Sam's Club e Carrefour intensificam apostas nas marcas próprias
Com a inflação recorrente, que reduz o poder de compra do brasileiro, o grupo investe em produtos que custam até 15% menos que as marcas líderes

Historicamente, as marcas próprias estiveram atreladas a uma escolha de consumidores com um orçamento limitado, especialmente em períodos de crise econômica. Foi assim que, nas últimas décadas, com a inflação em alta, as marcas próprias conquistaram um cobiçado espaço nas prateleiras ao lado de marcas nacionais consolidadas.
Com maior experimentação, esses itens deixaram de ser associados à baixa qualidade e foram ganhando maior percepção de valor real. Também chamados de private label, esses produtos exclusivos de cada varejista têm sua distribuição controlada, identidade visual personalizada e movimentam mais de US$ 300 bilhões no mundo. Segundo dados da consultoria Circana, essa categoria representa 22% do mercado de bens de consumo nos Estados Unidos, 39% na Europa e 36% na Austrália.
Fazendo uma análise sobre a evolução dessa categoria, Daniel Morimoto, vice-presidente Latam da Circana, resume que as marcas próprias foram de produtos de baixo custo, nos anos de 1980, para cópias de grandes marcas nos anos 2000. Passaram a ter foco em preço em meados de 2008, atingiram a fidelização em 2012 e chegaram à diferenciação em 2015.
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Dez anos depois, hoje, a categoria vive uma fase marcada por estratégias orientadas por dados e foco no consumidor "e competem de igual para igual com marcas tradicionais, mas também lideram categorias que antes eram consideradas intocáveis.”
Ainda assim, Morimoto destaca a jornada de compra como um desafio no varejo alimentar e aponta que o brasileiro costuma transitar entre oito e doze canais de compra - cenário que fragmenta a jornada e reduz a fidelidade. Nas palavras do especialista, o cliente compra onde encontra a melhor promoção, com uma boa experiência ou o mais perto possível de casa.
A experiência do Grupo Carrefour
Inspirado no modelo europeu, o Grupo Carrefour no Brasil sempre trabalhou com itens que levavam seu nome, mas, nos últimos anos, tem assistido a uma crescente nesse consumo. Na prática, a varejista mapeia o comportamento do cliente cruzando dados de três bandeiras distintas: Atacadão, Carrefour e Sam’s Club. Assim, busca identificar oportunidades no ecossistema do grupo.
O Carrefour soma mais de 3 mil SKUs de marcas próprias entre azeites, peixes enlatados, salgadinhos, biscoitos, massas, bomboniere, carnes e frutas. No Sam’s Club, são 800 itens sob a marca Member’s Mark.
Ao longo deste ano, o Sam's Club no Brasil alcançou mais de 3,8 milhões de sócios, ao mesmo tempo que reúne 35 milhões de cadastros no programa Meu Carrefour e uma base expressiva de usuários ativos no aplicativo, que acessam a plataforma para aproveitar cashback e cupons e também para conferir ofertas personalizadas.
Atualmente, 62% dos consumidores têm produtos Carrefour na cesta de compras. No caso do Sam’s Club, o índice é ainda maior: 91,5% dos sócios ativos têm itens da marca própria Member’s Mark nos carrinhos. Em 2024, as marcas próprias Carrefour e Member’s Mark registraram aumento de 0,8 ponto percentual na participação em relação a 2023.
"Hoje, as marcas próprias no varejo têm tudo a ver com a fidelização do consumidor e saíram daquele lugar genérico. Elas têm força suficiente para além da precificação e estamos assistindo a uma mudança de cultura de consumo, pois elas se tornaram a marca preferida do comprador e não uma alternativa ao que eles normalmente compram", diz Ana Laura Tambasco, diretora-executiva de marcas próprias no Grupo Carrefour.
