A gastronomia é ponto-chave para as fachadas ativas em São Paulo

O arquiteto Herbert Holdefer, responsável por projetos de bares e restaurantes da capital, como A Casa do Porco e Esther Rooftop, diz que a alta circulação de pessoas, um comércio já consolidado e bons restaurantes fazem o modelo acontecer

Mariana Missiaggia
14/Ago/2025
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A gastronomia é ponto-chave para as fachadas ativas em São Paulo

Por décadas, a cidade de São Paulo dificultou a integração de comércios no térreo de edifícios, formando assim bairros com papéis bem definidos - para se morar, se trabalhar e se consumir. Uma configuração urbana que, além de desincentivar a vida social, também forçou a população a utilizar o carro para tarefas simples e de distâncias curtas, contribuindo para o congestionamento.

Em seu último Plano Diretor, de 2014, São Paulo recuperou o conceito de "fachadas ativas", que tem como objetivo ocupar o térreo de edifícios, sejam eles corporativos ou residenciais, com comércio e serviços e maior diálogo com a rua e o espaço público. Hoje, o benefício concedido às incorporadoras que adotam as fachadas ativas é de 20% ou 50% da área do terreno, a depender do Zoneamento onde o lote está inserido. 

Com exemplos icônicos, como o Conjunto Nacional e o Copan, a maior parte dos prédios que apresentam esse modelo está em áreas centrais, como Pinheiros e Santa Cecília. O que explica isso? A alta circulação de pessoas, um comércio já consolidado e bons restaurantes, argumenta o arquiteto Herbert Holdefer, autor do projeto arquitetônico de restaurantes como A Casa do Porco e Esther Rooftop.

Em entrevista ao Diário do Comércio, ele destaca o papel da gastronomia na criação de fachadas ativas, contribuindo para a dinâmica urbana, a interação social, a segurança e a qualidade de vida em São Paulo. Acompanhe a seguir:

 

Diário do Comércio - As fachadas ativas foram planejadas para pedestres, ciclistas e usuários de transporte público. Mesmo assim, a falta de vagas de estacionamento é apontada como um problema. Por quê?

Herbert Holdefer - A questão é que muitos dos projetos não estão em áreas consolidadas, ou seja, não existe circulação necessária para fazer uma fachada ativa acontecer. Em São Paulo, o transporte público não é utilizado por toda a população e a distância entre as estações de metrô é um fator complicador. Ao contrário de cidades como Paris ou Nova York, onde as estações são muito próximas umas das outras - a cada quarteirão - e encorajam o uso do metrô como meio de deslocamento. Isso tudo torna a questão do estacionamento relevante. Um exemplo disso é o Edifício Brascan Century Plaza, no Itaim Bibi, que conta com uma praça de alimentação ao ar livre, complementada por cinema e algumas lojas, livraria e serviços. O empreendimento foi construído há mais de 20 anos e hoje tem um grande fluxo de pessoas, onde o modelo urbanístico funciona bem. No entanto, em novas áreas de São Paulo onde a circulação de pedestres ainda não é algo consolidado, a falta de vagas de estacionamento se torna um grande desafio.

 

Como a experiência em projetos como o restaurante A Casa do Porco, no Centro, ajuda a entender os desafios e as oportunidades da fachada ativa na cidade?

Herbert Holdefer - A Casa do Porco foi um projeto totalmente fora da curva. O que é possível dizer é que, acima de tudo, o restaurante abriu caminho para a gastronomia na região, atraindo um público diferente, que não visitava o Centro. Uma pesquisa de alguns anos atrás indicava que 80% da clientela era de fora do estado de São Paulo. O chef Jefferson Rueda, que antes trabalhava na Vila Nova Conceição com um público mais elitizado, foi para o Centro em uma época em que esse cenário era ainda mais desafiador. Na minha opinião, esse projeto mostrou o potencial de uma marca com propostas bem definidas para atrair pessoas para uma área ainda em desenvolvimento.

 

A maior concentração de fachadas ativas está em bairros como Santa Cecília, Pinheiros e Vila Madalena. O que dificulta essa presença em outros bairros fora do centro expandido?

Herbert Holdefer - É preciso tempo para que a ideia se consolide e atraia o público. Mas, basicamente, é uma questão de ter gente circulando e, o mais importante, motivo e espaço para que isso aconteça. A avenida Rebouças, por exemplo, tem muitas fachadas ativas, mas a circulação de pedestres ali ainda é pequena. Já atrás dela, a rua dos Pinheiros tem bons exemplos porque já carrega uma característica pulsante de comércio de rua e gastronomia próxima a prédios residenciais. Além disso, a infraestrutura dos prédios em outras áreas nem sempre é adequada, especialmente para a gastronomia, que exige sistemas específicos, como exaustão. Outro ponto que vejo também é a vacância nessas novas construções e a dificuldade que muitas incorporadoras têm em atrair empresas para ocuparem esses espaços.

