Ex-executivo de TI fatura com confeitaria pop japonesa na Liberdade
Danilo Miki largou uma carreira de sucesso, migrou para a gastronomia e hoje comanda duas marcas - IKA e Kureiji Candy - que misturam cultura e criatividade e fatura alto com elas

A transição de carreira de Danilo Miki de Sousa, 36 anos, começou com uma viagem ao Japão e terminou em dois endereços disputados da gastronomia pop no bairro da Liberdade, na capital de São Paulo. Após anos no setor de tecnologia, ele decidiu investir em uma paixão antiga: a culinária. “Sempre cozinhei e cheguei a cursar gastronomia por dois anos. Foi na minha segunda ida ao Japão que vi o sembei e tive a ideia de trazer para o Brasil”, conta.
O resultado são duas marcas: a IKA, que produz sembei (biscoito japonês crocante e de tamanho avantajado) com sabores como lula, polvo, shitake e wagyu (carne de boi de origem japonesa), e a Kureiji Candy, uma doceria especializada em doces coloridos, divertidos e "instagramáveis", como pares de Crocs, tayakis de panda, Pokémon, personagens de anime, entre outros. Ambas ficam na Galeria Pingo Doce, na Liberdade.
A IKA nasceu em maio de 2024, com investimento inicial de R$ 100 mil. Começou com um box de 10 m² e vendia cerca de 30 unidades por semana. No fim do primeiro mês, saltou para quase 1.500. Hoje, atende 400 clientes por fim de semana, com faturamento médio mensal de R$ 50 mil. Já a Kureiji, que surgiu três meses depois, fatura em torno de R$ 500 mil/mês, tem duas unidades (Liberdade e Shopping Metrô Tatuapé) e deve abrir a terceira até o fim do ano. O modelo de franquia também está no radar.
Na IKA, o preço dos produtos é único: R$ 25. Na Kureiji varia entre R$ 10 e R$ 30.
Cultura como diferencial competitivo
Para a analista de negócios do Sebrae-SP Angela Martins, histórias como a de Danilo mostram como paixão e identidade cultural podem se transformar em negócios rentáveis. “Muitos profissionais saem de carreiras estáveis em busca de um sonho mais alinhado com seus valores.”
A originalidade também conta pontos. “Produtos que encantam visualmente, como os da Kureiji, se destacam em um mercado competitivo. Eles criam conexão emocional com o consumidor e ajudam a fidelizar”, frisa Angela.
Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice, reforça que a ancestralidade e o storytelling por trás de produtos étnicos são cada vez mais valorizados. “Mesmo sem conhecer o produto, o consumidor quer experimentar. Negócios pequenos têm a vantagem de testar rápido e adaptar o cardápio”, conta Cristina.

De nicho a tendência
Para Angela, produtos ligados a uma cultura específica não precisam ficar restritos a nichos. “Com comunicação acessível e boa experiência de consumo, é possível transformar o que é diferente em tendência.”
No caso da IKA, o foco ainda é local. “Queremos ser o sembei da Liberdade. Por enquanto, não penso em expandir. Mas o produto tem potencial de crescer no Brasil”, diz Danilo.
Cristina destaca que o Brasil talvez “seja um dos países do mundo que mais convive bem com essa multiplicidade cultural”.
“O Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo. Por isso, brincamos que temos uma ‘ONU Gastronômica’ por aqui. As pessoas costumam estar abertas a experimentar novos sabores, sem preconceito, mesmo que não conheçam a origem do produto. E os produtos asiáticos, em especial, trazem um apelo de saudabilidade bastante importante.”

Crescimento com os pés no chão
A Kureiji, por outro lado, está em ritmo acelerado. Segundo Angela, antes de expandir, é preciso validar o modelo, ter processos bem definidos e equipe capacitada. “O Sebrae orienta que a gestão esteja profissionalizada e que o planejamento financeiro seja realista. Crescer sem preparo pode levar à perda de qualidade e sobrecarga.”
Cristina lembra que, com mais unidades, o controle muda. “É preciso trabalhar shelf life, treinamentos e cadeias de suprimento. O que funciona numa unidade pode não funcionar em três.”
Liberdade: vitrine e desafio
Instalar-se na Liberdade trouxe vantagens — fluxo intenso de turistas e visibilidade — para Danilo, mas também impôs desafios, analisa Cristina. “A concorrência é alta. O produto precisa se destacar e ir além da comida. É preciso ter proposta, marketing e experiência.”
Cristina destaca que a Liberdade é hoje, além de um polo turístico, um polo de inovação do ponto de vista de gastronomia. “É muito bacana quando a gente olha esse tipo de regionalidade em termos de entrega gastronômica no mercado brasileiro. Os bairros Vila Madalena, Pinheiros e Itaim Bibi também ocupam esses lugares, mas com diferentes culinárias. O fato é que quando você está num bairro que tem tantos produtos assim, você vive uma concorrência. Por isso, o seu produto realmente precisa se destacar. Você precisa trazer propósito, ter um processo de ativação de marketing bastante bem desenvolvido para ter sucesso.”

Doces "fofos" para adultos também
A "fofura" dos produtos da Kureiji é parte da estratégia. Tayakis de panda, doces inspirados em animes, bebidas decoradas com flores e formatos inusitados (como o docinho em forma de Crocs) são pensados para gerar encantamento.
Para Cristina, o apelo visual é um diferencial competitivo que não se limita ao público infantil. “Produtos bonitos e bem apresentados têm força nas redes. Mas não basta serem estéticos: precisam entregar sabor”, pontua.
Dicas para quem quer seguir o mesmo caminho
Quem deseja abrir um negócio inspirado em gastronomia afetiva ou confeitaria deve, antes de tudo, planejar. “Não basta ter paixão, é preciso se apaixonar pela gestão”, resume Cristina.
Angela recomenda começar pequeno, estudar o mercado e estar aberto ao aprendizado constante. “Erros mais comuns incluem subestimar custos e não ter um diferencial claro.”
Danilo, que largou o CLT para vender sembei e doces "fofos", é prova de que, com visão, criatividade e estrutura, transformar paixão em negócio é possível. E lucrativo.
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IMAGENS: Tais Barros