Oscar Freire está em transformação. Como fica o comércio?
A chegada de prédios residenciais de alto padrão, com ou sem fachadas ativas, revela que o futuro da rua continuará sendo de poucos protagonistas, mas estratégicos, de acordo com o arquiteto Júlio Takano. Na imagem, loja resiste entre dois empreendimentos da construtora RFM

Uma das ruas de comércio mais famosas de São Paulo, que faz uma homenagem ao médico brasileiro Oscar Freire de Carvalho, localizada no coração do Jardins, está em transformação.
Durante décadas, era ali, na Rua Oscar Freire, que grandes marcas nacionais e internacionais disputavam pontos para exibir produtos para clientes com maior poder aquisitivo.
Cartier, Louis Vuitton, Dior, Montblanc, Giorgio Armani, Versace, Valentino, Salvatore Ferragamo, Ermenegildo Zegna, Burberry, Tiffany & Co estiveram na rua em algum momento.
O metro quadrado para locação chegou, em certo período, a ser até mais caro do que o de ruas comerciais com o mesmo perfil em países da Europa, contam lojistas que passaram por ali.
Hoje, os pontos continuam com preços elevados, se comparados com os de outras regiões comerciais, porém, quem anda pela rua já não sente mais aquela atmosfera de anos atrás.
O Diário do Comércio ouviu arquitetos, especialistas em expansão de lojas e comerciantes para refletir sobre as mudanças e as perspectivas para a rua.
A palavra mais citada por eles para falar sobre a Oscar Freire de hoje foi transformação.
As marcas de luxo saíram dali por alguns motivos, dizem os entrevistados. Os pontos comerciais pertencem a vários proprietários de imóveis, o que dificulta uma organização de mix de lojas.
Quem paga mais, fica com o espaço, uma prática que nunca agradou os administradores das grifes internacionais e das nacionais.
Indicadores econômicos desfavoráveis ao consumo, como taxa de juros e impostos elevados, são outros motivos que levaram as marcas a desistir do mercado brasileiro.
Durante vários períodos, quem tinha poder aquisitivo para frequentar as lojas dali acabou aproveitando as viagens de férias para fazer compras no exterior.
Novo ciclo
“O varejo de luxo vive um novo ciclo”, afirma o arquiteto Júlio Takano, CEO da KT Arquitetura de Negócios, especializada em criar Concept Stores e Ecossistemas de Negócios.
Marcas como Louis Vuitton, Dior, Cartier, Balmain, por exemplo, diz, reformularam suas experiências com a clientela, com foco em imersão e atendimento personalizado.
“Paralelamente, categorias emergentes, com produtos para bem-estar, arte e tecnologia começaram a ocupar espaços antes reservados exclusivamente à moda”, afirma Takano.
Levantamento da Varejo 360, com base em tíquetes de consumidores, mostra essa tendência. Em 2021, havia 81 lojas de moda (roupas, calçados e acessórios) na Rua Oscar Freire.
Esse número caiu para 78 em 2022, para 67 em 2023 e para 63 no ano passado. A expectativa é de mais queda neste primeiro semestre do ano.
“O que parece estar acontecendo ali é uma especulação imobiliária, verticalização dos imóveis, o que acaba deslocando as lojas para os shoppings”, diz Fernando Faro, COO da Varejo 360.
Os empreendimentos
A chegada da Linha 4-Amarela do Metrô e a futura Linha 16-Violeta, que prevê a ligação da estação Oscar Freire até Cidade Tiradentes, têm influenciado os investimentos na região.
A Tishman Speyer, uma empresa de investimentos imobiliários, por exemplo, prepara um megaprojeto entre a Rua Oscar Freire e a Avenida Rebouças.
O empreendimento inclui escritórios comerciais, espaços para o varejo, rooftops ajardinados, tudo para oferecer um ambiente de trabalho de alto padrão e bem-estar.
“Esse tipo de movimento posiciona a região no radar de fundos globais, anteriormente concentrados em polos como os da Avenida Faria Lima”, diz Takano.

A Cyrela lançou o Oscar Freire 1560, um empreendimento de alto padrão com unidades a partir de 174 metros quadrados, com preços que começam com R$ 4,5 milhões.
Os valores do metro quadrado variam entre R$ 25 mil e R$ 27 mil.
“Essa valorização não decorre de especulação, mas de um movimento orgânico, resultado direto de escassez territorial, curadoria estratégica e desejo consolidado”, diz Takano.
Trata-se, na avaliação do arquiteto, de uma ancoragem importante para um novo ciclo de reposicionamento imobiliário na região.
A Helbor lançou a Helbor Jardins por Artefacto, um empreendimento de alto padrão com duas torres, Lorena e Haddock Lobo, com previsão de entrega em abril de 2026.
O residencial terá 17 apartamentos e cobertura duplex, de 322 a 372 metros quadrados em uma torre, e 96 estúdios em outra, de acordo com informações divulgadas pela Helbor.
Grupos como a JHSF, diz Takano, também já manifestaram interesse em expandir presença no eixo Oscar-Haddock-Lorena.
A sondagem de proprietários de imóveis por construtoras e incorporadoras para aquisição de terrenos se transformou, portanto, em um forte movimento na Rua Oscar Freire e região.
Adriano Gomes, sócio da imobiliária Adriano Gomes, que há décadas trabalha na região, diz que alguns proprietários estão aceitando negociar com construtoras e outros, não.
“As incorporadoras e construtoras estão pagando bem. O metro quadrado de um terreno para venda nos Jardins chega a R$ 25 mil, uma valorização de cerca de 40% em dois anos”, diz o arquiteto Jayme Lago.
O valor da locação também segue o mesmo ritmo, com aumento de 20% a 30% nesse período.
O sumiço de muitas marcas da rua, também de franquias médias, não apenas de alto luxo, de acordo com Lago, está justamente relacionado com os altos custos de locação.
Dependendo da marca, shoppings oferecem um subsídio para a entrada no empreendimento (cash allowance), com a intenção de atrair novos inquilinos, o que não acontece em ruas.
Como fica o comércio
A pergunta que fica é: como vai ficar o comércio na Rua Oscar Freire? Com o passar dos anos, ali vai virar apenas uma rua com edifícios residenciais e de escritórios de alto padrão?
“O que dá para dizer é que há um amadurecimento na região, com espaços com formatos mais profissionais. Uma marca, por exemplo, aluga cinco pontos menores para ter um padrão de loja maior. A ‘satelização’ de loja de alto padrão está reduzindo”, diz Lago.
O comércio deve se manter por ali, diz ele, mas não mais como uma lojinha ao lado da outra.
Alguns dos prédios novos que vão ser erguidos na rua também poderão ter fachadas ativas, diz, trazendo um comércio em pontos mais novos e modernos.
César Tanaka, consultor de varejo especializado em expansão de lojas, diz que o que se pode afirmar neste momento é que a Rua Oscar Freire está em plena transformação.
Com a saída de marcas internacionais, diz, surgiram oportunidades para marcas nacionais, só que essas não dão conta de arcar com os custos, sugerindo um declínio das marcas e da rua.
O Shops Jardins, na rua Haddock Lobo, do grupo JHSF, diz ele, acabou atraindo algumas marcas que até já estiveram na Rua Oscar Freire.
A loja Nati Vozza, com origem digital, que agora faz parte do grupo Soma, em frente ao shopping, de acordo com Tanaka, também deve dar lugar a um novo empreendimento.
“Mas acredito que a Rua Oscar Freire tem uma vocação que dificilmente será substituída, deve continuar sendo importante e, em médio e longo prazos, pode ter até um retorno à tradição, com a volta de marcas internacionais”, diz Tanaka.
Para Rosângela Lira, presidente da Associação Comercial dos Jardins, a rua está em transformação. “Mas daqui a um ano, um ano e meio, novas lojas deverão abrir ao redor desses novos prédios, mais sustentáveis, que estão chegando”, afirma.
Há mais de 40 anos na Rua Oscar Freire, com imóveis alugados e também locados, Nelson Mintz, dono do restaurante Tanit e do bar Tapas Nit, diz que a rua está em evolução.
Assim como acontece em shoppings, diz, há um movimento de chegada de restaurantes e as fachadas ativas de prédios residenciais deverão abrigar lojas de roupas e calçados.
“Tem marcas internacionais que não querem ir para shoppings, preferem ruas, ou querem estar nos dois locais. A Rua Oscar Freire deverá ter um mix de residências, lojas de moda e restaurantes”, diz Mintz.
Por mais que haja a sensação de que a Rua Oscar Freire perdeu o charme que já teve no passado, Takano diz que a rua não está em declínio, como podem sugerir análises superficiais baseadas em placas de ‘aluga-se’.
“A Rua Oscar Freire vive uma nova curadoria, mais seletiva, mais estratégica, mais simbólica”, afirma.
A Brooksfield, que está na rua, está investindo em uma loja maior. “Se fosse uma obra não rentável, a marca não estaria expandindo na própria rua”, diz Gomes.
Os próximos cinco, dez anos, de acordo com Takano, exigirão, mais do que capital, visão urbana e inteligência de posicionamento das marcas.
“Na Oscar Freire não se vende apenas metro quadrado, vende-se história, aura e pertencimento. Por isso, o futuro da rua continuará sendo de poucos protagonistas, mas extremamente estratégicos”.
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IMAGENS: José Olival