O Imposto Seletivo vem aí!

“Visto que é impossível mensurar o mal que o consumo de cada bem ou serviço faz à saúde ou ao ambiente, a porta fica aberta, e o pretexto dado, para aumentos oportunísticos do imposto”

Isaias Coelho
24/Set/2025
Pesquisador sênior do NEF da FGV Direito SP e membro do Caeft da ACSP
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O Imposto Seletivo vem aí!

A ciência da tributação atingiu sua maturidade no século XX, quando dois impostos gerais, um sobre a renda e outro sobre o consumo, se estabeleceram como paradigma. Eles substituíram uma miríade de impostos parciais sobre formas de renda e de gasto.

Numa época em que o alcance da rede bancária era limitado, os governos recebiam tributos em dinheiro nas suas milhares de recebedorias, não havia internet nem “nuvem”, não havia cadastros sociais personalizados e não havia programas de transferência de renda, os impostos eram chamados a exercer função de justiça social e fiscal por meio da seletividade, pela qual as taxas do imposto variavam inversamente à essencialidade dos produtos.

Assim é que o Imposto de Consumo (hoje, IPI) classificava as mercadorias em milhares de categorias, com respectivas taxas. Com o surgimento de impostos cada vez mais gerais (IVC, ICM, ICMS, PIS/Cofins, IBS, CBS) o IPI foi perdendo sentido e seu escopo de incidência gradualmente diminuído.

Assim é que os vários projetos de reforma tributária do consumo surgidos pós-1988 previam a substituição do IPI por um imposto seletivo sobre número muito limitado de produtos. Essa visão coincide com a praxe mundial, onde um imposto geral sobre o consumo (IVA) convive com um imposto seletivo (excise, accisa) sobre produtos de tabaco, bebidas alcoólicas e combustíveis fósseis.

Entretanto, a emenda constitucional adotada (nº 132) manda aplicar o novo Imposto Seletivo (IS) a “bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”. Assim, em princípio pode o IS tributar as mercadorias sujeitas às accisas tradicionais, as bebidas açucaradas, as comidas gordurosas, os sofás confortáveis, as viagens aéreas de longa duração, os bens de luxo, os picolés com palito de plástico, os shows com luzes estroboscópicas, pode enfim abranger tudo o que existe sob o sol. Pode trazer de volta o finado Imposto de Consumo sob novo nome.

Felizmente, a lei complementar (nº 214) que instituiu o IS limitou-se a tributar veículos, aeronaves, bebidas açucaradas ou alcoólicas, fumígenos e bets – mas inclui a exportação de minerais, insensatez que merece discussão à parte.

Vocacionado que é a mitigar externalidades negativas, não faz sentido que o IS tenha 60% de sua receita destinada a estados e municípios. Essa repartição, mais a destinação dos 40% ao orçamento federal geral, deixa claro que o objetivo do IS é arrecadatório, não extrafiscal. E visto que é impossível mensurar o mal que o consumo de cada bem ou serviço faz à saúde ou ao ambiente, a porta fica aberta, e o pretexto dado, para aumentos oportunísticos do imposto.

Mas tudo isso é nada comparado com a maluquice-mor: o IS é criado, mas o IPI continuará vivinho da silva, enquanto o novo IS traz para a Zona Franca os mesmos privilégios dados pelo IPI. A função do IPI consistirá em punir a produção industrial fora de Manaus. Se o produto é feito em Manaus, e alguém ousar produzi-lo em outra região do país, então sapeque-se IPI nele!

O novo Imposto Seletivo promete.

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IMAGEM: DC - criada com IA Gemini

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