Entre as escolhas mais assíduas dos clientes, ela cita o leite condensado do Carrefour, da linha Classic. Em tempos de misturas lácteas, a varejista apostou no item integral e com alto nível de gordura, que o deixa mais próximo do líder de vendas e com preço mais competitivo. A água de coco e os biscoitos de polvilho também são destaque - esse último item, inclusive, não tem concorrência e é a única opção de biscoito vendida no Carrefour.
Ao contrário dos hipermercados tradicionais, que valorizam o vasto sortimento, o Sam's Club vai na direção oposta, com um ar de exclusividade, poucas opções de marcas e com predominância de marca própria. Por lá, o lava-roupas da Member’s Mark, desenvolvido por um fornecedor brasileiro, é o auge das vendas e motivo de muitos associados irem até o clube de compras. O item foi incorporado e hoje é exportado também para unidades do Carrefour, revela a executiva.
"Temos de ter as escolhas certas e que se alinhem à nossa proposta, com preços realmente diferenciados. Nisso, a nossa marca, a Members Mark, é uma fortaleza, com produtos de alta qualidade, grande parte importados, a preços muito competitivos", diz Ana Laura.
Entre os produtos mais procurados estão os da seção de bomboniere e os de higiene e limpeza. Essas seções disponibilizam tamanhos diferenciados e especiais, que proporcionam maior rendimento. Atualmente, a Member’s Mark participa com 24% das vendas do Sam’s Club e 8 em cada 10 sócios têm um produto Members Mark no carrinho.
Assim como em outros lugares do mundo, Ana lembra que o modelo de negócios do Sam's Club é baseado em uma loja simples, enxuta, embalagens econômicas a preço justo, porém, com uma curadoria que sempre surpreende.
Apesar das diferenças entre os públicos, a exigência para com os produtos é a mesma, a fim de garantir que, na ponta, o cliente reconheça o produto como bom e seguro para o seu consumo. O que também é unânime em todos os negócios, segundo Ana Laura, é o desafio de superar a barreira da experimentação, que é o primeiro passo para aderir a uma marca própria. Na sequência, vem a consistência na qualidade, que é o que segura o cliente, segundo a executiva. "Em algumas categorias, somos líderes de mercado."
Nessa combinação de negócios, vem o maior tesouro que qualquer varejista busca: dados. Ana diz que o Grupo tem usado isso para criar segmentação, algoritmos e personalização e devolver em experiência aos sócios. Hoje em dia faz parte do negócio saber quem tem filhos, quem é vegano, quem se interessa por produtos importados, qual o tempo de recompra de cada produto e como entregar isso em uma jornada multicanal para os clientes, seja em forma de oferta, de lembrete de compra, de indicação de produtos por perfil similar, de cashback ou de parceiros em benefícios, diz a executiva.
Para fortalecer essa veia de indústria, Ana diz que a parceria com fornecedores envolve um olhar atento do Grupo, que oferece treinamentos, apoio técnico e exige certificações de qualidade e responsabilidade socioambiental. Muitos desses parceiros, de acordo com a executiva, recebem suporte logístico, capacitações e regras de precificação oferecidos pelo grupo. Hoje, mais de 300 parceiros nacionais e internacionais fabricam produtos para as duas bandeiras.
Outro alvo é trabalhar as marcas próprias do Grupo como impulsionadoras de pequenos e médios produtores locais, que podem fazer da rede uma oportunidade de escalar negócios em nível nacional. Segundo a executiva, atualmente, 43% dos fornecedores de alimentos, limpeza e perfumaria são regionais, com unidades produtivas fora do estado de São Paulo.
Para integrar o portfólio de marcas próprias, Ana Laura explica que os fornecedores precisam atender a critérios rigorosos: oferecer produtos pelo menos 15% mais baratos que os líderes de mercado, garantir ao menos 50% de aprovação em testes cegos e apresentar perfil nutricional igual ou superior ao das marcas de referência. Além de passar por auditorias sociais, que garantem condições de trabalho adequadas, há também controle rigoroso de qualidade e do desenvolvimento das embalagens, comenta Ana.
IMAGEM: Carrefour/divulgação