Uma bússola para as escolas de negócios
Como o abandono da experiência prática e do conhecimento histórico pode estar na raiz dos ciclos especulativos modernos

Imagine um mundo onde a Harvard Business School fosse fundada hoje. O reitor seria certamente um PhD em Economia ou Business com dezenas de publicações em revistas acadêmicas de primeira linha. Os professores teriam currículos impecáveis, repletos de títulos e credenciais universitárias. E muito provavelmente, essa escola seria incapaz de prevenir ou mesmo compreender as bolhas especulativas que assolam a economia global, e que podem levar a perguntas incômodas como a da rainha Elizabeth II ao visitar a London School of Economics durante a crise financeira de 2008: “Por que ninguém viu que isto podia acontecer?”
A ironia é devastadora. Quando Edwin Francis Gay fundou a Harvard Business School em 1908, ele o fez precisamente para combater os desastres de infraestrutura que haviam arruinado as ferrovias americanas. Gay era historiador, não economista, e sua primeira grande contratação foi William J. Cunningham, um homem que trabalhava na ferrovia Boston and Albany e que se orgulhava de não ter "antecedentes acadêmicos de qualquer tipo". Cunningham tornou-se o único professor de toda a Universidade de Harvard sem sequer um diploma de graduação, e ficou como professor em Harvard por mais quatro décadas!
Essa combinação improvável - um historiador como reitor de uma escola de negócios, e um ferroviário como professor - nasceu da compreensão de que os desastres nas finanças ferroviárias não eram apenas problemas financeiros, mas reflexos de uma profunda lacuna no conhecimento gerencial, que deveria privilegiar o conhecimento sistêmico.
A revolução credencialista
Hoje, sob a camisa de força das agências internacionais de acreditação das escolas de negócios, uma trajetória como a de Cunningham seria impossível nas principais escolas de negócios do Brasil. O processo de contratação de professores exige PhD, publicações em revistas especializadas e anos de experiência em pesquisa teórica. A experiência prática, quando valorizada, deve vir acompanhada de credenciais acadêmicas impecáveis, que exigem foco em detrimento do conhecimento dos sistemas naturais. Sem esse, continuaremos a falhar ao público, como no caso da rainha da Inglaterra.
O custo da amnésia histórica
A exclusão do conhecimento sistêmico das escolas de negócios representa uma perda particularmente significativa. A história empresarial oferece perspectivas únicas sobre como tecnologias disruptivas interagem com mercados de capital, criando ciclos repetitivos de euforia e colapso. Uma sensibilidade histórica captaria que a atual corrida pelos data centers de inteligência artificial segue padrões similares à mania canaleira do século XVIII, da ferroviária do século XIX, das redes de fibra ótica dos anos noventa.
Mas, em geral, as escolas modernas privilegiam professores que, por mais brilhantes, perderam o foco temporal necessário para identificar esses padrões. Tanto que este ano setenta e cinco reitores de escolas americanas expressaram preocupação quanto ao futuro delas. Não surpreende que os alunos as procurem menos. Há exceções, eu atualmente oriento no Brasil a dissertação de um aluno com importante formação filosófica e em teologia, boa base para interpretar movimentos complexos. Mas a ausência de profissionais com experiência prática direta nas escolas agrava o problema de raiz. Quando Cunningham ensinava em Harvard sobre gestão ferroviária, ele falava de vivência própria sobre os desafios de operar sistemas complexos sob pressão financeira. O que ele expressava tinha sido vivido por ele. Um século mais tarde, nem em Harvard havia quem pudesse ter alertado a rainha da Inglaterra.
O laboratório dos 7 trilhões de dólares
Hoje, enquanto empresas tecnológicas investem trilhões em data centers de inteligência artificial, repetindo os mesmos erros de coordenação que destruíram as ferrovias do século XIX, as escolas de negócios permanecem em silêncio. Seus professores publicam artigos sofisticados sobre otimização de portfólios, mas poucos possuem a combinação de conhecimento histórico e experiência prática necessária para questionar a racionalidade coletiva dos investimentos.
As respostas poderão determinar se o próximo grande colapso especulativo inspirará uma nova reforma no ensino de negócios - ou se continuaremos presos no mesmo ciclo de euforia educada e desastre previsível, falhando ao nosso público.
Leia mais em:
https://www.weforum.org/stories/2025/04/data-centre-gold-rush-ai/
https://ig.ft.com/ai-data-centres/
**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio
IMAGEM: reprodução