Para o samba não parar
"As escolas de samba brasileiras têm uma chance por ano para entregar perfeição no maior palco do mundo. As corporações brasileiras enfrentam pressões similares no cenário competitivo de hoje"

No calor sufocante de um galpão de ensaio no Rio, um mestre-sala tropeça durante uma sequência complexa. Nesse momento mesmo, a voz do coreógrafo corta a música: "Não, não! De novo! Sinta o ritmo, não apenas os passos!" O feedback é imediato, direto e público - porque cada momento conta quando faltam apenas uns 30 ensaios semanais para se preparar para o desfile mais assistido do mundo. Não há como esperar por uma avaliação anual, nem por um processo formal de avaliação.
Esta intensidade espelha uma revolução silenciosa que acontece em salas de diretoria corporativas pelo mundo, onde as tradicionais avaliações de desempenho anuais estão dando lugar a sistemas de feedback mais ágeis e frequentes. A pesquisa da Professora Katherine Coffman, da Harvard Business School, sobre a transformação da Progress Software revela o que o Professor Alfredo Behrens, da FIA Business School, acha que são paralelos impressionantes com a gestão nas escolas de samba brasileiras.
O modelo das escolas de samba prospera, segundo Behrens, porque evita a ansiedade e os altos riscos de avaliações infrequentes. Estes são os que Coffman identifica como a principal fraqueza no gerenciamento de desempenho tradicional: "Quando uma avaliação é algo que só acontece uma vez por ano, pode parecer muito consequente e induzir ansiedade", ela observa. As escolas de samba compreendem isso instintivamente. O feedback flui constantemente, diz Ariane Camilla, Diretora de Carnaval da Mocidade Alegre - do carnavalesco ajustando um design de fantasia ao Mestre da Bateria corrigindo um ritmista. Os riscos para cada correção individual permanecem administráveis porque a melhoria acontece incrementalmente, ensaio após ensaio.
Mas é aqui que a comparação se torna particularmente esclarecedora para os negócios brasileiros: as escolas de samba alcançam essa cultura de feedback instantâneo e fluido através do que Alfredo Behrens chama de "alto alinhamento". Todos - do Mestre de Bateria à última baiana - compartilham uma visão idêntica de sucesso. Eles sabem exatamente como o desfile de Carnaval deve parecer, soar e ser vivido. Esta clareza permite correções de curso instantâneas, sem delongas ou processos burocráticos.
As corporações brasileiras, tipicamente menores e mais focadas que suas contrapartes multinacionais, possuem vantagens naturais para implementar sistemas similares aos das escolas de samba. Diferentemente da Progress Software, que cresceu por meio da aquisição de dezenas de empresas em muitos países, a maioria das empresas brasileiras opera com fronteiras organizacionais mais enxutas e culturas mais harmoniosas. As brasileiras produzem menos produtos, atendem principalmente mercados domésticos e frequentemente mantêm relacionamentos mais próximos entre liderança e funcionários da linha de frente - condições que deveriam tornar conversas de feedback frequentes e significativas mais naturais e eficazes.
Ainda assim, muitas empresas brasileiras, especialmente aquelas inspiradas nas escolas de negócios mais convencionais, permanecem presas no ritual da avaliação do desempenho pouco frequente, perdendo as oportunidades que sua estrutura organizacional torna mais fáceis de capturar. Quando Coffman descreve o desafio da Progress Software - "Você tem muitos caminhos de carreira diferentes possíveis... operando em escritórios em continentes diferentes" - ela está destacando uma complexidade que a maioria das empresas brasileiras simplesmente não enfrenta. As operações das brasileiras, mais concentradas, deveriam tornar as discussões sobre carreiras mais claras e rápidas, não mais difíceis e lentas.
A solução não é tecnologia complexa ou consultores caros - é adotar a mentalidade das escolas de samba de alinhamento contínuo e feedback imediato. As empresas brasileiras podem aproveitar suas vantagens naturais: menor tamanho, mercados focados e culturas unificadas para criar sistemas onde conversas sobre carreira aconteçam mais frequentemente, e onde cada funcionário compreenda não apenas seu desempenho atual, mas também seu caminho de crescimento.
As escolas de samba brasileiras aperfeiçoaram essa abordagem por necessidade - elas têm uma chance por ano para entregar perfeição no maior palco do mundo. As corporações brasileiras enfrentam pressões similares no cenário competitivo de hoje. A questão não é se elas podem se dar ao luxo de abraçar sistemas de feedback mais frequentes e significativos. É se elas podem se dar ao luxo de não o fazer, quando a música para e a competição segue adiante.
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IMAGEM: Paulo Araújo/Agência O Dia