Produtores de morango do interior de SP aproveitam a 'onda do amor'
Ricardo Paulino, proprietário do Sítio Fragole, em Jundiaí, passou a vender 700 quilos da fruta por fim de semana após a febre do Morango do Amor, o dobro do que era habitual para o período

Graúdos e uniformes. É assim que confeiteiros e pequenos comerciantes têm negociado a compra de morangos nas últimas semanas, sem intermediários - diretamente com os produtores. O que começou com uma receita postada nas redes sociais rapidamente se transformou em um fenômeno nacional, e a trend do Morango do Amor já tem reflexos diretos no campo.
Entre julho e agosto, período de safra nas principais regiões produtoras, o preço do morango costumava cair por causa do aumento da oferta. No entanto, neste ano, a alta demanda fez com que os preços subissem de forma acentuada, contrariando a sazonalidade.
Em menos de um mês, o preço do morango quase dobrou em todo o país. Na Ceagesp, em São Paulo, por exemplo, o valor da caixa de um quilo passou de cerca de R$ 23 para R$ 48,07, um aumento de 107%. No Ceará, o preço do quilo no atacado subiu 44,6%, chegando a R$ 50. Em outras capitais, o quilo da fruta alcançou R$ 40, valores históricos para o setor, segundo a Companhia.
Antônio Dionício Pereira, diretor de Relações Internas/Externas da Cooperativa dos Morangueiros Pantanense, diz que essa alta tem beneficiado, em particular, a agricultura familiar. Para os pequenos produtores, o cultivo do morango já era uma fonte de renda importante, e este aumento de preço tem reforçado a viabilidade e o sustento de suas famílias.
A fruta, que já registrava crescimento de 14,2% na produção entre 2023 e 2024 na região de Campinas, no interior de São Paulo, ganhou ainda mais destaque com a popularização da receita nas redes sociais, segundo dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. No ano passado, a produção de morango em Campinas atingiu 3,2 mil toneladas, ficando atrás apenas da região de Sorocaba no estado de São Paulo, que registrou 4,7 mil toneladas.
Na última semana, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo divulgou nas suas redes um vídeo sobre a fruta. Segundo eles, o estado é um dos maiores produtores de morango do Brasil. De acordo com dados do Instituto de Economia Agrícola, em 2024, o valor total de produção da fruta no estado de São Paulo atingiu R$ 166,3 milhões, com uma safra estimada em mais de 8,1 mil toneladas.
Aumento da procura
Em Jundiaí, no interior paulista, Ricardo Paulino de Oliveira, proprietário do Sítio Fragole, é um dos produtores de morango que vive essa febre na ponta. Com uma plantação de 40 mil pés, em outubro do último ano ele deixou de distribuir a fruta para pequenos negócios e passou a receber o consumidor final em sua propriedade no formato 'colha e pague'.
Cada visitante recebe uma cesta e é orientado sobre como torcer o caule próximo à base da fruta para colher o morango. Todos ficam à vontade pela plantação e, no final da visita, pesam o que colheram para levar para casa. Inicialmente, o preço do quilo variava entre R$ 30 e R$ 35. Agora, há duas seleções da fruta - uma por R$ 40 e outra premium, por R$ 60 o quilo.
Além disso, em março deste ano, Paulino inaugurou um espaço para café da manhã com muitas receitas com morango, além de sucos e a fruta in natura à vontade por R$ 68,90 por pessoa. Paulino começou a lidar com morango com apenas nove anos de idade, ao lado dos pais, em 1977. Sua família plantava outras culturas também - uva, tomate, hortaliça. Mas ele sempre preferiu o morango e hoje se dedica exclusivamente a ele.
Paulino apostou no cultivo do morango suspenso. Segundo o produtor, sem contato com a terra, os frutos são mais bonitos, uniformes e de boa qualidade. Como são colhidos em bancadas afastadas do solo, a possibilidade de contaminação microbiológica diminui e permite estender o período de colheita por mais de dois meses, diz. Focado no turismo rural, ele conta que, desde que a sobremesa viralizou, tem sido muito assediado por comerciantes e confeiteiros atrás de lotes da fruta.
"Eles (doceiros) querem os graúdos e uniformes, mas eu já estou num valor muito bom de venda e preciso garantir volume para colheita no fim de semana. Não tenho como atender, mesmo assim, tem confeiteiro que vem até o sítio colher o que precisa".
O produtor rural Diego Amaral é um dos principais fornecedores de morango de Piracaia (SP), com 150 mil pés. Além de vender a fruta fresca no local, ele distribui para o varejo da região e diz que, em julho, as vendas dobraram em relação ao ano passado, principalmente atendendo docerias.
“É o dia todo no telefone, atendendo principalmente a confeiteiros atrás da fruta. É uma verdadeira corrida, e acaba aumentando o ritmo de colheita e a seleção das frutas", diz.
Em meio à plantação de mirtilos e framboesas do engenheiro agrônomo Luis Milner estão três mil pés de morango - que também são a atração da Chácara Catavento, em Piracicaba (SP). Assim como Paulino, ele deixou de atender o varejo para apostar no turismo rural no modelo 'colha e pague'. Segundo Milner, apesar da atual corrida atrás da fruta, a valorização do morango tem sido crescente nos últimos anos.
"O morango é uma fruta desejada e com pouca oferta. Aqui no sítio já não conseguimos atender à demanda local. Só atendemos com reserva e sempre tem fila de espera, pedidos e famílias querendo visitar."
Para o engenheiro, a trend do Morango do Amor mostra como produtos agrícolas populares podem se valorizar com a ajuda das mídias digitais, que têm encurtado a distância entre o campo e o consumidor final. Isso, segundo ele, exige que os produtores fiquem atentos às redes sociais, pois elas podem impulsionar a demanda de forma inesperada - e lucrativa.
O novo status do morango, ao ser transformado em uma sobremesa instagramável, criou novas experiências gastronômicas e quem conseguiu se ajustar rapidamente para atender ao aumento da demanda pode se beneficiar do aumento do preço em um mercado dinâmico, mas que demanda agilidade, aponta Millner.
André Barreto, extensionista da Diretoria de Assistência Técnica Integrada (CATI) do município paulista de Jarinu, concorda. Segundo ele, com o Morango do Amor, os produtores acharam um novo nicho temporário de mercado e a fruta ficou mais selecionada.
Ainda de acordo com Barreto, Minas Gerais – o principal estado produtor de morangos – foi bem afetada pela geada e chuva de granizo no início de julho e isso contribuiu para que houvesse maior demanda no estado de São Paulo.
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IMAGENS: Sítio Fragole/divulgação