Tarifaço de Trump obriga empresários brasileiros a reverem planos nos EUA
Medida pegou de surpresa quem depende de importação de produtos brasileiros para o mercado norte-americano. Calcular possíveis danos e alternativas para reduzi-los se tornou a ordem do dia

O que fazer com as mercadorias que estavam programadas para embarcar para os Estados Unidos daqui a algumas semanas? Qual o impacto real no abastecimento de diversos negócios que comercializam produtos brasileiros no mercado norte-americano? O anúncio da aplicação de tarifas de 50% às exportações brasileiras aos Estados Unidos, feito na última quarta-feira por Donald Trump, gerou uma instabilidade enorme e está obrigando negócios de todos os portes a reverem seus planos.
Enquanto as discussões no campo político evoluem entre negociação ou endurecimento de postura, os empreendedores instalados nos Estados Unidos que dependem das importações correm contra o tempo. Todos os ouvidos pelo Diário do Comércio entre a manhã de ontem e a de hoje haviam passado o dia desenhando cenários e analisando possíveis desdobramentos para os próximos meses. Isso porque nem mesmo há certeza se a data de 1º de agosto será efetivamente o início da cobrança da nova alíquota e se serão mesmo 50%, já que muitas decisões similares nos últimos meses foram revistas ou adiadas.
“Para um empresário crescer, ele precisa de planejamento de curto, médio e longo prazos, e o brasileiro tem que ficar lidando com situações adversas o tempo todo”, afirma Simone Muraro, responsável por mobilidade do Concierge Service USA, que assessora pessoas e empresas em processo de transição para os Estados Unidos. “A tarifa de 10% que havia sido anunciada para abril já prejudicava a competição com outros países que têm acordo com os EUA. Essa agora de 50% é totalmente inviável e zero competitiva”, completa.
Quem atua na ponta, comprando de distribuidores e vendendo ao consumidor final, espera as tabelas de preços novas para analisar o quanto deve mexer no mix de produtos que oferece. “Quando houve o anúncio de tarifas de 10%, há alguns meses, percebemos imediatamente um repasse nos preços. Agora, me preocupo se isso se repetirá com os 50%. Alguns já estão antecipando compras, mas, no nosso caso, não temos como armazenar grandes estoques”, afirma Mauricio Sobral, sócio do RememBr, supermercado e restaurante brasileiro com duas lojas físicas na Flórida e vendas online.
“O consumidor será afetado e certamente vai repensar suas compras. Produtos que não são essenciais devem sofrer mais. Dependendo de como tudo evoluir, podemos repensar os espaços que dedicamos à loja e à parte de restaurante em nossos estabelecimentos”, planeja. “Sinceramente, estou na esperança de que esse cenário (de taxação) mude”, completa o empresário, que está estabelecido nos Estados Unidos há 11 anos.
Indústrias em atenção
O alcance dos prejuízos chega a quem produz no Brasil e investe na internacionalização dos negócios. É o caso de uma indústria de panificação que há sete anos vem avançando nas vendas sazonais de panetone no exterior. Apesar da grande maioria da produção ser destinada ao mercado brasileiro, e da empresa exportar para outros países da América do Sul, os Estados Unidos são o principal comprador no exterior.
“Este ano, tivemos pedidos de nossos distribuidores para um aumento de 100% no volume destinado aos EUA. A produção está pronta para o embarque anual que fazemos em agosto dos produtos que serão comercializados para as festas de final de ano”, explica a country manager da indústria no país. Ela atendeu à reportagem entre as reuniões que estava tendo com a matriz, no Brasil, para definir os possíveis caminhos a serem seguidos em virtude da nova taxação.
“Estamos analisando os impactos na nossa margem, se devemos absorver o aumento e em quanto fazer isso.” O produto brasileiro, que pertence a uma categoria premium, disputa mercado com os panetones italianos. “A taxação maior encarece a nossa mercadoria e a faz perder competitividade em relação àquela que vem da Europa com uma tarifa menor”, diz. Hoje, os produtos da panificadora são distribuídos para todo o país e também estão disponíveis na internet, na loja própria online, na Amazon, Macy’s e Walmart.com.
A análise de cenários para definição de caminhos parece ser o assunto também na pauta de uma outra indústria brasileira, a Alpargatas, reconhecida como benchmarking por sua estratégia bem-sucedida de internacionalização com as sandálias Havaianas. A empresa, que preferiu não emitir uma opinião neste momento por se tratar de algo muito recente, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ainda está avaliando a situação.
No primeiro trimestre deste ano, o mercado interno respondeu por R$ 803 milhões em receita líquida para a fabricante e o externo obteve R$ 279 milhões, de acordo com balanço da companhia. Nos Estados Unidos, o volume de vendas no período foi de 0,5 milhão de pares, redução de 180 mil pares, mas com aumento de 17,3% em receita, decorrente de um mix de produtos premium vendidos.
Aviação na mira
Até mesmo no setor da aviação, que ganhou grande repercussão por conta da importância dos negócios, os cenários não parecem muito claros. Em nota, a Embraer informou que está “avaliando os possíveis impactos em seus negócios da possibilidade de aumento de tarifa anunciada pelo governo americano sobre os produtos brasileiros, caso o decreto se aplique à indústria de aviação no Brasil”.
A empresa disse estar trabalhando com as autoridades competentes “visando reestabelecer a alíquota zero dos impostos de importação para o setor aeronáutico”.
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