou qualquer item que não seja produzido ou distribuído pelos fornecedores-padrão", explica.
Mas o principal ponto é realmente conhecer quem vende para o Broca. "É dar um pouquinho mais de espaço e visibilidade para o mercado brasileiro, que produz incríveis destilados. Estando aqui é possível conhecer destilarias, processos, e isso engrandece muito em termos de storytelling, de conceito, de marca, de pesquisa", completa o gestor e bartender, que reforça que as compras sempre são feitas com nota fiscal e têm o selo das bebidas.
Como pequena empresa, o Broca tenta sempre priorizar o contato direto com os fornecedores e procura ir até a fábrica ou à distribuidora para acompanhar o processo, afirma Rafael. "Isso faz com que a gente tenha segurança e possa zelar pela saúde dos nossos clientes. É o que faz com que a gente tenha tranquilidade para oferecer coquetéis e bebidas mesmo nessa situação crítica. Esse tipo de bebida [adulterada] nunca chegaria em nosso estabelecimento, porque a pessoa responsável pelas compras sou eu."
Segundo a Abrasel-SP, a falsificação ocorre geralmente em produtos de alto valor agregado, como whiskys, destilados premium do tipo gim, vodka e cachaças, e vem se intensificando nos últimos meses. As investigações continuam em curso e, mesmo que a maioria dos bares e restaurantes associados à entidade já realize suas compras de grandes fornecedores, segundo Pinheiro, o grande problema acontece quando isso foge do padrão.
Ele diz que, no geral, a prática criminosa não existe na grande maioria dos estabelecimentos, que acabam envolvidos nesses casos por se tornarem vítimas ao comprarem de vendedores de rua. Pinheiro diz que muitos estabelecimentos notificados apresentaram documentação e notas fiscais. "Agora é o momento de descobrir quem são esses fornecedores e o que está sendo vendido para encontrar a raiz do problema da falsificação."
Ao ser perguntado se negócios de pequeno porte podem ter sido vítimas de fornecedores fraudulentos, pois trabalham com margens apertadas e precisam procurar o melhor custo-benefício, Pinheiro disse não conseguir afirmar se esse é o problema no momento, pois, quando se fala em bebidas muito padronizadas, não costuma existir grande diferença de preço nem grandes ofertas. "Tudo está dentro do padrão no mercado."
“Estamos diante de uma questão de saúde pública e de preservação da imagem do setor de alimentação fora do lar. Bebidas adulteradas podem provocar intoxicações graves e até mortes. Além de destruir a confiança do consumidor, afetam bares e restaurantes que trabalham dentro da lei”, afirma ele, que diz que o trabalho das entidades é acompanhar todos os casos e "levar conteúdo e informação para os empresários fazerem a escolha correta dos fornecedores na jornada de compra."
Para o presidente da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), Eduardo Cidade, que também destacou a importância da capacitação, é essencial separar o setor produtivo formal, que cumpre padrões rígidos de qualidade, segurança e conformidade regulatória, da atuação criminosa do mercado ilegal.
"A expansão desse mercado no Brasil não apenas coloca em risco a saúde da população. Um produto ilegal é vendido, em média, 35% mais barato do que o original, e a diferença pode chegar a até 48%, resultado da alta carga tributária do setor e da impunidade, que estão entre os principais fatores que estimulam o comércio ilícito”.
Para mais informações sobre os webinars que orientam sobre bebidas falsificadas, que serão realizados até a próxima semana, basta acessar a página da Abrasel-SP no Instagram.
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IMAGENS: arquivo pessoal