Câmeras digitais compactas renascem pelas mãos da Geração Z

Equipamentos clássicos dos anos 2000, como a Sony Cyber-Shot, são usados para registrar festas e viram até acessórios ao serem amarrados na mochila ou na calça, segundo o estudante Gabriel Costa (na foto): ‘é um jeito diferente de viver os momentos, sem a preocupação com a foto perfeita’

Cibele Gandolpho
01/Ago/2025
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Câmeras digitais compactas renascem pelas mãos da Geração Z

Equipamentos que pareciam aposentados pelo avanço dos smartphones voltaram a gerar movimento no comércio do Centro de São Paulo. As câmeras digitais compactas dos anos 2000, como os clássicos modelos Sony Cyber-Shot, ressurgiram como item de desejo entre jovens da Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) e consumidores interessados em estética retrô.

Em um tempo em que tudo parece milimetricamente editado, a Geração Z está resgatando um visual mais cru e real. São fotos com foco imperfeito, luz estourada, granulação aparente e um ar caseiro — quase como se tivessem sido feitas sem pensar duas vezes.

Isso tem impulsionado um nicho que cresce no embalo da nostalgia e da economia circular. Em lojas especializadas na região da Santa Ifigênia, Rua 7 de Abril, Rua do Seminário e arredores da 25 de Março, modelos antigos voltaram a dividir prateleiras com câmeras de última geração — e estão vendendo rápido mesmo com preços altos.

A tendência, que começou com influenciadores e criadores de conteúdo nas redes sociais, ganhou força no fim de 2023 e início de 2024.

Dados do marketplace Octoshop apontam que as vendas das câmeras digitais portáteis cresceram incríveis 1.456% entre novembro de 2024 e maio de 2025, movimentando mais de R$ 89 mil no período.

Para Ricardo Steffen, diretor de crescimento da Octoshop, a Geração Z está reinventando os códigos visuais da internet. “Não se trata apenas de estética: eles buscam narrativa, significado e uma conexão mais honesta com o conteúdo.”

Na OLX e no Enjoei, anúncios de câmeras digitais também cresceram. Em uma busca no Enjoei, por exemplo, há inúmeros anúncios desses equipamentos com valor médio de R$ 450, mas que pode chegar a R$ 1.200, dependendo do estado de conservação.

Um dado curioso é que é possível encontrar essas câmeras quebradas à venda apenas para decoração, com valores entre R$ 12 e R$ 60.

A estudante Lara Santos conta que passou a usar a antiga Cyber-Shot do seu pai depois que proibiram o uso de celular na escola

 

As imagens captadas pelas câmeras digitais antigas têm um visual característico: granulação leve, cores saturadas, flash marcado e uma resolução considerada "imperfeita" pelos padrões atuais. Essa estética virou diferencial.

No TikTok, onde o movimento se espalhou rapidamente, hashtags como #digitalcamera, #cybershot e #vintagecamera acumulam milhares de vídeos e comentários que reforçam o apelo afetivo dessas imagens — vistas como autênticas, "cruas" e livres de filtros.

A Geração Z tem sido protagonista nesse renascimento. Para o estudante de Publicidade e Propaganda Gabriel Costa, 21 anos, a relação com a Cyber-Shot começou ainda na infância, quando usava a câmera da mãe para registrar momentos do cotidiano.

“Com a chegada do celular, a gente acabou esquecendo completamente dela”, lembra. “Mas, em 2020, vi que algumas pessoas estavam voltando a usar e fui procurar uma para mim. Desde então, levo para todos os lugares. Gosto de tirar fotos com ela porque me traz uma sensação diferente do celular, é algo mais nostálgico.”

Costa conta que a câmera virou até acessório de estilo. “Eu amarro na mochila ou até na calça, como parte do outfit. É uma estética, mas também é um jeito diferente de viver os momentos. A gente não fica preocupado se a foto ficou perfeita. Ficou boa assim? Então é isso mesmo. É conceito”, conta.

Para a estudante Lara Santos, 17 anos, a redescoberta da câmera digital teve um impulso prático e afetivo ao mesmo tempo. “Tudo começou porque proibiram o uso de celulares na escola, e eu não queria passar meu último ano sem fotos. Meu pai me deu a Cyber-Shot antiga dele, que ele tinha desde que eu era criança.”

Lara se encantou com a estética das imagens e com a experiência diferente do uso do celular. “A câmera digital tem um ar de conforto. As fotos parecem memórias antigas — mesmo sendo de agora. Quando vejo, me dá a mesma sensação de quando olho imagens da infância ou dos meus pais.”

