Otaviano Canuto: abrir o mercado é o caminho para lidar com tarifas de Trump

O ex-vice-presidente do Banco Mundial falou sobre as tensões comerciais e políticas entre Brasil e Estados Unidos em evento da FecomercioSP. Ele esteve ao lado do ex-embaixador Rubens Barbosa e de Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice

Mariana Missiaggia
01/Ago/2025
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Otaviano Canuto: abrir o mercado é o caminho para lidar com tarifas de Trump

As novas tarifas anunciadas pelo governo de Donald Trump às exportações brasileiras, a princípio, pouparam cerca de 700 produtos, o que foi recebido com alívio pelos empresários do Brasil. No entanto, a incerteza paira no ar. A imprevisibilidade do líder norte-americano exige que o governo brasileiro trace estratégias claras em um cenário global complexo.

Essa é a análise conjunta de Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice, Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial, e Rubens Barbosa, presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington.

Na manhã desta sexta-feira (1/08), o trio de especialistas discutiu os reflexos diretos da sobretaxa na balança comercial brasileira e nos investimentos em uma live promovida pelo Conselho de Relações Internacionais e o Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política, da FecomercioSP.

De acordo com Canuto, as estimativas de instituições como J.P. Morgan e Fundação Getúlio Vargas (FGV) convergem para um impacto de 0,9% no PIB brasileiro. Na visão dele, o efeito causado não será catastrófico, mantendo o crescimento brasileiro próximo dos 2,2%.

Canuto diz que os recuos de Trump já são conhecidos, já classificados nos Estados Unidos com a sigla Taco (Trump Always Chickens Out - algo como Trump Sempre Amarela, na tradução livre) e não foi diferente com o Brasil. A aviação fora da taxação já era esperada, entretanto, ele considera que setores específicos, como os de carnes e frutas, que não foram beneficiados por isenções, ainda podem sofrer perdas significativas.

Nesse sentido, o ex-vice-presidente do Banco Mundial argumenta que a guerra tarifária não deve ser um motivo para o Brasil abandonar a ideia de uma abertura comercial. Ele reforça que a proteção tarifária nunca foi boa para a economia brasileira e que o país deve manter o foco em um plano comercial mais aberto.

Modus operandi de Trump

Questionado sobre uma possível fuga de capital do Brasil, Aragão disse ainda ser cedo para investidores retirarem negócios do país. No entanto, a incerteza leva empresas a buscarem uma brecha para entrar na lista de isenções ou ainda a procurarem novos mercados.

Pensar em uma diminuição dos investimentos seria a pior das hipóteses, segundo Aragão, já que o mercado interno não conseguiria absorver toda a produção que antes era destinada aos Estados Unidos.

Segundo ele, o padrão de negociação de Trump segue um roteiro conhecido: sempre partindo de gatilhos políticos com objetivos comerciais a fim de gerar pressão e ansiedade. A inclusão de produtos como café e carne, essenciais para o Brasil, na lista dos produtos sobretaxados, é um exemplo da forma de pressionar o governo a negociar sob mais urgência.

Além de impor pressões punitivas, Aragão diz que, no desenrolar das negociações, entraram em pauta temas altamente sensíveis do ponto de vista econômico: comércio digital, sistemas de pagamento, propriedade intelectual, etanol, entre outros - ou seja, o governo norte-americano conseguiu envolver todos os setores da economia brasileira no conflito.

Na opinião de Barbosa, mais do que uma disputa comercial, trata-se de um gesto para que o Brasil assuma posicionamentos geopolíticos dos quais tradicionalmente se mantém afastado.

O ex-embaixador do Brasil em Washington dá destaque a um ponto em especial: a necessidade de o Brasil separar as questões políticas e diplomáticas das comerciais. Ele critica a contaminação das negociações por influências políticas e defende que o país se concentre na defesa de seus interesses econômicos.

Diante desse cenário, ele aponta que o governo brasileiro precisa agir com firmeza na defesa de seus interesses estratégicos e ressalta que o país não tem como retaliar politicamente os Estados Unidos com medidas econômicas - e que isso seria contra os próprios interesses brasileiros. Por isso, ele acredita que a relação com os Estados Unidos seguirá sólida e que o Brasil deve estimular o envio de altas autoridades para negociar diretamente com a Casa Branca.

“Este é o momento para um discurso público firme e sem hesitações. A resposta brasileira está sob os holofotes internacionais, e tudo terá implicações econômicas e geopolíticas que se farão sentir tanto no curto quanto no longo prazo”, disse.

O trio de especialistas concorda que a situação atual, além de desafiadora, é um momento de reflexão para o Brasil. Aragão aponta que a dependência brasileira com a China, seu principal parceiro comercial, precisa ser revista - seja por competição de outros fornecedores, mudanças na dieta chinesa ou desaceleração econômica por lá.

Para fugir desse “monopólio chinês”, ele indica que uma diversificação dos compradores seria saudável. Outros países asiáticos, europeus e do Oriente Médio já importam produtos agrícolas brasileiros, mas em volumes modestos.

“O país precisa definir sua posição no cenário global, buscando diversificação de mercados e diminuindo a dependência de um único parceiro, como a China”, disse Canuto. “A crise tarifária pode ser uma oportunidade para o Brasil repensar as suas travas internas, como a falta de inovação, o excesso de burocracia, a carga tributária e o pouco investimento em inovação que impedem o Brasil de se posicionar de forma mais competitiva no mundo”, concluiu.

 

IMAGEM: Nilani Goettems/DC

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