Não ao retrocesso na paisagem urbana

‘Só na Câmara dos Vereadores, são quase duas dezenas de projetos de lei que propõem brechas na aplicação da Lei Cidade Limpa’

Antonio Carlos Pela
11/Jul/2025
Vice-presidente da ACSP e coordenador do CPU
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Não ao retrocesso na paisagem urbana

*com equipe do Conselho de Política Urbana (CPU) da ACSP

Gostaria de começar esse artigo fazendo uma pergunta a você, leitor: qual foi a última propaganda que você viu hoje? Indo um pouco mais além: onde você a recebeu? Deixe-me adivinhar: no seu smartphone. Podemos então atribuir às redes sociais a migração da publicidade dos meios físicos aos meios digitais?

Criado em 2004, não podemos acusar o Facebook pelo banimento dos outdoors e demais propagandas da paisagem urbana da cidade de São Paulo. Embora contemporâneo, o autor da limpeza urbana visual foi um regramento instituído em 2006, não por acaso conhecido como Lei Cidade Limpa.

Reconhecida e premiada mundialmente como política urbana exitosa no combate à poluição visual, esta lei continua a representar um verdadeiro marco urbanístico, tendo sido replicada em diversas outras cidades pelo mundo. Entretanto, mascaradas com a intenção de “modernizá-la”, muitas foram e são as tentativas de desmontar essa legislação.

Só na Câmara dos Vereadores, são quase duas dezenas de projetos de lei que propõem brechas em sua aplicação na cidade. Um, em particular, proposto em 2023 pelo vereador Rubinho Nunes, foi recentemente aprovado pela Câmara em 1ª votação. Defendida pela base do governo, a tentativa atual é de reproduzir a Times Square e seus icônicos painéis de LED em alguns pontos da cidade.

No rol de alterações pretendidas pelo PL 239/2023, estão liberar a instalação de painéis de LED em até 70% da fachada de bens patrimoniais; aumentar de 4m² para 12m² o limite para anúncios em imóveis; ampliar a quantidade de anúncios indicativos em prédios privados ou públicos e possibilitar a instalação de publicidade em locais atualmente proibidos, como vias, parques, praças, pontes, passarelas, viadutos, túneis, muros públicos e privados.

Embora a motivação da proposta pareça plausível, há que se observar com cautela os fins da mesma e os precedentes que poderão se instaurar na cidade. Não é segredo para ninguém que os cofres públicos não sofrem com falta de recursos. Portanto, o argumento de que o objetivo seria angariar novos fundos é absolutamente frágil. Mais do que prever captação, uma política pública sensata precisa indicar quanto, para quê e como o recurso obtido seria aplicado.

Em se tratando dos edifícios tombados de propriedade privada, que enfrentam conhecidas dificuldades para realizar a manutenção e conservação de seus imóveis, a própria Lei já dispõe de dispositivo que permite a instalação de publicidade na tela ‘fachadeira’ da obra de restauro a fim de prover recursos para tal. O edifício Copan foi o único a solicitar essa permissão, baseada no Decreto nº 57.667/17, mas ainda não foi operacionalizada.

A quem interessa romper quase duas décadas de êxito de uma legislação inovadora e mundialmente reconhecida que transformou radicalmente a paisagem urbana de São Paulo e continua a inspirar cidades que desejam uma paisagem ordenada e harmônica?

O que tem mais valor em uma cena urbana: painéis de LED com imagens abstratas (único conteúdo passível de ser exibido) ou a arquitetura que representa a memória, a identidade e a história de uma cidade com 471 anos de existência?

O que te fará comprar um carro novo: um outdoor ou um vídeo demonstrativo com todas as informações que você quiser acessar para ver, na palma da sua mão, todos os detalhes possíveis e inimagináveis sobre este produto?

Talvez os criadores das redes sociais já soubessem da iminente obsolescência da publicidade física no meio urbano e mal imaginavam o potencial do novo canal expositivo de mídia que estavam criando. Fato é que nossa cidade já avançou e vive bem sem propagandas desregradas e excessivas a cada esquina. E em tempos de IA, até o ChatGPT, se questionado, recomendaria o banimento deste retrocesso.

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio

 

IMAGEM: Luiz Prado/DC

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