Kauan Amorim diz gostar da sensação de só poder ver o que registrou depois de descarregar as fotos em casa: ‘permite curtir melhor o rolê sem ficar preso ao celular’

 

Ela também ressalta como o hábito muda a forma de registrar o cotidiano. “A gente usa o celular o tempo inteiro, está acostumado com o mesmo tipo de imagem. A câmera traz outra linguagem, outro tempo, e acho que isso faz diferença.”

O estudante Kauan Vinicius Amorim, 21 anos, compartilha da mesma percepção. Influenciado por amigos e pela onda das Cyber-Shots nas redes sociais, ele comprou a sua no início de 2024, após meses pedindo emprestado o equipamento em encontros e festas.

“Gosto da sensação de só ver as fotos em casa, no computador. Isso me permite curtir mais o rolê, sem ficar preso ao celular.” Ele também valoriza a espontaneidade do processo. “Às vezes, levo só a câmera, deixo na mão da galera, e cada um tira do seu jeito. As fotos saem diferentes, com ângulos inesperados. E tem esse aspecto de revelação, de surpresa, que é muito diferente do celular”, revela Amorim.

Comércio

No Centro de São Paulo, o reflexo dessa mudança de comportamento já é percebido nas vitrines. Lojas que antes focavam apenas em lançamentos do setor fotográfico, passaram a dedicar espaço para câmeras usadas ou recondicionadas.

Modelos compactos da Sony, Canon, Fujifilm e Nikon, que estavam encalhados ou esquecidos em estoque, agora ganham visibilidade. Em média, os preços variam de R$ 250 a R$ 1.200, dependendo da conservação, modelo e acessórios incluídos. Já um equipamento sem uso, porém antigo, pode custar até R$ 2.800, como os disponíveis na Octoshop, por exemplo.

Quem busca uma câmera compacta usada em São Paulo pode encontrar facilmente em diversos locais do Centro da cidade, como na Galeria 7 de Abril, na República, que tem várias lojas de câmeras e acessórios fotográficos.

Já na Space Photo, há marcas, como Nikon e Canon, com preços em torno de R$ 850 e R$ 750. “A procura cresceu bastante nos últimos meses e sempre temos clientes à procura dessas câmeras”, conta um funcionário da loja. Se o estado de conservação das máquinas é bom, a Space Photo até compra de quem quer vender, após uma avaliação também do funcionamento.

Na loja Angel, uma Sony Cyber-Shot de 5.0 megapixels pode ser comprada por R$ 560.

Além disso, feiras de antiguidades, como a Benedito Calixto, e brechós selecionados são opções para quem quer garimpar câmeras com história.

Para os consumidores que preferem comprar online, plataformas como Enjoei, OLX e Mercado Livre reúnem vendedores locais que entregam na cidade, facilitando a busca por esses aparelhos.

Qualidade

Entre os motivos que ajudam a explicar a redescoberta da Cyber-Shot está uma característica técnica que ainda impressiona: o zoom eletrônico, considerado um diferencial mesmo diante de câmeras profissionais e celulares modernos.

Para o fotógrafo Roberto Castineiras, “esse modelo foi um dos primeiros a ter esse tipo de zoom, que amplia a imagem quase três vezes mais do que uma lente comum. Para você ter uma ideia, eu uso para fotografar a Lua. A precisão do zoom é tão grande que, com uma câmera comum, eu precisaria de uma lente enorme para conseguir o mesmo resultado”, diz.

Outro destaque é a qualidade das lentes da Cyber-Shot, já que essas câmeras vêm com lentes ópticas dedicadas, projetadas exclusivamente para fotografia, ao contrário das lentes minúsculas e multifuncionais dos celulares. Isso garante fotos com maior definição e menos distorções.

Profissionais de cultura digital apontam que o uso dessas câmeras representa uma forma de desaceleração diante do excesso de estímulos da vida conectada. A experiência de fotografar fora do celular, longe das notificações e da lógica de likes, tem sido interpretada como uma maneira de viver o momento com mais presença.

O fenômeno se conecta ainda a outro movimento crescente entre os jovens: o resgate de tecnologias analógicas e de produtos com memória afetiva. Assim como os vinis, os walkmans e os videogames antigos voltaram ao mercado com força nos últimos anos, agora é a vez das câmeras digitais entrarem na lista de objetos revalorizados.

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IMAGENS: arquivo pessoal

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