Turismo pet friendly tem potencial, mas esbarra na falta de serviços

A empresa Cãomigo percebeu essa demanda e tem desenvolvido roteiros em diferentes regiões do país com o suporte de restaurantes e hotéis que embarcaram na ideia

Rebeca Ribeiro
27/Ago/2025
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Turismo pet friendly tem potencial, mas esbarra na falta de serviços

Programar uma viagem é um grande desafio, e a tarefa fica ainda mais complicada para tutores de animais de estimação, que precisam buscar hotéis, restaurantes e atividades que aceitem seus pets. De olho nessa dificuldade, e com base nas próprias experiências, Sharlene Irente fundou a Cãomigo em 2017, empresa especializada em turismo para cachorros. Mais tarde, em 2023, Maria Paula Mansur Mader entrou como sócia no negócio. 

“Eu já fazia esse tipo de atividade com meus filhos de quatro patas e comecei a perceber que outras pessoas desejavam fazer o mesmo”, conta Sharlene. Os passeios organizados por ela iniciaram em cidades do interior de São Paulo, como Jundiaí e Cabreúva, como atividades que buscavam promover o bem-estar dos tutores e dos cachorros.

“Em 2017, a oferta de restaurantes e pousadas que aceitavam animais de estimação era menor. Então, tivemos que realizar uma busca ativa nas cidades por estabelecimentos dentro do roteiro que tinham essa abertura”, recorda Sharlene. Atualmente, essa busca é realizada pelos guias de turismo parceiros da empresa, que realizam a prospecção de hotéis, restaurantes e pontos turísticos de acordo com cada passeio.

Os roteiros envolvem trilhas, banhos em cachoeira, dia na praia, banho em represa, entre outras atividades pensadas para envolver os animais. Hoje, os passeios chegam a 13 regiões brasileiras e são divididos em três grupos: passeios de um dia, geralmente em cidades próximas de onde o cliente reside, que costumam ser de fácil acesso e ocorrem em grupo; passeios de final de semana, onde são selecionados restaurantes e pousadas; e os passeios privativos, que atendem a uma necessidade específica do cliente e possuem atividades personalizadas.

Os roteiros são pensados para oferecer experiências novas aos pets, como nadar pela primeira vez

 

“Às vezes o cachorro não se dá bem com outros animais ou o tutor deseja um roteiro apenas com a família e recorre ao tipo de passeio personalizado”, diz Maria Paula. Mas, segundo ela, o carro-chefe da empresa ainda são os passeios em grupo.

Com faturamento anual de R$ 97 mil em 2024, a Cãomigo realizou mais de 200 passeios desde que iniciou as atividades, entre viagens e trilhas, e até a metade do segundo semestre de 2025 havia realizado 177.

Os roteiros são uma oportunidade de os tutores fornecerem novas experiências aos seus cachorros, como nadar ou ter contato com a natureza. “Uma experiência marcante se deu quando um cachorro chamado Happy entrou na água pela primeira vez. Ele estava com medo, arranhou a tutora inteira quando foi entrar no rio, mas ela estava com um sorriso enorme e só dizia ‘ele nadou, ele nadou’. Outro dia tivemos uma tutora que chorou muito porque a Golden dela de dez anos nadou pela primeira vez”, conta Sharlene.

Todos os passeios são pensados para garantir o bem-estar dos pets. “Costumo dizer que cachorro nós amamos como filho, mas entendemos que são cães. Por isso, é importante respeitar o limite de cada animal para não os colocar em situações que geram estresse”, diz.

Ainda que os roteiros sejam elaborados para oferecer experiências aos cachorros, eles também buscam uma interação entre os tutores dos animais, com brunchs e passeios por pontos turísticos das cidades.

O carro-chefe da Cãomigo são os passeios em grupo, nos quais os animais podem interagir

 

Multiplicadores

Além dos roteiros, a Cãomigo oferece capacitação em turismo voltado para animais de estimação. A proposta é suprir a falta de bons profissionais nesse mercado. Apesar da crescente demanda por serviços pet friendly, a oferta ainda é pequena e com qualidade duvidosa, diz Sharlene. “Falta capacitação no mercado, é algo muito amador. Encontramos muita informação de influenciadores que se denominam especialistas no assunto, mas nunca passaram por uma capacitação voltada ao turismo”, diz.

