Preparar-se para a mudança
A sociedade, e sobretudo os empresários, já despertou para as dificuldades hídricas que podem afetar o fornecimento de água e eletricidade. Mas a carência pode ser mais prolongada que pensamos
A região Sudeste – e especialmente São Paulo - enfrenta grave desafio em decorrência da forte seca que se prolonga desde o ano passado e sinaliza com um cenário bastante provável de crises hídrica e de energia.
Embora as autoridades venham procurando alternativas para evitar uma medida extrema, é bastante alta a probabilidade de racionamento tanto no abastecimento de água como no suprimento de eletricidade.
Pesquisa realizada pela ACSP na cidade de São Paulo, através de suas 15 distritais, junto a cerca de 450 empresas comerciais e de serviços de micro e pequeno portes, aponta que, apesar de não haver racionamento formal, mais de um terço das entrevistadas apontam aumento de custos e impactos negativos sobre o faturamento em virtude da falta de água durante alguns períodos.
Nas regiões mais afetadas, já se estudam medidas de adaptação que envolvem demissões, redução de jornadas ou até, se houver agravamento, fechamento dos estabelecimentos.
Observa-se, nessa pesquisa, que existe um impacto desigual da falta de abastecimento regular de água sobre as atividades econômicas, com algumas áreas praticamente não sentindo dificuldades, enquanto em outras a situação é bastante grave.
A perspectiva que se delineia - a de um racionamento geral - deverá atingir toda a cidade por igual, tornando pelo menos mais simétrico o impacto da crise, embora, em termos da população, as camadas de menor renda venham a ser mais afetadas, pela menor capacidade de se prevenir ou se ajustar.
Muito embora empresas e cidadãos venham dando importante contribuição para a redução do consumo de água em São Paulo e em outras cidades afetadas pela seca, muitos desses esforços partem da premissa de tratar-se de um problema transitório e, por isso, muitas das medidas adotadas são provisórias, visando apenas a aguardar a chegada das chuvas.
Essa é uma visão equivocada da situação, pois tanto em relação à água como a energia elétrica ocorre uma mudança estrutural no tocante ao suprimento e aos preços.
A urbanização acelerada e a concentração da população em grandes cidades, de um lado, e as maiores dificuldades de captação de água, que deve se fazer a distâncias cada vez maiores, encarecendo seu custo, de outro, criaram uma nova realidade que, mesmo superada a crise hídrica, irá se refletir de forma bastante significativa nos preços.
Com relação à energia, a disseminação do uso de aparelhos elétricos e eletrônicos nas empresas e nos lares aumenta o consumo em ritmo mais acelerado do que o da produção de energia, que sofre inclusive severas restrições para a expansão de sua produção por questões ambientais, com impacto significativo sobre seus custos, que devem continuar sendo repassados para as tarifas.
O período de água abundante e barata que nos permitiu hábitos nem sempre saudáveis acabou. Santo Bernardino de Siena - que além de grande pregador sacro foi um brilhante economista, que entendeu tanto a função do empresário e do lucro, como a do sistema de preços - afirmava que “a água geralmente é barata porque é abundante, mas pode ocorrer que em algum lugar ela seja escassa e se nessa região o ouro for abundante, a água seja mais valiosa do que o ouro”.
Por isso é preciso que empresas e cidadãos, embora continuem com seus esforços para diminuir o consumo de água e energia no curto prazo, preparem-se para intensificar esses esforços numa perspectiva de redução ainda maior no médio e longo prazos, adaptando-se à nova realidade de escassez e preços altos.
Para que todos possam se preparar melhor para o novo cenário, é importante que as autoridades esclareçam a real situação do país, no tocante ao suprimento de água e de energia, preparando a população para o quadro mais difícil, pois se a crise for menor do que esperada, os esforços de redução do consumo somente trarão benefícios para a economia e para a sociedade.