O nó legal brasileiro: país tem excesso de leis, mas vive insegurança jurídica

‘O ordenamento jurídico brasileiro ostenta mais de 15 mil leis federais ordinárias, 200 leis complementares, milhares de medidas provisórias e uma Constituição que já sofreu 135 emendas’

É advogado, professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS).
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O nó legal brasileiro: país tem excesso de leis, mas vive insegurança jurídica

Considerando a crise institucional vivenciada pelo Brasil, coloca-se a necessidade de reflexão sobre o emaranhado de normas e leis que sabota, por dentro, as bases do Estado Democrático de Direito. É o chamado normativismo brasileiro – um mal crônico e estrutural, cujas raízes remontam ao período colonial, mas que, no século XXI, ganha contornos de calamidade jurídica, econômica e democrática.

Durante a última reunião do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, tivemos a oportunidade de debater e expor as causas, consequências e possíveis caminhos para superar esse entrave que compromete o desenvolvimento nacional. A partir de um diagnóstico rigoroso, chegamos à constatação de que o país padece não apenas de excesso de normas e leis, mas de uma cultura legalista que, longe de produzir segurança jurídica, alimenta a sua própria negação.

A sobrecarga do Poder Judiciário e, por consequência, sua morosidade, também se relaciona com o excesso de normas, na medida em que normas ambíguas ou contraditórias desafiam a própria aplicação do direito

Hoje, o ordenamento jurídico brasileiro ostenta mais de 15 mil leis federais ordinárias, 200 leis complementares, milhares de medidas provisórias e uma Constituição que já sofreu 135 emendas. Além disso, tramitam atualmente mais de 41 mil projetos de lei – sendo que 2.437 foram propostos apenas nos primeiros meses de 2025. Essa hipertrofia legislativa, muitas vezes redundante, contraditória ou inócua, reflete um modelo de Estado centralizador, intervencionista e incapaz de operar com a racionalidade e estabilidade que se espera de uma democracia madura.

O critério de produtividade parlamentar, como os dados demonstram, muitas vezes privilegia o número de proposições de leis em detrimento da sua relevância ou técnica. Isso sem falar na centralização das competências federativas. O Brasil exerce um federalismo às avessas, no qual decisões que deveriam ser locais foram absorvidas pela União no texto constitucional, demonstrando a falta de autonomia dos estados e municípios para muitas questões que seriam melhor decididas regional e localmente, em contrariedade ao princípio da subsidiariedade.

O problema não é só de quantidade, mas sobretudo de qualidade das leis, promovida por meio do debate amplo e maduro. Observa-se que por vezes as normas e leis são produzidas com rapidez, mas sem a clareza e simplicidade para sua aplicação, exigindo-se, como consequência, a formulação de novas normas, bem como corroborando para uma jurisprudência instável.

Essa disfunção também se espraia para o Executivo, que abusa do instituto das medidas provisórias, e para o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, que se vê compelido a decidir sobre tudo – da alta política ao cotidiano da administração. Em 2022, o STF proferiu 89.951 decisões, sendo 86% monocráticas, com cada ministro julgando, em média, 45 processos por dia. Isso indica que a própria competência do Supremo Tribunal Federal precisa ser revisitada. A sobrecarga do Poder Judiciário e, por consequência, sua morosidade, também se relaciona com o excesso de normas, na medida em que normas ambíguas ou contraditórias desafiam a própria aplicação do direito.

As consequências são concretas: insegurança jurídica, retração de investimentos e perda de competitividade. O Brasil ocupa a 124ª posição no ranking Doing Business do Banco Mundial, atrás de países como Uganda e Senegal. O custo-Brasil é real – e caro.

Mas, há saídas. A primeira delas é cívico-política: sem participação ativa da sociedade civil e do setor produtivo, não haverá correção de rumo. Precisamos de engajamento cívico permanente, e não apenas eleitoral. A segunda é legislativa: urge uma reflexão sobre a possibilidade de uma ampla e inteligente reforma, capaz de consolidar, simplificar, revogar o que for preciso e, em última análise, modernizar o arcabouço normativo, devolvendo clareza e eficácia à legislação. A terceira é institucional: é necessário redesenhar a separação entre jurisdição constitucional e jurisdição ordinária, revisar a forma de exercício do federalismo e promover uma reforma política.

Problemas estruturais exigem soluções estruturais. A revisão do federalismo, a reforma política, a racionalização do processo legislativo e a restauração da credibilidade das instituições são pilares de uma agenda de reconstrução jurídica do país. Precisamos romper com a ilusão de que mais normas significam mais justiça. Ao contrário: neste momento, menos pode ser mais.

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio

 

IMAGEM: DC - gerada com IA Gemini

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