As vítimas invisíveis do tarifaço

Esquecidos nas negociações, mercadinhos, como o Rio Market, que funciona há 30 anos nos EUA, e outras empresas dedicadas ao comércio de produtos brasileiros em solo norte-americano, serão os maiores prejudicados com a elevação das tarifas

Estela Cangerana, dos Estados Unidos
08/Ago/2025
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As vítimas invisíveis do tarifaço

Fora da lista de quase 700 exceções concedidas pelo governo norte-americano e sem nenhum benefício do pacote de ajuda prometido pelo governo brasileiro. Existe um grupo que parece ter sido “esquecido” por todos os lados da tensão tarifária entre Brasil e Estados Unidos: o dos empreendimentos brasileiros instalados nos EUA e que dependem da comercialização das importações. Diferentemente do que muitos pensam, esse grupo não é inexpressivo, ao contrário, são milhares de negócios, que empregam outros milhares de colaboradores e atendem a uma comunidade de mais de 2 milhões de pessoas.

Eles incluem desde pequenas mercearias especializadas a redes supermercadistas estabelecidas há décadas. De sandálias a roupa de praia, alimentos a produtos de higiene e limpeza, há uma gama enorme de produtos cujos preços devem saltar a partir dos próximos dias, em um movimento que pode até inviabilizar a permanência no mercado americano de alguns itens.

“Em mais de 30 anos no mercado, nunca passamos por uma situação tão difícil como essa. Não há para onde fugir”, diz o empresário Ricardo Bastos, proprietário dos supermercados Rio Market. Ele possui duas lojas, uma em Astoria (Nova York) e outra em Jacksonville (Flórida). A primeira está em atividade desde 1994 e ambas oferecem um portfólio de mais de 2 mil itens, todos importados do Brasil.

Nada do que é vendido no Rio Market entrou na lista de exceções. Tampouco o empresário recebeu qualquer contato, orientação ou apoio do governo brasileiro ou de instituições relacionadas. A sensação é de abandono por parte das autoridades. E a esperança é que ações na Justiça norte-americana possam barrar a elevação das tarifas e reverter a situação. “Minha opinião é que isso vai mudar. Torço para que tudo volte atrás”, diz.

Enquanto a reversão não acontece, o repasse nos preços deve ser integral e imediato. Bastos explica que não têm fôlego para absorver aumentos grandes, uma vez que as margens já estão muito apertadas. “Esperávamos que pelo menos os alimentos pudessem entrar na lista de exceções, mas não foi o que aconteceu. Só o suco de laranja industrializado entrou, mas esse é um produto vendido nos supermercados norte-americanos para o público norte-americano, não aqui. Aqui vendemos suco de laranja natural, feito na hora.”

Segundo o empresário, seus fornecedores avisaram que os aumentos nos preços virão nos próximos dias, a partir dos desembarques com a nova política tarifária em vigor. “Fizemos o possível para antecipar compras e estocar mercadorias antes do aumento, mas não temos mais nada que possamos fazer. Estamos todos trabalhando com a expectativa de uma queda muito grande nos negócios”, afirma.

Futuro incerto

Alguns produtos podem começar a faltar. A opinião é compartilhada pelo exportador e despachante aduaneiro Fabrício Treggi, sócio da EFX International, que tem entre seus clientes dois distribuidores que atendem exclusivamente o mercado dos Estados Unidos com produtos brasileiros. Um deles, a Panamerican Foods, é responsável pelo abastecimento de 700 lojas distribuídas pela costa leste norte-americana.

“O movimento já tinha dado uma caída desde o anúncio dos 10% de tarifação, há alguns meses. Agora ficou muito pior. Estamos revendo para baixo todas as nossas previsões.” Ele conta que os negócios com os Estados Unidos estavam em expansão e que, no ano passado, embarcou 65 contêineres para a Panamerican. Para 2025, a expectativa era a de chegar a 80 até o final do ano.

No entanto, com a mudança recente das regras, o trabalho neste momento é de tentar conter os danos. “A esta altura do ano, deveríamos ter embarcado já em torno de 40 contêineres, mas só enviamos 25. Nesse ritmo, chegaremos a, no máximo, 50. O que seria um ano de expansão, virou queda”, revela. “Há 13 anos trabalhando nesse mercado, esse é o pior momento que estamos passando. Nunca vi uma tensão comercial tão forte entre Brasil e Estados Unidos”, desabafa.

Treggi diz que se sente totalmente no escuro, sem apoio ou orientação de nenhum organismo. “Hoje a gente não vê nenhum interesse dos governos nisso. Pode ser que os grandes, com mais destaque na balança comercial, tenham recebido orientação, mas nós, pequenos, não tivemos nenhuma ajuda, nem teórica nem prática”, afirma.

Preço x vontade de consumir

Até para estimar o tamanho da queda fica difícil. “A gente ainda não sabe como tudo vai ficar porque depende também das reações dos consumidores. Com os preços mais altos, produtos que possuem similares fabricados nos Estados Unidos podem ficar inviáveis economicamente para competir no mercado. Precisamos esperar para ver como o público vai reagir para, aí sim, entender o que compensa continuar e o que não vale mais a pena”, explica Treggi.

Entra nessa conta, ainda, os receios dos próprios consumidores e o tamanho da vontade dos imigrantes de matar a saudade de casa. Quando se fala de produtos do Brasil, é possível encontrar alguns já com produção nos Estados Unidos, como, por exemplo, pão de queijo ou salgadinhos congelados, mas essa parcela é muito pequena. “Nosso público é o que chamamos de ‘público da saudade’, que busca mercadorias típicas brasileiras, e grande parte delas é fabricada e importada do Brasil”, conta Cassiano Fabris, proprietário do Everyday Brazil, rede de venda de mercadorias brasileiras online, em atividade desde 2019.

Segundo ele, a preocupação com o futuro está contaminando o comportamento de compras dos clientes e alguns produtos, como o café brasileiro, registraram aumentos significativos de procura. “Nosso consumidor tem aumentado seus estoques em casa, isso se nota pelo volume de compras”, confirma Katia Masutti, responsável pela área de vendas do Everyday Brazil.

Masutti e Fabris revelam que a empresa também elevou seus estoques na tentativa de poder segurar os valores pelo maior tempo possível, está trabalhando intensamente com importadores e, ainda, buscando melhorias na sua estrutura de custos. Mesmo assim, admitem que não haverá como impedir o impacto das tarifas mais altas.

Milhões afetados

A elevação de tarifas de importação aos produtos brasileiros para 50%, determinada pelo governo do presidente Donald Trump, começou a valer na última quarta-feira, dia 06/08, e impacta alimentos, bebidas (exceção apenas ao suco de laranja), calçados, roupas, produtos de limpeza, de higiene e beleza, entre milhares de outros itens. Muitos são frequentemente consumidos pela comunidade brasileira nos Estados Unidos.

De acordo com dados do Itamaraty, dos 4,9 milhões de brasileiros que vivem no exterior, 45,3% estão na América do Norte, sendo mais de 2 milhões nos Estados Unidos. As maiores comunidades estão nas regiões de Nova York (500 mil pessoas), Boston (420 mil pessoas) e Miami (400 mil).

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IMAGEM: Rio Market/divulgação

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