Rita Campagnoli: 'não vejo movimento concreto do governo para auxiliar os exportadores'
Para a coordenadora do Conselho de Comércio Exterior da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), se o 'tarifaço' dos EUA vier em 1° de agosto, as vendas externas de alguns setores, como o de peças de tecnologia e de maquinário, podem se tornar inviáveis

A sobretaxa de 50% às exportações brasileiras com destino aos Estados Unidos, prevista para entrar em vigor em 1° de agosto, deixa exportadores do Brasil emparedados, sem saber se devem correr para outros mercados ou se esperam que a diplomacia coloque panos quentes nesta situação desconfortável.
A única certeza é que perder o mercado norte-americano não é nada bom. Em 2024, o Brasil exportou cerca de US$ 40,4 bilhões para os EUA, o que representou 12% de tudo que o país vendeu ao exterior. No primeiro semestre de 2025, 40% das exportações brasileiras seguiram apenas para dois destinos: China e Estados Unidos.
Os produtos alimentícios estão entre os que o Brasil mais vende aos Estados Unidos. No primeiro semestre deste ano, de todas as nossas exportações, os norte-americanos ficaram com quase 8% da carne, 56% do pescado e 16% do café.
Em entrevista ao Diário do Comércio, Rita Campagnoli, coordenadora do Conselho de Comércio Exterior da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), disse que a busca por alternativas tem levado empresários que exportam para os Estados Unidos a tentarem contornar essa realidade utilizando suas matrizes estrangeiras como ponte. Há, inclusive, quem considere a possibilidade de transferir parte da produção para outros países como uma medida drástica para manter a competitividade no mercado externo. Leia a entrevista:
Diário do Comércio - Como você define o "tarifaço" imposto pelos Estados Unidos ao Brasil e qual a sua avaliação inicial sobre essa possível sobretaxa?
Rita Campagnoli - Vivemos um momento extremamente desagradável e preocupante. A gravidade não se limita à tarifa em si, mas também à falta de negociação efetiva entre os países, o que gera incerteza sobre a postura do governo brasileiro e futuros transtornos. A preocupação deveria ser mútua, já que o Brasil desempenha um papel importante na cadeia produtiva de empresas americanas. Uma retaliação seria um problema sério para ambos os lados, com maior impacto no Brasil, mas também afetando o mercado americano. Por isso, há uma expectativa por um resultado mais favorável, mas a manutenção da situação atual já reflete um problema grave.
Qual é o clima nas empresas com as quais têm conversado? Como elas têm lidado com o assunto?
Rita - Estamos em um período de dúvidas sobre como a situação se desenrolará, e mesmo buscando mudanças, elas não acontecem da noite para o dia. As empresas precisam de tempo para buscar novos mercados. Ao mesmo tempo, vemos também as empresas buscando muito diálogo com parceiros americanos para estabelecer estratégias de continuidade.
Tem casos de empresários que exportam para os Estados Unidos tentando driblar a situação por meio de suas matrizes estrangeiras. Há até quem cogite transferir parte da produção para outros países. O Brasil tem um papel crucial na cadeia americana, exportando café, frutas, entre outros produtos, e há também as empresas estrangeiras no Brasil que dependem de produtos americanos. As empresas seguem em busca de alternativas, mesmo que custosas, para não perderem mercado.
No curto prazo, a situação é complicada porque se trata de uma questão de sobrevivência. No médio e longo prazos, as empresas podem encontrar outras possibilidades, mas será um grande problema para o Brasil, e também para o mercado americano, pois haverá desabastecimento.
Há estimativas de perda de faturamento ou fechamento de empresas?
Rita - Dependendo do setor, a análise é de uma grande queda de faturamento porque o processo se tornará inviável. Mesmo setores com alta demanda estão reavaliando as suas operações. Haverá, sim, uma quebra de faturamento, mas as proporções exatas não são claras, pois dependem do volume e de muitos outros fatores. Análises estão sendo feitas em todos os níveis, inclusive para assumir compromissos.
