Dono do Alibaba fala duro com os americanos
Depois de agradar Trump com a promessa de criar 1 milhão de empregos, Jack Ma lembra aos americanos que eles torraram US$ 31 trilhões com guerras e bancos e descuidaram do mercado interno. “Não coloquem a culpa na China e no México”, diz

Jack Ma, 52 anos, nasceu num vilarejo chinês, não sabe programar, criou um império de tecnologia, mede 1m50, domina o comércio eletrônico na China e em parte do mundo, amealhou uma fortuna de US$ 28 bilhões, está na lista negra dos que vendem produtos falsificados, engrossa com os americanos e prega o capitalismo solidário.
Em uma frase, eis o perfil de um dos homens mais ricos do mundo -fortuna alcançada em menos de 20 anos.
Criador e presidente do Grupo Alibaba, Ma se tornou a face mais visível (e também polêmica) do salto capitalista chinês após a abertura de capital, em 2014.
Em um ano, até março de 2016, a plataforma de varejo online havia conduzido US$ 463 bilhões em transações comerciais.
O grande feito do empreendedor à frente do Alibaba consistiu em convencer meio mundo a pagar por um serviço que se costumava ter de graça.
Jackie Ma vislumbrou a plataforma como uma sala de reunião virtual para ajudar as PMEs a comprar e vender no exterior.
Quando começou a ganhar dinheiro com a ideia, ampliou o conceito para o consumidor final, de olho no mercado aberto pelo eBay. Assim surgiu o Taobao.
VÉU CHINÊS
Mesmo com o capital aberto na Bolsa de Nova York, pouco mudou no estilo Jack Ma de fazer negócios. No geral, são pouco transparentes. Para fechar negócios, ele dá preferência ao círculo mais próximo de amigos.
São compras de indústrias tão diversas, como um time de futebol e uma produtora de cinema, que não dá para enxergar a conexão entre elas. E nem saber quem é o dono, se o próprio Ma ou o Grupo Alibaba.
Ele sabe usar com maestria as complicadas estruturas de propriedade comuns na China e usa-as como um véu para deixar tudo meio indefinido para acionistas desconfiados.
Tudo pode mudar, agora que ele resolveu se apresentar ao mundo como o pacificador da briga de galos entre a China de Xi Jinping e a América de Donald Trump.
Por trás do movimento, os especialistas enxergam a estratégia de arrumar um novo aliado para escapar da pressão estatal do seu país e fomentar uma base para o Alibaba dentro da casa do adversário.
BOM DE DISCURSO
Nâo se deve subestimar as habilidades de um megaempreendedor. Em janeiro passado, quando o mundo assistia perplexo à troca de insultos entre o novo presidente americano e o governo chinês, Jack Ma executou um golpe de mestre. Entrou na cova do leão duas vezes e ainda capturou alguns coelhos.
Em sua campanha, Trump acusou a China de destruir empregos americanos e ameaçou colocar altas taxas nos produtos importados do país. Para tripudiar, ainda conversou com o dirigente de Taiwan, a ilha da discórdia.
Em resposta, a China fez algumas ameaças e o presidente Xi Jinping anunciou o compromisso do país com o livre comércio.
Surgindo como um enviado da paz, Jack Ma primeiro visitou o magnata na própria Trump Tower poucos dias antes da posse.
Ao lado de um Trump inflado, Ma anunciou que sua empresa ajudaria os Estados Unidos a “criar 1 milhão de novos empregos no período de cinco anos”.
Dez dias depois, o empreendedor chinês surgiu no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e tentou passar lições de economia e política para as potências mundiais.
“Uma guerra comercial seria um desastre para o mundo”, disse a respeito das discordâncias sinoamericanas, “e devemos todos fazer o impossível para evitar que aconteça”.
Aconselhou a China a “dar um tempo” para Trump antes de reagir à sua retórica, pois viu que ele tinha uma “cabeça aberta”. O elogio parou aí e deu lugar a uma crítica implacável às reclamações contra a globalização.
30 ANOS DE ERROS
Enquanto reconhecia que fará bem à China abrir mais sua economia, disparou: “Os americanos devem culpar a si mesmos, não à China, pelo país perder montes de empregos”.
Para Ma, os americanos vêm errando nos últimos 30 anos, desde que colocaram todas as fichas nos conflitos internacionais e em Wall Street.
“Os Estados Unidos gastaram US$ 14, 2 trilhões em 13 guerras. Em 2008, na crise, o governo pegou US$ 19,2 trilhões do orçamento federal para ajudar o sistema financeiro.”
Nos dois casos, segundo ele, o dinheiro foi para Wall Street e Vale do Silício. “Por que não gastaram com seus cidadãos? Poderiam ter investido em indústrias e infraestrutura, como fizeram os chineses. Ajudar os americanos que não se saíram bem na escola.”
O empresário prosseguiu com sua argumentação, contrariando o discurso vencedor de Trump. Lembrou que, quando o jornalista Thomas Friedman publicou o livro "O Mundo É Plano", em 2005, a globalização parecia a estratégia perfeita para os Estados Unidos.
“Os americanos queriam apenas a patente, a tecnologia e a marca, deixando a produção e os empregos para países como o México e a China.”
As companhias americanas, lembrou ele, fizeram bilhões de dólares com a globalização. “A IBM e Microsoft tiveram lucros maiores que os maiores bancos chineses juntos. Para onde foi esse dinheiro?”
A conclusão do magnata soou como um recado para Trump: “Não é que outros países roubaram os empregos dos americanos. A estratégia deles é essa. Eles não distribuíram o dinheiro da forma correta.”
FALSIFICAÇÃO E PROPÓSITO
As promessas de Jack foram recebidas com ceticismo nos Estados Unidos. Especialistas lembraram que a capacidade de um pequeno negócio gerar emprego é, em média, de um funcionário.
Um deles lembrou que dificilmente os pequenos produtores americanos conseguirão romper a barreira de preço do mercado chinês, como já tentaram grandes empresas.
O movimento servirá mais para fortalecer o próprio Ma e suas empresas.
Por fim, eles argumentam que a oferta sem controle de produtos falsificados por parte do Alibaba, comprados às toneladas pelos comerciantes americanos, é o verdadeiro responsável pela quebra da indústria e a perda de milhões de empregos.
Incansável marqueteiro, Jack Ma enfrenta as acusações sem perder o prumo. Passadas duas décadas, ele pode se dar ao luxo de comparar o Grupo Alibaba com a Amazon e se vangloriar da diferença entre as duas companhias.
Para ele, o Alibaba procura usar a tecnologia para fortalecer os pequenos negócios, enquanto a empresa de Jeff Bezos quer controlar os vários braços de atuação.
“Amazon é um império”, resumiu. “Nós queremos construir um ecossistema e ajudar outras empresas a crescer para se tornar a próxima Amazon.”
IMAGENS: Divulgação