Galípolo: BC já previa o tarifaço de Trump desde janeiro

Em palestra na ACSP, o presidente do Banco Central afirmou que a pouca dependência comercial do Brasil em relação aos Estados Unidos, antes vista como uma desvantagem, se tornou uma proteção após o aumento de tarifas

Mariana Missiaggia
11/Ago/2025
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Galípolo: BC já previa o tarifaço de Trump desde janeiro

 

As recentes tarifas sobre produtos brasileiros anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já estavam no radar do Banco Central desde janeiro, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) previu, em seu balanço de riscos, os impactos dessas medidas, incorporando a expectativa de uma perda significativa na economia brasileira.

A avaliação de Galípolo durante palestra realizada pelo Conselho Político e Social (COPS) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) nesta segunda-feira (11/08) indica que ainda que a sobretaxa seja vista como um revés, o Brasil deve ser menos afetado do que outros países, como México e Vietnã, que possuem relações comerciais mais significativas.

Ao esboçar alguns cenários, ele afirmou que o que os analistas do mercado financeiro vêem como um problema mais duradouro são as possíveis perdas de emprego, e a dificuldade para alguns setores encontrarem novos mercados para suas exportações.

"A nossa diversificação e a menor correlação com a economia norte-americana, antes consideradas desvantagens, colocam o país em posição favorável para enfrentar esse momento conturbado", destacou.

As análises preliminares de economistas, segundo Galípolo, apontam para dois cenários principais no curto e médio prazo. No curto prazo, com a dificuldade de exportar para os Estados Unidos, os produtos brasileiros que seriam destinados a esse mercado tendem a ser redirecionados para o mercado interno, e esse aumento de oferta pode levar a uma queda de preços no Brasil, beneficiando os consumidores em um primeiro momento.

A médio prazo, se as tensões comerciais com o mercado norte-americano se aprofundarem, a moeda brasileira pode sofrer uma desvalorização ainda maior em relação ao dólar. Essa desvalorização pressionaria a inflação, já que produtos importados se tornariam mais caros.

Há ainda outro desafio na mesa do Copom, segundo o economista. Apesar de alguma melhora recente na desancoragem das expectativas no curto prazo, os analistas ainda não enxergam as expectativas convergindo para a meta. E a situação coloca o BC em alerta, monitorando de perto como esses dois movimentos opostos, a queda de preços no curto prazo e a possível pressão inflacionária no médio prazo, vão se desenrolar na economia do país até 2026.

Galípolo também levantou a provocação: a "idiossincrasia" brasileira de manter um dinamismo econômico robusto mesmo em um cenário de taxas de juros elevadas. A questão central, segundo ele, é como alcançar o mesmo nível de atividade econômica com juros mais baixos.

O presidente do BC comparou a situação a um paciente que precisa de doses menores de um remédio para obter o mesmo resultado. E enfatizou que a busca por essa normalização é um tema central que a geração atual de economistas e formuladores de políticas precisa enfrentar para o futuro do país. "Me parece que um dos temas centrais que a nossa geração enfrentará é a normalização dos canais de transmissão da política monetária", analisou.

 
(Esq.p/dir.) Amato, Cotait, Afif, Galipolo, Ordine, Fortes e Kassab: questão central é como alcançar o mesmo nível de atividade com juros mais baixos

 

JUROS, INFLAÇÃO E PIX

Sobre a taxa básica de juros (Selic), Gabriel Galípolo descartou a possibilidade de cortes nas próximas reuniões, e disse que será mantida em 15% ao ano, sinalizando a necessidade de cautela para garantir o controle da inflação. A decisão de manter a taxa marca o fim de um ciclo de alta, com a Selic atingindo um patamar restritivo, explicou.

Galípolo reforçou o compromisso do BC em manter os juros nesse nível para assegurar que a inflação retorne à meta, e destacou que a autoridade monetária permanece vigilante aos indicadores econômicos que possam justificar uma futura redução dos juros, mas não estabeleceu um prazo para o início dos cortes.

Ele também alertou para os riscos crescentes nas projeções de inflação: segundo o economista, caso esses riscos se concretizem, o impacto na inflação pode ser maior do que o esperado, influenciado tanto por questões tarifárias quanto pela política fiscal.

Outra perspectiva apontada por Galípolo gira em torno de o Brasil se destacar negativamente por ter uma das maiores taxas de juros reais do mundo. O que ele argumenta não como um problema conjuntural, mas sim um problema estrutural. E propõs uma reflexão fundamental ao contexto brasileiro.  "Como é possível que a economia do país mantenha seu dinamismo, crescendo e gerando empregos, mesmo com juros tão altos e restritivos?".

Por fim, com o futuro lançamento do PIX parcelado, Galípolo defendeu a manutenção do sistema de pagamento instantâneo como um serviço público, a despeito da pressão exercida pelo governo norte-americano sobre o sistema nacional.

Há pouco menos de um mês, o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) anunciou que havia aberto uma investigação comercial contra o pix por potenciais práticas comerciais desleais, como promover práticas desleais no comércio digital, possivelmente prejudicando empresas americanas como Visa e Mastercard.

Embora o sistema não seja mencionado nominalmente, o documento se refere a “serviços de comércio digital e pagamento eletrônico” do governo brasileiro, sendo o pix o único serviço dele.

Questionado sobre o incômodo do modelo brasileiro diante do resto do mundo, como Índia, Singapura e Espanha, o economista diz que são poucos os casos de uma adesão tão grande da população. "Temos praticamente 90% da população já usando o pix. Fizemos mais de 250 milhões de operações num dia só, com mais de 800 milhões de chaves pix, então isso é bastante importante. Se faltar pix, para muita gente é pior do que faltar água ou luz”, disse.

Durante o encontro estiveram ao lado de Galípolo, Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP, Heráclito Fortes, coordenador do COPS, Guilherme Afif Domingos,  secretário especial de Projetos Estratégicos do Goverdo de São Paulo, Alfredo Cotait, presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Rogério Amato, coordenador do Conselho Superior da da ACSP-FACESP e Gilberto Kassab Secretário de Governo e Relações Institucionais do Estado de São Paulo.

 

IMAGEM: César Bruneli

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