Rubens Barbosa: Brasil não tem estratégia de inserção global
O ex-embaixador apontou, em palestra na ACSP, que a ascensão de figuras como Donald Trump e as tensões geopolíticas em curso esboçam um futuro de incertezas, para o qual o Brasil parece despreparado

A complexidade das relações internacionais e as possíveis consequências das ações econômicas norte-americanas mantêm o cenário global em constante evolução e requerem atenção contínua dos países e líderes políticos. A análise do ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa, atual presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, se apoia na tese de que o mundo vive o início de uma era protecionista, após um período de expansão do liberalismo e da globalização.
Segundo ele, não se trata mais de uma guerra ideológica, como na Guerra Fria. Agora, a tensão está voltada para a área econômica, comercial e, principalmente, tecnológica - e as condições estão mudando de acordo com os interesses das grandes potências. Na visão do ex-embaixador, o caminho mais indicado para o Brasil se beneficiar da nova realidade do comércio global seria traçar um plano estratégico de desenvolvimento, acelerar reformas para aumentar a produtividade e reduzir custos de produção.
Em sua explicação, Barbosa cita que, com o retorno de Donald Trump ao cenário político, seja em sua primeira eleição (em 2017) ou nos primeiros seis meses de seu segundo mandato, a palavra de ordem é protecionismo. A implementação de tarifas massivas pelos Estados Unidos transformou completamente o panorama econômico global, introduzindo desafios e incertezas inéditas para países que antes se beneficiavam de uma previsibilidade ditada por instituições como o Itamaraty, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Antes consideradas pilares da ordem global, Barbosa diz que essas instituições tiveram suas interferências progressivamente esvaziadas, com nações como os Estados Unidos optando por conduzir suas próprias políticas comerciais, ignorando os mecanismos multilaterais. No âmbito político, a situação não é diferente. A ONU, antes vista como um fórum para a discussão da paz e segurança global, perdeu a relevância política. A incapacidade do Conselho de Segurança em mediar soluções para conflitos como a guerra na Ucrânia, as questões no Irã e outras tensões regionais, demonstram uma desabilitação da organização, segundo o ex-embaixador.
Com guerras em curso e tensões políticas acirradas, a competição por hegemonia política, tecnológica e comercial entre Estados Unidos e China, por exemplo, se desenrolam sem a possibilidade de uma arbitragem internacional efetiva. Nesse vácuo de governança global, surgem novos fenômenos de influência regional.
“A China, por exemplo, consolidou sua influência com dois grandes acordos de livre comércio em sua área de atuação, um deles abrangendo 16 países. Além dos blocos econômicos, novas organizações políticas emergem, como grupos liderados pela Rússia e pela China na Ásia", disse o ex-embaixador em palestra no Conselho Político e Social (Cops), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na segunda-feira, 7.
O Brasil na contramão
Nesse contexto de profundas transformações, a posição do Brasil na política externa é de preocupante inércia, “somos o primo pobre que ninguém dá a menor bola", define Barbosa. Apesar de ser uma das dez maiores economias do mundo, o ex-embaixador acredita que o país não dá a devida importância aos fatores externos que cada vez mais influenciam sua realidade. A agenda nacional, segundo ele, se limita a problemas políticos e econômicos internos, com pouca preocupação em relação à inserção do Brasil no mundo. O resultado é um país cada vez mais vulnerável às determinações externas.
“O país parece à deriva diante de mudanças profundas que redefinem a ordem internacional. A ascensão de figuras como Trump e as tensões geopolíticas indicam um futuro de incertezas, para o qual o Brasil parece despreparado”.
Ele cita que, enquanto países como o México traçam planos ambiciosos para se consolidar entre as dez maiores economias globais, e o Reino Unido divulga documentos estratégicos para redefinir a sua inserção mundial após sua saída da União Europeia, o Brasil não possui um documento estratégico que direcione seu posicionamento global e que enxergue além de um ciclo governamental de quatro anos.
Nas palavras de Barbosa, os dois documentos que poderiam seguir essa direção criados no governo FHC – a Política Nacional de Defesa (PND) e o Livro Branco de Defesa (LBDN) – se desvirtuaram, transformando-se em documentos meramente militares, sem a contribuição do Itamaraty, do Ministério da Economia ou de uma visão mais ampla sobre como o Brasil deveria se inserir no mundo. Pelo contrário, ele diz que as políticas de desenvolvimento existentes frequentemente se atrelam a objetivos eleitorais, ignorando uma visão de futuro para o país.
Visão de longo prazo
Em um horizonte de 20 a 30 anos, o ex-embaixador opina que a classificação dos países não se dará mais entre "desenvolvidos" e "não desenvolvidos", mas sim entre aqueles dominantes ou não em tecnologia – uma divisão que desfavorece o Brasil. Para Barbosa, embora tenha força e relevância internacional em questões ambientais, o Brasil avança pouco nesse tema, perdendo-se em discussões domésticas sobre os impactos da agricultura e energia.
A vulnerabilidade do Brasil é outro ponto de atenção, de acordo com Barbosa. O agronegócio, motor da economia, depende crucialmente de tecnologia e exportação. No entanto, ele lembra que 85% dos fertilizantes utilizados no país vêm da Rússia e de outras regiões conflagradas, expondo o setor a riscos imprevisíveis. Além disso, 50% das exportações brasileiras se destinam à Ásia, sendo que 37% da soja têm a China como destino. “A suspensão dessas compras representaria um golpe devastador para a economia nacional”, diz.
Para Barbosa, o cenário político internacional continuará confuso, pois o sistema político norte-americano mudou completamente e a política internacional seguirá essa dinâmica caótica. Por essa razão, a posição externa do Brasil exige independência e equidistância, evitando alinhamentos que comprometam a sua autonomia.
"Declarações que sugerem alinhamento à Rússia ou à China, por exemplo, mostram uma disfuncionalidade na forma como o país se posiciona no cenário internacional. O Brasil precisa, urgentemente, se ajustar a esse novo mundo, pois não dá para viver mais 15 anos como estamos vivendo hoje".
IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP