A oportunidade da conveniência
“As Fachadas Ativas, operadas a partir de um ecossistema próprio, só têm a contribuir para uma São Paulo ainda mais viva, plural e dinâmica”

*com equipe do Conselho de Política Urbana (CPU) da ACSP
Sabe aquele dia em que você está atrasado e não vai dar tempo de tomar café da manhã em casa? Ou quando surge uma reunião inesperada e seu terno não está passado? Aqueles dias em que, ao receber um amigo de última hora, percebe que acabou o café? É nessas horas que a padaria, a lavanderia e o mercadinho mais próximos de sua residência te salvam do sufoco.
Sim, essas situações são mais frequentes do que a gente imagina, e a verdade é que, num cenário contemporâneo em que tudo que falta é exatamente tempo, ter conveniências de comércio e serviço na porta de casa é uma baita mão na roda. É inegável que o e-commerce, o delivery e tantas modalidades de compra digital transformaram os nossos hábitos de vida e consumo, mas, quando a situação é emergencial, o pronto-socorro que atende de forma mais imediata é a portinha que está aberta a poucos passos da nossa casa.
Essa portinha, conhecida como o bom e velho comércio de bairro ou a saudosa mercearia dos nossos avós, ganhou um nome chique e rebuscado, bem ao gosto dos arquitetos e urbanistas, a partir do Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo no ano de 2014: Fachada Ativa. Fachada, porque está na face do edifício, e Ativa, porque se trata justamente de um ponto que “ativa” a circulação de pedestres na calçada e nas proximidades, promovendo, em termos urbanísticos, vitalidade e interação social entre espaços públicos e privados.
Em seu célebre livro “Morte e vida de grandes cidades”, Jane Jacobs já explicava em 1961 que o meio mais generoso de promover segurança urbana é ter gente na rua. Isso mesmo, “olhos na rua” são muito mais eficazes contra roubos e incidentes violentos e causam muito mais sensação de segurança do que a presença intimidadora de grandes extensões de muros nas quadras. E o que gera o movimento de pessoas nas ruas e espaços públicos? A moradia, o trabalho, o estudo, o lazer e, principalmente, o comércio e o serviço.
Abrigando uma infinidade de estabelecimentos que configuram a força motriz da economia paulistana, a importância da Fachada Ativa para a dinâmica de nossa cidade é tamanha que foi objeto de pesquisa contratada pela Associação Comercial de São Paulo, através de seu Conselho de Política Urbana, ao escritório Campagner Arq&Urb. No aniversário de 10 anos do instrumento, a pesquisa buscou entender a aplicabilidade e os efeitos do incentivo à Fachada Ativa em empreendimentos imobiliários paulistanos. Além de responder aos anseios dos empreendedores e aos constantes rumores de expulsão do comércio local com a chegada dos novos empreendimentos.
Os principais resultados? A partir da sua regulamentação, cerca de 20% dos edifícios na cidade têm sido construídos com Fachadas Ativas, que estão mais presentes na Vila Mariana, Ibirapuera e Perdizes. Não é difícil notar que a produção imobiliária ocorre de forma muito diversa nas diferentes regiões da cidade, e isso não foi diferente com a opção por este modelo. Levantamento nos eixos com o maior número de edifícios produzidos no período revelou taxas de vacância de 60% a 80% das Fachadas Ativas. Nem sempre localizadas em avenidas ou nas proximidades de estações de trem e metrô (como se imaginou), os usos exitosos são predominantemente mini mercados, conveniência e serviços.
Sim, eu sei que você já pensou no OXXO que te ajudou a completar a compra para o almoço na semana passada, ou naquela cafeteria que você está planejando visitar, já que é tão perto de casa. “É bom para a cidade, e bom para os negócios”. Esse pensamento é unânime entre quem produz, comercializa, gerencia e ocupa as Fachadas Ativas. Porta fechada não agrada ninguém. Ainda mais se ela gerar emprego, renda, comodidade, rapidez, conforto, segurança e um espaço público aprazível para todos.
Uma década pode até parecer muito tempo, eu sei. Mas para uma mudança na cultura de produção e consumo de uma cidade, ainda mais quando falamos da maior cidade da América Latina, é como uma fração de segundo. Legisladores, projetistas, construtores e locatários precisam dialogar, em conjunto, sobre as potencialidades e deficiências desta tipologia. Pois, com amadurecimento, aperfeiçoamento e, fundamentalmente, a expertise comercial, as Fachadas Ativas, operadas a partir de um ecossistema próprio, só têm a contribuir para uma São Paulo ainda mais viva, plural e dinâmica.
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IMAGEM: Prefeitura de SP