A política na economia
“Pelo simples fato de ser quase uma religião, o ‘eu’ em política é terrível — uma vez que sempre se coloca entre o ‘nós’ e o nada”

“Economia tarde demais” é a reclamação comum de governos que desejam que as regras econômicas se ajustem antes — ou ao menos logo — ao imponderável e volátil mundo da política. A fórmula ajuda a explicar a encrenca que é ver os dois países ocidentais mais populosos se comportarem com espírito de porco-espinho, incapazes de sequer chegar perto um do outro. Tudo é política, mas a política não é tudo, ensina Norberto Bobbio.
O comércio entre duas nações sempre pode encontrar uma solução negociada quando velhos parceiros expõem com franqueza suas limitações produtivas e tecnológicas diante dos diferentes desafios em suas cadeias de suprimentos. Os Estados Unidos têm uma conhecida limitação em reservas de minerais estratégicos raros, enquanto o Brasil ainda apresenta baixo domínio no tratamento de dados e alta vulnerabilidade digital. Além disso, enquanto os EUA são dominantes nas finanças e nas cadeias globais de valor em tecnologia de ponta, o Brasil é fornecedor-chave de insumos essenciais para essas mesmas cadeias, além de contar com uma biodiversidade e um potencial energético e social ímpares. Há ainda muita complementaridade a ser conjugada.
Com bons negociadores, pautados no bom senso ou experiência diplomática, mais a participação ativa de empresários que sabem exatamente onde o sapato aperta, a nova realidade tecnológica global pode indicar caminhos para convencer a política a deixar a economia avançar.
Pelo simples fato de ser quase uma religião, o “eu” em política é terrível — uma vez que sempre se coloca entre o “nós” e o nada. A natureza da crise atual nos obriga a pensar e tentar distinguir o que, de fato, pertence à história de nossos dois países e o que são apenas eventos críticos, porém conjunturais. O que é duradouro? O que é passageiro? O que é genuinamente moldado pela história e pela cultura de duas nações centenárias? E o que nossos pais e avós diriam de tudo que está degringolando no mundo?
Uma oportunidade rara em política nem sempre significa uma boa oportunidade. Nossos países gastam mais do que arrecadam, o que acaba gerando dificuldades tanto no curto quanto no longo prazo para a boa gestão do cotidiano. O que, por sua vez, gera repercussões políticas e econômicas que fragilizam a capacidade das famílias, empresas e do próprio Estado de planejar, de alcançar objetivos e de responder com eficiência às demandas da sociedade.
Por mais tentador que possa ser, instrumentalizar crises não é um bom caminho, sobretudo porque é difícil imaginar que isso vá desencadear uma onda de virtudes patrióticas genuínas. O diálogo supera as maquinações políticas e impõe limites a qualquer pretensão de remodelar o comércio global à custa das fronteiras nacionais. Metas eleitorais permanentes alimentam a ilusão em torno de tributos destrutivos. Metas fiscais mal formuladas, por sua vez, minam a legitimidade do papel do Estado como cobrador de impostos. O boxe tarifário, ao mesmo tempo, expõe e contém ambas as ilusões.
A falta de inteligência estratégica e o acentuado desconhecimento da história produzem crises fúteis, sentimentalismos exacerbados e uma aversão potencial ao bom senso. Em tempos de crise política, não basta olhar apenas para a aranha; é preciso observar também a teia que a sustenta.
**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio
IMAGEM: DC