O cenário é caótico, e as empresas foram pegas de surpresa. Setores que produzem, por exemplo, peças de tecnologia e de maquinário, podem se tornar inviáveis. A possibilidade de retaliação pelo Brasil traria repercussões significativas em todos os custos da cadeia, e isso aconteceria em cascata, o que aumentaria o custo final não apenas pela tarifa, mas também pelos demais impostos.
Como os pequenos negócios brasileiros podem se posicionar para negociar com compradores americanos e qual é a estratégia recomendada neste momento?
Rita - Para os pequenos negócios, a situação se torna impossível. Mesmo para as grandes empresas já está muito difícil. Os pequenos empresários, como, por exemplo, os que exportam produtos agropecuários, não têm alternativas nem condições de buscar outras opções neste momento. Embora busquem novos mercados, eles são muito desassistidos de forma geral e precisam de tempo. Sua própria capacidade de produção não oferece muita margem de manobra.
A busca por novos mercados e o estabelecimento de parcerias interessantes são as melhores estratégias. No curto prazo, é fundamental que consigam se posicionar de forma mais favorável nessa transição, especialmente os pequenos negócios, dada a falta de apoio. Todos estão revendo as suas estratégias para tentar absorver o impacto. Não é fácil negociar com um novo fornecedor, e esse período trará muitos problemas.
Para aqueles que dependem de insumos importados dos Estados Unidos, isso aumentaria ainda mais os custos, tornando as suas operações menos competitivas ou até inviáveis.
Esse "tarifaço" pode, de alguma forma, incentivar o fortalecimento da indústria nacional, diminuindo a dependência de produtos importados?
Rita - No curto prazo, isso é complicado. No entanto, no médio e longo prazos, pode ser que as empresas vejam outras possibilidades. É importante lembrar que a confirmação desse cenário seria um grande problema para o Brasil, mas também para o mercado americano, que sofreria desabastecimento.
Que tipo de apoio é possível esperar do governo brasileiro para auxiliar os pequenos exportadores?
Rita - A ajuda governamental é sempre bem-vinda nesses casos. Para além do óbvio, como as linhas de crédito, subsídios ou programas de inteligência de mercado, espera-se principalmente que as agências que apoiam os exportadores, como a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e o Sebrae, busquem alternativas em outros mercados, além de facilitar processos que fogem ao controle das empresas.
As empresas não estão paradas nem esperando por um milagre; elas buscam alternativas, seja com suas matrizes de fora ou, no caso das pequenas, explorando mercados vizinhos e países com os quais o Brasil já possui acordos comerciais, como os do Mercosul. O mundo está atento a essa situação. Entretanto, não há no momento nenhum conhecimento de movimentos concretos do governo.
As empresas ainda estão buscando soluções, incluindo a transferência de parte da fabricação para outros mercados para fugir do tarifaço, dependendo dos custos e da viabilidade. Gostaria de ver mais movimentação por parte do governo e que o Brasil fosse mais ousado na diplomacia, buscando um acordo mais favorável, efetivo e rápido. O transtorno é grande, com muitos segmentos paralisados e sem saber o que fazer com a produção.
Quais são as principais lições que os pequenos negócios brasileiros podem tirar dessa situação para se tornarem mais resilientes e competitivos no cenário global?
Rita - Dizem que toda dor traz um aprendizado. Essa situação faz com que as empresas fiquem mais alertas para este e futuros desafios. É crucial ter planos B e alternativas em qualquer negócio. É um momento muito difícil para os empresários brasileiros, que precisam repensar, buscar novos negócios e mercados e se posicionar de forma estratégica. É uma experiência negativa que gera novas alternativas, apesar de todo o transtorno.
A esperança é que o governo americano também leve em consideração que o Brasil é destino de suas exportações e um grande comprador de produtos de alta tecnologia. Além disso, o investimento estrangeiro direto nos Estados Unidos feito pelo Brasil é alto e precisa ser considerado. O que realmente importa é um bom entendimento entre os governos e a busca por caminhos alternativos que não sejam tão predatórios.
IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP