Setor empresarial entrega a Hugo Motta manifesto contra tributação de dividendos
Documento, assinado por dezessete entidades representantes do Comércio e dos Serviços, foi entregue por Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP, ao presidente da Câmara dos Deputados

Na última quarta-feira, 11, enquanto o ministro da Fazenda Fernando Haddad participava de uma reunião tumultuada com parlamentares, onde tentava apresentar alternativas de elevação de impostos para compensar a revogação de parte do aumento do IOF, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), recebia das mãos de Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), um manifesto assinado por representantes dos setores Comércio e Serviços criticando novas majorações tributárias.
O documento, subscrito por dezessete entidades, traz preocupações da classe empresarial com o PL nº 1.087/2025, que altera a legislação do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). “Manifestamos nossa preocupação com as empresas e a insegurança dos investidores neste momento. Chega de impostos e aumento de gastos do Governo”, disse Ordine, acompanhado pelos deputados federais Danilo Forte (União Brasil-CE), que também é membro do Conselho Político e Social (COPS) da ACSP, e Cezinha de Madureira (PSD-SP).
Em resposta, Hugo Motta manifestou apoio às preocupações apresentadas e se comprometeu a organizar uma reunião com o relator da matéria, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL).
Ordine disse ao Diário do Comércio ter sentido que o Congresso está absolutamente contra medidas que elevam a tributação e podem causar "riscos fiscais e institucionais, especialmente no atual cenário de instabilidade econômica nacional e internacional". "Não sabemos as negociações que podem surgir e, evidentemente, o Centrão está dividido. Mas o sentimento que tivemos é que os parlamentares não vão facilitar a vida do Executivo", destacou.
Para o presidente da ACSP, "a criação do Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM) pode ter impacto negativo na arrecadação dos municípios e estados, além de causar insegurança jurídica e discriminação entre contribuintes."
Na avaliação das entidades signatárias do manifesto, como a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), "é preciso mais tempo para discussões de mudança desta natureza, uma vez que a regulamentação da reforma tributária do consumo ainda não foi concluída, e terá implicações que ainda não estão suficientemente claras para todos.”
A Facesp e as demais instituições destacam que o pedido de atenção ao Legislativo não envolve o mérito visado pelo projeto - que seria a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda. "Porém, a proposta apresentada pelo Governo apresenta inconvenientes para a sociedade e o Estado, por elevar riscos fiscais e institucionais."
O presidente da ACSP informou também que ficou acertado com Motta que haverá reunião com o relator do PL nº 1.087/2025 e alguns especialistas para ajustar pontos da proposta. O Sescon-SP (sindicato dos contabilistas), também signatário do manifesto, representado por seu presidente Antônio Carlos Santos, se comprometeu ontem, em reunião de especialistas em temas tributários na ACSP, a elaborar um estudo técnico sobre os impactos das mudanças no IR para levar aos parlamentares. "Vamos atender fazendo nossa parte", afirmou Ordine.
Os 'três vilões tributários'
Também na quarta-feira, cerca de dez entidades de classe se reuniram na ACSP para debater com especialistas o que consideram os três "vilões tributários": alterações no IR; majorações do IOF; e a reforma tributária.

No encontro, comandado pelo economista-chefe da ACSP, Marcel Solimeo, o primeiro tema debatido foi o PL 1.087/25, do IR. A assessora jurídica da FecomercioSP, Sarina Sasaki Manata, afirmou que, dizer que os empresários não pagam IR - justificativa do governo para a tributação dos dividendos - "é uma falácia e uma forma de desincentivar o investimento produtivo". Ela lembrou que a carga tributária da classe empresarial é estimada em 34%.
"A gente acabou de aprovar uma reforma tributária, uma alteração substancial da Constituição estabelecendo o princípio expresso da simplicidade, mas nessa proposta vemos exatamente o contrário", afirmou, destacando a "deturpação" da percepção sobre a tributação empresarial.
Disse ainda que há uma dúvida do ponto de vista jurídico e da Lei de Responsabilidade Fiscal. "A elevação da isenção (de R$ 3 mil para R$ 5 mil) corresponde a um benefício fiscal ou a uma atualização monetária (da base de cálculo)?", questionou Sarina.
Reforma tributária - O outro tema foi o andamento da reforma tributária e do PLP 108/2024, apresentado pelo consultor tributário da ACSP José Clóvis Cabrera, já aprovada na Câmara, mas sujeita à aprovação no Senado. Aqui, a principal discussão foi a implementação de uma reforma mais ampla, a criação do Comitê Gestor do IBS, a transição entre impostos, que já começa em 2026 com uma alíquota experimental de 0,1%, a gestão de fundos e os processos administrativos e tributários.
Mas, principalmente, a preocupação com a centralização de poder pelo Comitê, que não deve ser vinculado a nenhum órgão de administração pública e cuidará de arrecadar, uniformizar interpretações, discutir metologia de cálculo com a Receita e até sobre o cashback (devolução de imposto para famílias de baixa renda).
Cabrera também apontou o novo formato do contencioso administrativo e a grande quantidade de pessoas envolvidas no julgamento de autos de infração. "O formato do contencioso está dando muita discussão pela qualidade: você pode ter um fato só sendo autuado pela autoridade federal e estadual (em estados distintos), levando a caminhos completamente diferentes". Mas há um avanço, lembrou, já que pedidos de retificação de impostos poderão ser feitos em cinco dias.
IOF - O último integrante do "trio", o IOF, atrelado à situação fiscal do governo, foi analisado de forma crítica por Felipe Scudeller Salto, economista-chefe e sócio da Warren Renascença Investimentos e Serviços Financeiros, pela busca por aumento de receitas via tributação, em vez de focar na redução de gastos públicos e na melhoria da produtividade e empregabilidade, que são desafios urgentes enfrentados por diversos setores da economia.
Para o economista, enquanto o governo continuar buscando tapar buraco com IOF, não se vai a lugar algum. E sobre a "reforma do consumo", ele também disse não ver simplificação alguma acontecendo, nem no curto prazo, nem no médio. "Infelizmente, isso é mais custo para a indústria, mais custo para o nosso setor aqui do comércio, para o setor financeiro e, provavelmente, com menos crescimento econômico."
Salto previu até um cenário de shutdown (paralisação) da máquina pública em 2025, pois 92% do orçamento primário é de obrigações, restando pouco para despesas discricionárias. "Há projeção de déficit para 2025 (R$ 76,3 bi) e 2026 (R$ 106 bilhões) distante das metas fiscais, que pode aumentar o prêmio de risco para investir no Brasil e pressionar a taxa de câmbio."
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IMAGENS: divulgação ACSP e César Brunelli