Empresas mantêm planos de longo prazo para o mercado norte-americano
Mesmo atentos a alternativas em outros países, muitos brasileiros que participaram da Americas Food & Bevereage Show, em Miami, na última semana, seguem apostando em bons negócios com os EUA, como é o caso de Ming Liu, responsável pela Petruz, que vende açaí para os norte-americanos

O mercado internacional não é uma corrida de sprint, é uma maratona. Com esse sentimento, expresso nas palavras do analista de negócios da ApexBrasil em Miami Gustavo Loreto, empreendedores brasileiros têm mantido suas apostas nos Estados Unidos, apesar dos desafios inesperados que vieram com a aplicação do pesado tarifaço do presidente Donald Trump sobre as mercadorias do país.
Na opinião deles, não dá para simplesmente desconsiderar o maior destino dos brasileiros que moram fora do Brasil (são mais de 2 milhões deles, equivalentes à metade de todos os que vivem no exterior), o principal por muitos anos e ainda bastante significativo comprador das nossas exportações (o segundo parceiro do ranking) e um mercado com 340 milhões de consumidores.
“Estávamos com o plano pronto para entrar em ação antes do anúncio das tarifas. A esta altura do ano, já estaríamos ativos no e-commerce e distribuindo inicialmente para pontos de venda na Califórnia”, revela Raif Rahal, cofundador e CEO da consultoria CFRR International, explicando o projeto que sua empresa está tocando para a indústria de chocolates brasileira Espírito Cacau.
Segundo ele, o choque tarifário inviabilizou a aplicação do plano inicial neste momento, mas não impediu que a empresa ajustasse os rumos, investindo paralelamente em outras frentes. “A gente ainda acha que os Estados Unidos são o lugar ideal para conhecer compradores internacionais e abrir novas possibilidades”, explica Rahal, que participou, ao lado de executivos da Espírito Cacau, da missão brasileira à feira Americas Food & Beverage Show (AF&B).
“Nosso foco sempre foram os Estados Unidos. Agora ampliamos possibilidades, com Oceania e Europa também. Mas vamos seguir trabalhando na venda de cacau como ingrediente para outras indústrias alimentícias e no mercado de cruzeiros, hotéis e restaurantes. Na Flórida, os cruzeiros são um mercado muito interessante”, completa Renato Fasolo, diretor de exportação da Espírito Cacau.

A América do Norte possui o maior mercado de cruzeiros do mundo. Em 2024, a receita gerada por esse segmento nos EUA atingiu cerca de US$ 25 bilhões, com a movimentação de mais de 19 milhões de passageiros, segundo dados da Cruise Lines International Association (CLIA), entidade que representa o setor. A estimativa é que esse faturamento ultrapasse os US$ 30 bilhões em 2028.
Só na Flórida, há pelo menos quatro portos expressivos: o Porto de Miami (o maior deles), o Porto Everglades (em Fort Lauderdale), o Porto Canaveral (próximo a Orlando) e o Porto de Tampa (em Tampa). Miami, ponto de partida de boa parte dos roteiros pelo Caribe, é reconhecida como a capital dos cruzeiros e respondeu sozinha pelo embarque de 8,2 milhões de passageiros em 2024. Em fevereiro deste ano, o porto bateu seu próprio recorde e registrou a marca de dez navios de cruzeiros partindo em um único dia, transportando ao mesmo tempo cerca de 68 mil pessoas.
Sabores do Brasil
A fórmula da qualidade da mercadoria brasileira, somada ao uso como ingrediente para outras indústrias, também é a base da estratégia da Petrus Açaí. No mercado norte-americano desde 2018, a empresa hoje está presente nos 50 estados do país como ingrediente.
“Até agora não sentimos redução de pedidos. Estamos com um estoque que nos garante manter o preço antigo por mais dois ou três meses. Mas acredito que o consumo vai cair um pouco, caso a taxação se mantenha”, explica Ming Liu, conhecido como o Açaí Guy e responsável pela Petruz.
Liu, no entanto, espera que esse cenário possa ser revertido em breve. No dia 5 de setembro, a preparação de açaí industrializado para bebidas foi incluída na lista de exceções do governo norte-americano. “Com base nessa exceção, entramos com a solicitação de que também o açaí como ingrediente para a indústria seja incluído na lista.”
Mirando o consumidor final
Participante da missão brasileira, ele aproveitou a Americas Food & Beverage Show para divulgar o lançamento da sua linha de sorbets de açaí, nos sabores guaraná, morango e banana. A aposta para essa linha, destinada ao consumidor final, é ganhar o mercado da Flórida, um dos mais competitivos do setor. “Queremos ter o nosso produto consolidado em Miami, que é um ponto crucial para o Caribe e América Central”, diz Liu, lembrando que o mercado de açaí hoje movimenta algo entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões nos EUA.
Já a Vinícola Galiotto, estreando este ano, usou a oportunidade da AF&B para buscar parceiros com o intuito de aumentar sua participação para o público norte-americano. “Nós começamos a construir a nossa presença neste ano e, apesar do mercado bastante concorrido, detectamos uma boa aceitação à nossa linha”, afirma André Galiotto, gerente comercial da empresa.
“Ainda estamos abrindo o mercado e o crescimento está um pouco lento. Mas acreditamos que em toda crise existe uma oportunidade. Revemos nossa estratégia conforme o cenário e estamos otimistas”, completa.

Hoje, a linha de vinhos e suco de uva da fabricante já está disponível em pontos de venda dos EUA. Além de ampliar as vendas para os norte-americanos, o objetivo é abrir também a região do Caribe e outros países latinos.
Missão brasileira
Todos os executivos ouvidos nesta reportagem integraram a missão brasileira organizada pelo projeto Brazilian Suppliers, em parceria com o CECIEx e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil). O grupo de 11 empresários, entre fabricantes e comerciais exportadoras e importadoras, que representaram 25 diferentes marcas de alimentos e bebidas, expôs no Pavilhão do Brasil na AF&B Show em Miami (Flórida) na semana passada.
“Realizamos a missão à AF&B já há três anos seguidos e temos recebido um feedback muito positivo dos participantes. Sabemos que a jornada de internacionalização é um processo longo e buscamos dar todo o suporte para viabilizar esse processo”, explica Isabella do Vale, analista de comércio exterior do CECIEx, que acompanhou o grupo. Na agenda da comitiva, estiveram ainda uma reunião no escritório da ApexBrasil e visitas técnicas, como à Warehouse da Aprile, empresa de armazenamento e despacho de cargas internacionais.
A 29ª edição da Americas Food & Beverage Show em Miami reuniu em três dias mais de 10 mil visitantes e 800 expositores de 93 países, divididos em 18 pavilhões internacionais, entre eles o brasileiro.
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IMAGENS: CECIEx/divulgação