Wishin aproveita crescimento do mercado comfy e estreia em shopping
Marca de calçados confortáveis, fundada por Anna Shin, viu seu faturamento crescer mais de 300% desde 2021 e hoje vende 15 mil pares por mês, principalmente no online

Mais do que uma trend - ou uma moda passageira -, algumas marcas apostam em produtos que refletem uma mudança cultural mais profunda e que sobrevivem ao tempo. Prestes a estrear a sua primeira loja dentro de um shopping, a Wishin tem como item mais vendido o primeiro calçado desenvolvido pela marca há 14 anos. Uma sapatilha clássica que, ao longo dos anos, foi ganhando novas cores, estampas descontraídas e texturas diferentes.
Em 2011, quando começou a desenhar o que seria a Wishin, a empresária Anna Shin desejava um sapato para si mesma. Algo que fosse confortável e atemporal, feito para durar e que pudesse ser usado em diferentes situações. Nessa busca, o negócio acabou entrando em um nicho que ganha cada vez mais força, o mercado comfy (produtos que proporcionam conforto e bem-estar). Hoje, ela produz 200 mil pares por ano.
De 2021 para cá, Anna destaca que a marca registrou um aumento de 330% no faturamento, 124% no número de pedidos e 173% no volume de cadastro de clientes. O time de funcionários passou de 30 para 90 colaboradores. Agora, com planos de entrar no mercado de atacado e se preparando para testar a marca dentro de um shopping - o Morumbi - pela primeira vez, a empresária diz buscar maior visibilidade e reconhecimento de marca.
Do atacado para o varejo
Filha de imigrantes coreanos com experiência no comércio de roupas, Anna trabalhava como estilista quando convenceu a irmã, Joana, designer de produto, a se dedicar integralmente à Wishin. "Sugeri que ela se demitisse e se concentrasse no negócio de sapatos. Mantive meu emprego e metade do meu salário era o salário dela", diz.
Com investimento inicial de R$ 10 mil, começaram a buscar um sapateiro que entendesse o que elas queriam: um modelo de sapato que fugisse do padrão da época, que eram sapatilhas duras e cheias de fivelas. Elas buscavam o clean, a simplicidade e, principalmente, o conforto.
Após muitos testes, encontraram um profissional - que segue com a marca - para produzir o primeiro lote de 20 sapatilhas. Com a experiência dos pais na região do Bom Retiro, elas miravam o mercado de atacado, mas logo perceberam que, com volume de produção baixo e o custo unitário dos sapatos, a conta não fecharia. Então migraram para o varejo.
Com os sapatos no porta-malas do carro, saíram para apresentar a marca e, inicialmente, venderam para familiares e amigos. Também participaram de feiras no Center 3, na Avenida Paulista e, assim, a marca começou a ganhar visibilidade e clientela.
Toda semana elas produziam o que seria vendido no domingo seguinte. Com a loja no porta-malas do carro, Anna tinha certa preocupação sobre como apresentar seus produtos em um espaço de apenas um metro quadrado. Estudou sobre criar um ambiente atraente, exposição e acesso aos produtos, e passou a vender por mês cerca de 100 pares da mesma sapatilha, que hoje é vendida a partir de R$ 259,90.
Foi nesse contato direto com o consumidor final que Anna diz ter aprendido sobre o público da Wishin e o que eles queriam comprar: não era um sapato para mostrar, mas um sapato para viver. Assim, foi aprimorando alguns modelos a partir das sugestões de quem usava o produto e pensando em novos modelos. O que incomodava durante o movimento, por exemplo, era reformulado. O catálogo de produtos foi aumentando até se tornar um mix de sandálias, tênis, botas e outros calçados. O essencial mantém-se até hoje: a primeira forma da sapatilha clássica, que se tornou referência nos calçados da Wishin, hoje tem 40 variações baseadas nela.
"A ideia era ser uma camiseta básica e só mudar a estampa. A forma é a alma do sapato. Quando você acerta, tem o negócio feito e só muda roupagem."
Hoje, a empresária diz que a fidelização é a base do negócio, pois, mesmo comercializando um calçado feito para ser usado várias vezes por semana - e não poucas vezes ao ano, como a maioria dos saltos e sapatos sociais -, a taxa de recompra é alta, de 35%. Além disso, a marca oferece assistência técnica prolongada. Hoje, o negócio tem um time voltado a ouvir clientes e criar estratégias para fidelizá-los.
Perto de falir
Dois anos após a produção inicial, a Wishin abriu a sua primeira loja em São Paulo, na rua Maria Antônia, em Higienópolis. A escolha, segundo Anna, foi inspirada na cultura coreana, que tem o costume de começar novos negócios no entorno de universidades para atrair um público jovem e gerar bochicho. Na época, o sucesso também foi impulsionado pela feira da Praça Benedito Calixto, onde mais tarde as irmãs abriram a segunda loja.
Já com um catálogo de produtos e um volume de vendas maior, Anna e sua irmã passaram a se dedicar menos à criação e atendimento, voltando-se para os planos de expansão. Em 2015, a marca chegou perto de falir, diz a empresária. Na tentativa de diversificar os produtos e ampliar a Wishin, Anna conta que acabou perdendo a conexão com seu público. Distantes da operação do dia a dia, perceberam que precisavam voltar às origens.
Com dinheiro suficiente para sustentar apenas mais dez meses de operação, Anna deixou o escritório e levou sua mesa de trabalho para dentro da loja, perto das vendas, com o intuito de entender os clientes. O resultado foi uma reformulação completa dos produtos, retomando o foco no conforto.
"Entendemos que a alma do nosso produto era um 'arroz e feijão' muito bem feito, que não dependia de tendências passageiras. Nosso sapato não é o protagonista do look, mas sim um complemento elegante e confortável", diz Anna.
O ponto de virada veio com a abertura de uma loja no bairro de Pinheiros, na rua Fradique Coutinho, conta. Ali, a marca encontrou um público diferente e um volume de vendas maior. Nessa época, a Wishin dava os primeiros passos no e-commerce e, em 2017, o online já representava 10% do faturamento. A partir daí, passaram a dar mais atenção para o digital.
O grande salto veio em 2019 com a entrada de um profissional que reestruturou toda a operação e estabeleceu uma experiência mais fluida, com tecnologia voltada às trocas, devoluções e atendimento omnichannel. Até então, Anna tentava construir toda essa presença digital sozinha. O e-commerce se tornou o novo foco e, hoje, a participação das vendas online é de 60%. O investimento em marketing e mídias pagas consome cerca de 10% do orçamento, e foi isso que ajudou a ampliar o alcance da marca para todo o Brasil, segundo a empresária.
Olho no cliente
Foi também dentro da loja que Anna diz ter percebido a necessidade de um atendimento personalizado e sincero, uma postura que, segundo ela, acaba gerando confiança em vez de faturamento imediato. "Ensinamos nossas vendedoras a dizer algo raro no varejo: esse sapato não é do seu tamanho, melhor não levar. Nosso objetivo nunca foi empurrar produtos, mas garantir que a cliente volte e confie na marca."
Anna justifica que, se a curto prazo a empresa perde uma venda, no longo prazo ganha fidelidade. Outra vertente desse olhar é a abertura da empresa a pedidos personalizados, como clientes que desejam um sapato para o casamento, e clientes que viajam de outro estado a São Paulo para conhecer e vestir o produto pessoalmente.
Para Anna, esse reconhecimento crescente vem da soma de autenticidade, cuidado, coerência e de um trabalho intensificado nas redes sociais. “Não existe só o que eu quero fazer. Existe o que o cliente demanda. Nosso papel é ouvir ativamente e traduzir isso em produto e experiência. Hoje, quando eu digo que sou da Wishin, as pessoas já conhecem, já têm uma história com a gente."
Mercado comfy
De acordo com o material "Future of Style", da consultoria Circana, os consumidores estão mais cautelosos com seus gastos, adotando uma abordagem estratégica e de concessões. Abrir mão de compras relacionadas à moda tem sido uma parte importante dessa nova dinâmica.
Falando especificamente do estilo comfy, Alice Neves, especialista em comportamento do consumidor, destaca que a ascensão dos calçados funcionais já dava sinais antes da pandemia, mas foi drasticamente acelerada por ela.
A especialista lembra que, por décadas, a indústria calçadista esteve ligada a atributos sazonais e às tendências. No entanto, agora a performance e o conforto ganham destaque - sem a necessidade do lançamento incessante de coleções. A valorização do tempo em casa, a praticidade do dia a dia e o autocuidado levaram as pessoas a buscar peças que oferecessem bem-estar físico e emocional, diz.
“Esse movimento se traduz em calçados que unem leveza, respirabilidade e liberdade de movimento. A mentalidade do consumidor mudou, agora ele percebe que pode manter sua imagem pessoal vestindo itens básicos e confortáveis.”
Como resultado, marcas que priorizam esses atributos estão registrando crescimentos expressivos. A marca Hoka, do grupo Deckers, viu suas vendas crescerem 19% no segundo trimestre com um tamanco que simula tênis e outros modelos que misturam conforto e streetwear. A marca superou US$ 1,3 bilhão em vendas no terceiro trimestre de 2023.
Alice faz um paralelo com a Kontoor Brands, dona da Lee, criada em 1889, e também da Wrangler, criada em 1947, que registrou um crescimento global de 5% nas receitas no quarto trimestre de 2024. Reconhecidas pela qualidade e durabilidade, essas marcas, segundo Alice, se tornam atraentes para os consumidores pelo tom essencial e atemporal.
"Vivemos uma quebra de padrão e o consumidor percebeu que consegue manter sua imagem pessoal vestindo coisas básicas e confortáveis. Além disso, esse movimento vai ao encontro de pautas muito contemporâneas dentro do universo da moda, como o debate sobre padrões de beleza, diversidade e consumo sustentável", afirma a especialista.
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IMAGEM: Wishin/redes sociais