Segundo as sócias, lidar com fornecedores e parceiros locais nesse mercado é mais desafiador do que lidar com os cachorros por conta dos preconceitos que muitos ainda têm do trabalho envolvendo animais, por temerem que eles estraguem algo, o que dificulta a oferta de hotéis e restaurantes dentro do roteiro turístico. 

Segundo Maria Paula, os tutores são consumidores exigentes, que esperam que seus animais sejam bem tratados nos estabelecimentos, “mas acabam se deparando com prestadores de serviços amadores, que têm placa de pet friendly no estabelecimento, mas não possuem higiene ou serviços adequados para o animal.”

Para tentar melhorar esse cenário, a Cãomigo elaborou o programa de capacitação, que envolve parceiros da empresa que desejam utilizar a marca para oferecer o serviço em suas cidades. Para realizar o treinamento, é necessário que o candidato seja formado no curso técnico de turismo, no qual aprende a criar roteiros, entre outras funções de um guia.

A capacitação envolve um curso de 30 horas, entre vídeos e treinamentos práticos, para que o guia aprenda sobre turismo multiespécie e também a lidar com situações que podem prejudicar a saúde do animal, entendendo como reagir nesses casos.

“Quando esse profissional é capacitado para atender a uma família multiespécie, ele entende que às vezes é preciso adaptar o passeio, que uma rota com uma escada pode não ser legal para o animal”, explica Sharlene. 

As sócias fazem a seleção dos potenciais parceiros e fornecem o curso de capacitação, a marca, site, acesso à comunidade de guias da Cãomigo e sistema de pagamento. Já o parceiro fecha um contrato de exclusividade com a marca e fica proibido de compartilhar o curso de capacitação com outras pessoas.

Segundo as sócias, trata-se de uma relação de troca, uma vez que o parceiro é quem conhece os pontos turísticos das cidades, restaurantes e pousadas. Por sua vez, a Cãomigo oferece todo o suporte na hora de o guia preparar o roteiro e fica responsável pela venda dos ingressos. A Cãomigo fica com 20% do ticket vendido e o restante é repassado ao parceiro. A expectativa da empresa é chegar a 20 parceiros até o final de 2025.

“Temos um único parceiro em cada uma das 13 regiões onde atuamos, para que eles não concorram entre si. Além disso, são residentes da região e oferecem serviços apenas dentro da sua própria cidade”, diz Sharlene.

Ela compartilha que muitas pessoas não entendem o objetivo do turismo pet friendly e julgam o serviço caro. “Uma vez, uma cliente disse que estava muito caro ver o pôr do sol. Mas não é apenas assistir ao pôr do sol, tem um profissional que abdicou de seu tempo para estudar aquela trilha”, diz. “Apesar de alguns não entenderem isso, nós temos uma forte recorrência de clientes”, completa Sharlene.

Desafios 

No Brasil, há mais de 164 milhões de animais de estimação, segundo dados do Instituto Pet Brasil junto à Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). O setor pet deve encerrar o ano de 2025 com um faturamento de R$ 78 bilhões, crescendo em relação a 2024 (R$ 75,4 bilhões).

Caio Villela, presidente-executivo do Pet Brasil, enxerga o segmento de turismo pet como uma das maiores oportunidades de crescimento dentro do setor. “Os animais estão sendo incluídos em todos os aspectos do lar e, naturalmente, isso se estende às atividades de lazer e turismo”, diz.

Segundo Villela, a demanda no segmento já está consolidada, uma vez que as famílias desejam seus companheiros por perto em todos os momentos, inclusive nas férias e passeios, representando o futuro do turismo familiar. “Sabemos que o pet não é mais um extra, é parte integrante da família. Por isso, o setor desenvolve serviços e experiências que atendam a essa necessidade real e crescente do mercado."

Ainda que o segmento apresente forte potencial, Villela comenta que o principal desafio enfrentado é a alta carga tributária, que impede um maior crescimento. Segundo um estudo apresentado pelo instituto em 2024, uma redução de 60% na carga tributária setorial poderia gerar uma alta de 210% na arrecadação devido ao aumento no consumo.

Além disso, destaca que o câmbio é outro desafio para o crescimento do setor, uma vez que os insumos importados encarecem a produção de produtos pet, pressionando toda a cadeia, promovendo um ambiente desafiador para investimentos. “Precisamos ser realistas: sem mudanças estruturais no ambiente tributário, o cenário continuará restritivo. O turismo pet pode crescer, mas dentro de um mercado que encolhe em termos reais”, diz. 

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IMAGENS: Cãomigo/divulgação

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