Seis décadas de economia brasileira
“Completo 62 anos como economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), onde iniciei no dia 11 de setembro de 1963, no Instituto de Economia Gastão Vidigal”

Foram seis décadas nas quais trabalhei com 14 presidentes da ACSP, aos quais servi sempre com lealdade e dedicação, conseguindo o respeito de todos, o que muito me orgulha. Nesse período, convivi com centenas de diretores, conselheiros e empresários em geral, não apenas na ACSP, como nas demais associações e em grande número de entidades empresariais. Não posso deixar de mencionar a importância de dezenas de companheiros de trabalho, com os quais sempre convivi em clima de igualdade e cordialidade, o que permitiu formar uma grande legião de amigos.
De outro lado, nessas seis décadas, o Brasil viveu períodos de crescimento e muitas crises. Graças ao posto privilegiado de observação que a ACSP representa, procurei ajudar os empresários a entender muitas das medidas e dos acontecimentos e, também, registrar as posições dos empresários em artigos, especialmente, mas não só, para o Diário do Comércio.
A Bibliotecária da Associação, com o uso da IA, já catalogou 1.090 artigos que publiquei no DC no período de 1965 até 2018, o que representa apenas uma parcela do que escrevi, pois não inclui o que foi publicado em outros jornais e em revistas nesse período. De qualquer forma, o que já foi levantado constitui um repositório bastante importante dos acontecimentos do período, analisados do ponto de vista dos empresários, agentes efetivos do desenvolvimento.
Convivemos com três Constituições. A primeira, de 1946, incorporava o espírito liberal do pós-guerra; na segunda, outorgada durante a Constituinte que lhe deu origem, a ACSP esteve bastante envolvida, pois além da defesa de seus princípios, contava com um ex-presidente seu, Guilherme Afif Domingos, como deputado. A luta maior durante a Constituinte foi no sentido de tentar impedir que o texto fosse ainda mais detalhista e dirigista. O ponto positivo que conseguimos foi a aprovação do artigo 179, proposta de Afif, que instituiu o “tratamento diferenciado para as pequenas e médias empresas”, que permitiu a criação do Simples Nacional, hoje ameaçado pela gula fiscal. No momento, o que se necessitaria seria uma ampla emenda no texto constitucional para adaptá-lo aos desafios presentes, ao invés do seu total desrespeito por parte dos que deveriam ser seus guardiões.
Na economia, tivemos oito planos econômicos, oito moedas, o milagre econômico, hiperinflação, confisco da poupança, moratória da dívida externa e uma pandemia que afetou profundamente a economia por dois anos, até chegar à atual situação de fragilidade fiscal, apesar do forte aumento da carga tributária nos últimos anos.
O primeiro desses Planos, que raramente é lembrado, substituiu o Plano Trienal de 62 a 64 de Celso Furtado, que nunca foi implementado devido à instabilidade política. Foi o PAEG (Programa de Aceleração Econômica do Governo), de 1965, que se baseou fortemente na política salarial, na criação de um sistema financeiro organizado e na reforma tributária e visava a queda gradual da inflação, que chegou a 92% em 1964 e caiu para 39% em 66.
A queda da inflação e um cenário externo favorável criaram condições para o chamado “milagre econômico” de 1968-73, quando a economia cresceu na média de 10% graças ao incentivo às exportações e à realização de muitas obras de infraestrutura. Com a primeira crise do petróleo em 1973, como o Brasil importava praticamente todo o petróleo que consumia, o endividamento externo foi se tornando explosivo e levou à adoção de medidas intervencionistas, principalmente o “arrocho salarial”.
Com a eclosão do segundo choque do petróleo em 1978-79 e a elevação dos juros nos EUA, o país se tornou insolvente e a esquerda pregava o “calote” da dívida externa, mas o Brasil recorreu à moratória e à negociação com o FMI.
Com a volta da inflação, tivemos a sucessão dos Planos: Cruzado, Cruzado II, Bresser, Verão, Collor, que recorreu ao congelamento da poupança, Collor II, todos baseados em maior ou menor grau no congelamento ou controle dos preços, o que acabou levando o país à hiperinflação, que ao final de 1993, estava em 2.500% ao ano, levando ao Plano Real.
Ao final de 1993, a equipe econômica comandada por Fernando Henrique Cardoso começou a preparar a primeira fase do Real, baseada no ajuste fiscal; a segunda foi a desindexação da economia, com um mecanismo engenhoso da URV e, finalmente, em 1 de julho de 1994, nasceu a nova moeda, o real.
Discute-se se o congelamento do câmbio não foi muito longo, ou se os juros não foram mantidos elevados por muito tempo, mas não se pode saber se o real teria sobrevivido até hoje sem essas medidas. Afirma-se que faltou continuidade na política fiscal e que a parte referente ao programa de privatização das estatais, que deveria servir para reduzir a dívida pública, também não foi implementada.
O que se pode dizer, contudo, é que, com mais acertos do que erros, e com altos e baixos, o real continua sendo a moeda brasileira.
Acompanhei toda essa trajetória da política e da economia no Instituto de Economia da ACSP. Isso me propiciou a oportunidade de acompanhar a profunda transformação do Brasil de um posto de observação privilegiado. Convivendo com os empresários, com os quais aprendi, e ainda aprendo muito, de um lado, e com contato frequente com o governo, de outro. Nesse período, tivemos 13 presidentes da República, cerca de 30 ministros da Fazenda, sem contar os interinos, e centenas de autoridades dos diversos escalões.
Com isso, tive a oportunidade de analisar o impacto dos acontecimentos políticos internos e externos, e dos fatos e medidas econômicas, não apenas do ponto de vista macro, mas principalmente pelo ângulo das empresas e dos empresários.
Deus me deu a oportunidade de me realizar ao ingressar na ACSP. A razão pela qual permaneço há tanto tempo na entidade, mesmo tendo surgido muitas oportunidades durante todos esses anos, é a de que sempre me identifiquei com os princípios e valores da associação, e acredito poder contribuir, mesmo modestamente, na defesa deles. Além do ambiente que sempre tive de respeito de todos.
Quando me perguntam se, como já estou com 88 anos, não é hora de parar, respondo que enquanto Deus me der saúde e condições, espero continuar, porque, como diz um provérbio que ouvi recentemente: “enquanto meus sonhos forem maiores que minhas lembranças, serei jovem”. Como ainda tenho muitos sonhos, inclusive o de ver o Brasil tomar o rumo do desenvolvimento com inclusão, e de ver o Corinthians novamente campeão do mundo, pretendo continuar.
**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio
IMAGEM: DC