Cidade de SP terá novo inventário arbóreo até 2027
Rodrigo Kenji, secretário do verde e meio ambiente, diz que as quedas constantes de árvores urbanas expõem a urgência de um diagnóstico preciso da situação. Na capital, 26 mil árvores caíram nos últimos 8 anos

São Paulo está entre as dez cidades com mais vias públicas arborizadas do Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São cerca de 650 mil árvores que, principalmente nos primeiros meses do ano, entram na mira de especialistas e da população por conta dos riscos de queda.
De acordo com os registros da Prefeitura de São Paulo, o verão é o período com o maior número de quedas de árvores. Elas são causadas por ventos fortes e chuvas intensas. Em 2024, foram mais de 4 mil ocorrências, sendo que a Prefeitura recebeu 77,6 mil solicitações de poda no período. Somando os últimos oito anos, 26 mil árvores caíram.
De acordo com Rodrigo Kenji, secretário municipal do verde e do meio ambiente, mesmo com os cuidados usuais, a cidade está vulnerável a esse tipo de acidente dada a forma como a arborização da capital ocorreu.
"Muitas das espécies plantadas não são indicadas para áreas urbanas. Precisamos rever essa diversidade e reduzi-la, como acontece no resto do mundo. Não dá para ter uma força-tarefa para cuidar de todas", disse o secretário, na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), durante reunião do Núcleo de Estudos Socioambientais (NESA), do Conselho de Política Urbana (CPU) da entidade.
Para amenizar essa vulnerabilidade, o secretário diz ser preciso saber quantas, quais são e o estado em que estão as árvores da cidade. Por essa razão, o órgão trabalha em um novo inventário arbóreo que, segundo Kenji, estará pronto até 2027. Para esse mapeamento serão usados sensores e radares instalados em um veículo que circulará pelas ruas para fazer uma espécie de escaneamento das espécies.
"É como se fosse um raio-x para aumentar a vida útil das espécies e diminuir a incidência de quedas. Fizemos um teste preliminar com softwares desenvolvidos em universidades e funcionou bem", disse.

A Universidade de São Paulo (USP), uma das consultadas pela Prefeitura, trabalha em um software que busca indicar podas saudáveis para árvores em um modelo computacional. O algoritmo realiza os cálculos de como é a relação dos esforços aos quais a árvore está sujeita, levando em consideração pontos como vento e peso próprio. A partir disso, faz uma análise do comportamento mecânico dessa árvore para que seja possível trabalhar podas eficientes.
Uma das conclusões do estudo, ainda em andamento, é que, pela complexidade da geometria de uma árvore, uma poda feita intuitivamente pelo ser humano não consegue atingir esse potencial de redução de danos ao seu organismo. Há ainda a criação de um banco de dados com essas informações, que no futuro pode possibilitar o uso da inteligência artificial para a automatização do processo.
Inicialmente, Kenji diz que dez regiões serão mapeadas para que, a partir disso, a Prefeitura consiga orientar a população sobre o plantio de espécies corretas para o meio urbano de São Paulo e as características de cada exemplar, aumentando a segurança. Ele destaca que, enquanto a maior parte das cidades do mundo mantém uma diversidade média de dez tipos de árvores nas ruas, São Paulo possui mais de cem.
Apoiado em estudos, Giuliano Locosselli, biólogo e professor da USP, diz não ver barreiras na biodiversidade - pelo contrário. Ele destaca que a inteligência artificial pode guiar a Prefeitura no mapeamento das condições das árvores e na identificação de áreas prioritárias para o direcionamento de recursos, citando dois estudos recentes.
O Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP desenvolveu um software que determina até quanto a árvore vai crescer. Em paralelo com a Escola Politécnica (Poli) da USP, outra metodologia, que baseia-se no centro de gravidade de cada árvore, permite um maior controle para não afetar nenhuma estrutura ou causar riscos para a vida das pessoas caso caiam.
Tudo errado
Segundo Locosselli, um dos grandes desafios reside na atuação da Enel. Como a concessionária realiza trabalhos de poda para adequar a copa das árvores à fiação elétrica, essa intervenção é focada na infraestrutura e não na saúde da árvore, o que, muitas vezes, vai na contramão do que seria necessário para a segurança de cada exemplar, explica o especialista.
Segundo ele, a poda em "V", um corte feito com frequência por técnicos da Enel como forma de preservar os fios da rede elétrica, quando mal executada, coloca em risco a estabilidade da árvore e a segurança da cidade. Segundo o biólogo, esse tipo de poda não é adequado, pois descaracteriza a estrutura da árvore, fazendo-a perder o seu serviço ambiental, como dar sombra. Além disso, a árvore fica desequilibrada, podendo rachar e cair.
As descobertas mais recentes, de acordo com Locosselli, apontam para uma maior probabilidade de queda de árvores em áreas verticalizadas da cidade, os chamados "cânions urbanos”. Nesses locais, onde ruas estreitas são ladeadas por edifícios altos, cria-se um ambiente confinado semelhante a um cânion natural, e ele explica que a arquitetura direciona o vento de forma a aumentar a pressão sobre as árvores, resultando em quedas.
Além disso, áreas mais antigas da cidade, onde estão as árvores mais velhas, também apresentam alto risco. Ele cita a região da Sé, no Centro da capital paulista, onde, além de quedas de árvores, acontecem muitas quedas de galhos.
O biólogo diz ainda que as caixas de cimento em torno das árvores criam uma condição perfeita para a queda, pois impedem o crescimento das raízes e promovem seu apodrecimento. A reversão desses muros e a criação de áreas permeáveis simples seriam soluções eficazes, diz. “A Prefeitura já detém esse conhecimento, o que poderia permitir um trabalho mais preventivo do que o usual”, diz.
São Paulo é uma das poucas metrópoles sem um inventário arbóreo atualizado e o ideal, segundo Locosselli, é que essa renovação dos dados ocorra a cada cinco anos, permitindo um acompanhamento da evolução da arborização da cidade.
Nesse contexto, ele diz que a USP está trabalhando em parceria com a Prefeitura no projeto “Árvores Funcionais", que faz parte do Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU). A iniciativa avalia as espécies nativas e sua capacidade de adaptação, com o objetivo de orientar a tomada de decisões. Os resultados guiarão o manejo e a substituição de árvores inadequadas, visando um plano específico para cada espécie, baseado em dados e experiência.
A Tipuana é a espécie mais comum de ser encontrada em São Paulo. A árvore foi escolhida para a arborização urbana da capital entre 1900 e 1925, principalmente nos bairros de Higienópolis, Pacaembu, Perdizes, Cerqueira César, Sumaré, Paraíso, Alto da Lapa e Alto de Pinheiros, aparecendo com menor frequência nos bairros da Zona Leste.
Oriunda de países como Colômbia e Bolívia, trata-se de uma espécie exótica e não nativa brasileira. No entanto, o especialista explica que, atualmente, os planos de arborização em São Paulo têm dado preferência a espécies nativas. "É uma espécie resistente a eventos de seca extrema, e tê-la na cidade é uma vantagem para a resiliência urbana”, disse o professor.
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IMAGEM: Felipe Araújo/AE