 

Que outros tipos de negócios, além da gastronomia, podem se beneficiar do conceito de fachada ativa?

Herbert Holdefer - Qualquer tipo de comércio e serviço pode se beneficiar, desde que a proposta se encaixe no conceito de atrair e interagir com o público que circula pela área. O que acontece é que as incorporadoras veem a gastronomia como 'âncora' para os seus empreendimentos, assim como os shoppings fazem. São estabelecimentos de alta visibilidade e que trazem a geração de fluxo. Falando especificamente sobre São Paulo, os shoppings se transformaram em pontos de segurança para o consumo gastronômico e de varejo, e isso pode funcionar da mesma forma para as fachadas ativas.

 

Como convencer investidores ou proprietários a adotarem o modelo de fachada ativa, considerando a questão do custo-benefício a longo prazo?

Herbert Holdefer - Olhando para as construtoras, existem os benefícios óbvios, mas acredito que ainda não exista uma junção disso com o poder público. Voltando ao exemplo da Avenida Rebouças, que é um eixo importante para os carros, o conceito de fachada ativa vai demorar a acontecer e fica perdido sem outras intervenções. Porque, pensando em pedestres, aquela área não tem uma conexão com nenhum outro lugar, como ocorre na Avenida Paulista, por exemplo, que é um ponto turístico e tem outros atrativos. Esses espaços poderiam ser transformados em polos de varejo com nichos específicos e, a partir disso, serem conectados à gastronomia, quiosques e praças com mais usos para o pedestre. Incentivar caminhadas, construir pistas de corrida, faixas para bicicleta - algo para dar esse movimento. Isso faz com que as empresas não pensem somente no terreno delas, mas sim, no conjunto. É preciso um conceito mais amplo para atrair mais gente a um espaço.

 

Qual é a importância do design de interiores e da relação entre o interior e o exterior para o sucesso de uma fachada ativa?

Herbert Holdefer - A importância é total. Digo que a arquitetura é um dos pilares da gastronomia. É a beleza do projeto que atrai o olhar de quem está passando. É o primeiro contato com a marca. Um design bem planejado, que se alinha com a identidade da marca, é fundamental para o sucesso. O projeto deve dialogar com o espaço público, convidando as pessoas a entrarem e fazendo com que a experiência comece do lado de fora.

 

Se pudesse fazer uma alteração na legislação municipal sobre fachadas ativas, qual seria para torná-la mais eficaz para empreendedores e para a cidade?

Herbert Holdefer - A legislação deveria focar em um projeto mais amplo, não apenas pontual para cada terreno. O poder público precisa pensar em facilidades e em equipamentos urbanos para o pedestre. Deveria ser possível criar uma identidade para cada região, com um polo de varejo especializado, por exemplo. Hoje, a burocracia para colocar um simples mobiliário urbano em uma calçada é imensa. Essa falta de conexão entre o público e o privado dificulta a criação de projetos que realmente beneficiem a cidade e os empreendedores.

 

Olhando para outras inspirações pelo mundo, como São Paulo avança na sua relação com o espaço público?

Herbert Holdefer - Não sei se nós avançamos muito devagar ou se as grandes cidades do mundo avançam muito rápido. Há dois anos, estive em Nova York, e é impressionante ver como uma construção, como a Little Island (um parque construído sobre 280 pilares de concreto com topos alargados, que se assemelham a tulipas), atrai público. A quantidade de gente que se desloca até lá para ver um projeto de arquitetura esteticamente incrível e com muitas possibilidades de uso é enorme. Daí olhamos para o Centro de São Paulo, que teve parte do mobiliário urbano substituído e algumas calçadas requalificadas há três anos e já está tudo detonado. Não vejo muita evolução em São Paulo, enquanto outras grandes cidades pensam em tecnologia e materiais para projetos bem pensados. Também estive em Xangai e Pequim, na China, e é absurdo ver o cuidado com praças de bairro, tanto da população como de órgãos públicos. Aqui, o que veem como 'cuidar' é fincar uma plaquinha dizendo: não pise na grama. Não dá para ver evolução nisso.

Por outro lado, a construção da nova sede do governo de São Paulo no Palácio dos Campos Elíseos como está projetada, é muito interessante. Seria uma evolução muito grande para o urbanismo do Centro da cidade. Se aquilo for mesmo executado, podemos ter um boom de projetos interessantes na região. Como exemplo de iniciativa privada, destaco a revitalização do antigo complexo do Hospital Matarazzo, que foi transformado em um complexo de uso misto com o hotel Rosewood e outras áreas de lazer, cultura e comércio. É um projeto que combina a preservação de edifícios históricos com inovação e que se tornou uma referência.

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IMAGEM: divulgação 

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