Instabilidade da economia redefine o mercado de beleza e impulsiona o varejo de autocuidado
Brasileiros trocam salão por cuidados em casa e priorizam produtos com bom custo-benefício; a estudante Izabel Santa Fé (foto) faz manicure, pedicure, hidratação, nutrição e até coloração dos cabelos por conta própria

O comportamento do consumidor brasileiro no setor de beleza passa por transformações significativas diante da instabilidade econômica de 2025. O conhecido “Índice do Batom” — conceito criado no início dos anos 2000 por Leonard Lauder, presidente da Estée Lauder — afirma que, em tempos de crise, o consumidor se permite pequenos luxos.
No entanto, esse antigo termômetro emocional não reflete mais com precisão as dinâmicas atuais do mercado. Em 2025, o “Índice do Batom” aponta uma queda inédita na procura por serviços de beleza, como salões, e um crescimento expressivo no consumo de itens como máscaras, cremes e séruns para uso em casa.
Segundo Thaís Giraldelli, estrategista de mercado com experiência em grandes redes internacionais e no varejo nacional, os consumidores continuam buscando formas de manter a autoestima — mas por novos caminhos, de forma prática e econômica.
“A crise chegou de forma real à área de serviços, como estúdios e salões de beleza. O cliente está cortando gastos e priorizando o que pode fazer em casa”, analisa.
Priscila Passarin, sócia do salão BeautySis Brasil, na Vila Prudente, viu a clientela do estabelecimento cair consideravelmente na pandemia e se manteve baixa no pós-pandemia. “Com isso, tiramos o serviço de cabeleireiros, que caiu muito, e ficamos só como esmalteria”, conta.
O salão manteve manicure e pedicure tradicionais e focou no alongamento de unhas com fibras de vidro, que conquistou espaço entre consumidoras que buscam unhas mais resistentes. “Foi uma forma de manter o negócio”, conta Priscila.
Estratégias
Segundo Thaís, a recomendação é que as empresas repensem suas estratégias para conquistar o público que migrou para o autocuidado. “É um momento desafiador para os profissionais e espaços de beleza, mas também uma oportunidade para as marcas de produtos se destacarem com soluções que atendam a essa nova realidade.”
Apostar em inovação e diferenciação é apontado como caminho para manter a competitividade. “Os estúdios e salões que conseguirem oferecer experiências diferenciadas e mais personalizadas devem se recuperar primeiro.”
Experiências mais personalizadas, pacotes enxutos, atendimento a domicílio e serviços com efeito prolongado são alternativas para manter a recorrência mesmo com a economia desaquecida.
Já as marcas de produtos de beleza que conseguirem manter a qualidade e a inovação vão seguir crescendo, mesmo nesse cenário desafiador”, avalia a especialista.

Mudança de comportamento
Enquanto salões de beleza enfrentam queda no movimento e ajustes operacionais, o consumo de produtos de uso doméstico vem crescendo de forma consistente, tanto no Brasil quanto em mercados internacionais. Dados recentes indicam uma mudança de comportamento do consumidor.
De acordo com um levantamento da consultoria McKinsey, o mercado global de beleza movimentou US$ 446 bilhões em 2023, com crescimento de 10% em relação ao ano anterior. No entanto, o volume de vendas cresceu apenas 2%, revelando que a alta se deve mais ao aumento de preços do que ao consumo em salões e clínicas. A pesquisa aponta uma preferência crescente por produtos com aplicação doméstica, especialmente na categoria de cuidados com cabelo e unhas.
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No Brasil, o setor de cuidados pessoais responde por mais de 90% do mercado de beleza, de acordo com dados da Mordor Intelligence. A consultoria projeta um crescimento médio anual (CAGR) de 7,48% até 2030, com destaque para o aumento do comércio eletrônico no setor.
A estudante Izabel Santa Fé, de 20 anos, é um exemplo de consumidora que quase não vai mais a salões de beleza. Ela faz manicure, pedicure, hidratação, nutrição e até coloração dos cabelos em casa. “Eu não gosto de ir a salões porque os serviços são caros e demandam tempo. Em casa, eu faço conforme minha agenda, entre uma folga do trabalho e da faculdade”, conta.
Na hora de comprar os produtos, Izabel também prioriza economia: “Procuro nos outlets de cosméticos do Centro, especificamente na República e na Rua 25 de Março, que têm itens de qualidade e ótimos preços.”
Oportunidades
Apesar do cenário desafiador para grandes players internacionais, há oportunidades promissoras para empresas atentas às transformações de comportamento do consumidor. A busca agora é por itens com sensorialidade, resultados visíveis e bom custo-benefício.
Fabricantes nacionais de cosméticos têm observado aumento nas vendas de produtos voltados ao cuidado pessoal doméstico, como máscaras faciais, cremes, óleos e boosters com alta concentração de ativos dermatológicos. Isso exige novas estratégias: reformulação do portfólio, embalagens mais didáticas e uma comunicação que valorize a jornada emocional do cliente.
Empresas como Sallve e Creamy também se diferenciam ao criar conteúdo educativo sobre ingredientes, formas de uso e rotinas. Essa abordagem fortalece a confiança e a fidelidade do público.
Outro aspecto fundamental para as marcas é a presença digital. Estar nas redes sociais vai muito além da simples venda de produtos — envolve informar, gerar conexão com o público e oferecer conteúdo que agregue valor e engajamento.
A WePink, marca da influenciadora Virginia Fonseca, exemplifica bem esse movimento. Em 2023, a empresa faturou R$ 325 milhões, combinando live commerce, campanhas com celebridades e lançamentos relâmpago para um público jovem. Em menos de dois anos, tornou-se um fenômeno nacional.
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