A irrelevância da ONU
“Quando delegações de países deixam o plenário vazio para protestar contra o inferno da guerra é difícil não ver ali uma assembleia colegial de líderes fracos dissimulando humanidade sem assumir responsabilidade”

Na entrada do hall da Assembleia Geral na sede das Nações Unidas (ONU) em Nova York, os painéis "Guerra e Paz" do artista brasileiro Cândido Portinari pairam como uma admoestação aos líderes mundiais que anualmente se encontram ali sobre a importância da transformação da guerra em paz.
Curiosamente, Portinari não pôde acompanhar a instalação de sua própria obra na ONU, porque teve o visto de entrada nos Estados Unidos negado em razão das posições políticas que lhe eram associadas. Do Séc XX para o XXI, a diferença é ver a ONU como um fracasso multilateral.
O Secretario Geral da época, o sueco Dag Hammarskjöld, que viria a receber o Prêmio Nobel da Paz postumamente, após morrer num suspeito acidente de avião em 1961 na África, dizia que “a ONU não foi criada para levar a humanidade ao paraíso, mas para salvar a humanidade do inferno.” Será? Quando delegações de países deixam o plenário vazio para protestar contra o inferno da guerra é difícil não ver ali uma assembleia colegial de líderes fracos dissimulando humanidade sem assumir responsabilidade.
A ONU passa por um período triste e sombrio, sem muitas condições de ajudar a humanidade. Nessa Assembleia Geral, no final do mês passado, marcando os 80 anos das Nações Unidas, era visível o estado bastante puído ou rasgado das cadeiras no plenário de sua sede em Nova York, claro sinal da má-conservação da entidade, mesmo em seus aspectos mais banais.
Reflexo de tudo, a ONU enfrenta um corte orçamentário de 500 milhões de dólares. O qual levará ao fechamento de cerca de 20% dos postos de trabalho, após a forte redução no financiamento dos EUA. Mas quem observa a proposta orçamentária para a redução de pessoal, vê como fazem as elites do holerite que mandam no caixa dos Estados atuais. Os cortes da ONU para 2026 poupam os volumosos e improdutivos escalões mais altos, que permanecem muito bem remunerados — inclusive para os padrões nova-iorquinos.
O enfraquecimento da ONU já vem de décadas, em parte pela resistência em reformar a instituição, em parte pelo boicote que os principais países do mundo fazem do órgão — não apenas os EUA. A ONU deixou de estar ou ser protagonista dos principais eventos globais.
Para salvar a ONU da irrelevância, e fazê-la desempenhar um papel vital no mundo dividido entre dois impérios que não necessitam de paz para prosperar, é preciso deslocar seu foco de ação do paralisado Conselho de Segurança para a uma renovada Assembleia Geral. E isso passa, inclusive, por uma melhor distribuição geográfica de suas sedes e locais de encontro.
IMAGEM: Ministério da Cultura/divulgação