ACCredito recalcula rota e se transforma para virar banco múltiplo

Fintech da ACSP, que no início se dedicou à concessão de crédito digital para pequenos negócios, agora passa a operar com carteira comercial de empresas de médio porte e também como banco de investimento, diz Milton Santos, presidente da instituição financeira

Karina Lignelli
15/Ago/2025
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ACCredito recalcula rota e se transforma para virar banco múltiplo

Criada em 2020 para oferecer crédito 100% digital e desburocratizado a micro e pequenas empresas ligadas ao sistema associativista paulista, a fintech ACCredito chega aos cinco anos de atividades após passar por alguns desafios, como a alta inadimplência pós-pandemia.

Mas também passou por mudanças estruturais e estratégicas ao receber um aporte de R$ 35 milhões, e investir em tecnologia para oferecer soluções como BaaS (ou serviços bancários, na sigla em inglês). 

Com a experiência adquirida em meio a reveses e avanços nesse período, decidiu recalcular a rota: atuando até então como Sociedade de Crédito Direto (SCD), a fintech se prepara agora para se transformar em banco múltiplo, novo modelo de atuação que está em vias de aprovação pelo Banco Central (BC).  

"Não queremos competir com grandes bancos no varejo. Nossa vocação é atender a empresa, com soluções financeiras personalizadas e foco no relacionamento”, explica o presidente da fintech, Milton Luiz de Melo Santos, que acumula mais de 40 anos de experiência em cargos de gestão públicos e privados no setor financeiro. 

Mas a trajetória da ACCredito começou bem antes. Lançada pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) em parceria com a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) em julho de 2020, dois anos após o BC autorizar as fintechs a operarem como SCDs, a ACCredito nasceu com o objetivo de inovar na concessão de crédito digital.

A proposta inicial de atender MEIs e MPEs por meio da plataforma 100% online fez com que, em pouco tempo, a fintech já operasse com cerca de 1,7 mil negócios em mais de 100 municípios paulistas. "A instituição foi montada com tecnologia de ponta visando esse público", lembra.

O avanço da pandemia, porém, atingiu duramente o público-alvo da ACCredito: a inadimplência disparou acima do esperado (superior a 7%), forçando uma reavaliação do modelo de concessão de crédito ao empreendedor direto na plataforma. "Muitas empresas tiveram dificuldade de pagar o empréstimo, outras fecharam e não conseguiram reabrir. Isso impactou severamente também a ACCredito, que dependia das empresas vendendo e faturando para operar."

Na expectativa de contornar o problema, a fintech montou uma equipe comercial e tentou atuar de forma híbrida, com contato presencial. Mas o problema se mostrou estrutural: se a nova plataforma era altamente disruptiva para facilitar a vida do empreendedor, o mesmo não acontecia com os interessados em acessar o crédito.

“Nosso público era altamente vulnerável, sem habilidades em tecnologia e pouca educação financeira. Também percebemos que o pequeno empresário brasileiro tinha necessidade desse contato face-to-face no processo de crédito - o que não era proporcionado pela plataforma 100% digital." 

Outra questão foi a limitação dos programas de garantia, como o Fampe (Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas, do Sebrae), que atingiu seu limite de perdas (7% da carteira) e, por isso, não conseguiu cobrir todo o montante de inadimplência gerado no pós-pandemia.

Com isso, de acordo com o presidente, foi preciso reduzir a estrutura de pessoal para atravessar o período de crise, e a plataforma foi bloqueada para novas operações (embora ainda exista).

"Como sócia-proprietária única, a ACSP percebeu que não era sustentável operar sozinha em um mercado de alta concorrência, e buscou parceiros especializados com o objetivo de tracionar os resultados", conta Santos. Foi assim que, com a entrada na sociedade da B100 Holding, do Grupo Planner, o jogo começou a virar.

Ecossistema sólido

Com o bloqueio da antiga plataforma, o caminho escolhido pela ACCredito foi a mudança de foco: a fintech deixou de operar com microcrédito puro e passou a atender empresas de porte maior, com operações mais estruturadas e garantias mais sólidas. Mas a grande virada ocorreu mesmo com a entrada de sua nova sócia em 2024, já que o investimento de R$ 35 milhões permitiu à fintech encaminhar o seu reposicionamento estratégico. 

Enquanto a ACSP manteve 50% das ações (preferenciais, sem direito a voto), a B100 assumiu as ações ordinárias e o controle por conta de sua especialização de mais de 30 anos em consultoria empresarial, contabilidade, auditoria e tecnologia da informação com foco em geração de resultados. Já de início, o objetivo foi o de transformar a ACCrédito em um banco múltiplo, que pudesse oferecer uma gama de outros serviços financeiros não só relacionados ao crédito. 

"Se de um lado a B100 trouxe expertise e mão de obra especialmente na área financeira, a ACCrédito contribuiu com sua experiência em conformidade e regulação", afirma Santos, que acredita que é esse quesito que deve agilizar sua transformação em banco junto ao BC. 

Com um ecossistema consolidado, que inclui corretora, gestora e administradora de fundos, a B100 trouxe não apenas capital, mas novas operações e canais de negócio, destaca.

A parceria também contribuiu para a profissionalização da gestão e a ampliação da atuação da fintech: entre os principais serviços que já estão em operação, segundo Santos, estão desconto de duplicatas - um trabalho com baixo custo de captação de clientes pela compra de recebíveis de pequenas/médias empresas junto a grandes contratantes.

Há também emissão de notas comerciais e debêntures com foco em empresas médias e incorporação de operações estruturadas no mercado de capitais, com garantia real acoplada para oferecer maior segurança. A ACCredito oferece ainda soluções como conta digital empresarial com pix e TED na plataforma BaaS, utilizada por parceiros que oferecem contas aos seus clientes, como é o caso dos marketplaces, e também tem parceria com o BNDES

"Somos a única SCD autorizada a operar como repassadora de recursos das linhas de crédito da instituição, oferecendo operações de longo prazo com taxas de juros menores (1,8% ao mês)."

Nesse novo estágio, a ACCredito também quer usar a capilaridade das associações comerciais como canais de distribuição de serviços financeiros, atuando em um modelo semelhante ao de cooperativas financeiras como Sicredi e Sicoob, por exemplo.

Passo fundamental

O processo de transformação de SCD em banco múltiplo começou porque a ACCredito percebeu que, para crescer e oferecer um leque mais amplo de serviços financeiros (além do crédito), precisava ser um banco. A figura da SCD criada pelo Banco Central em 2018, para regulamentar fintechs de crédito, impõe muitas limitações de crescimento, explica Milton Santos.

Outra questão é que o Banco Central não aprova que uma entidade sem fins lucrativos (como a ACSP) controle um banco, exigindo uma mudança de comando para uma entidade com 'donos claros', explica o presidente da fintech. Daí o papel da B100 na transformação.

"Sua entrada assumindo o controle será um passo fundamental para o Banco Central aprovar a transformação da ACCrédito SCD em um banco múltiplo, que vai operar com a carteira comercial e também como banco de investimento."

Como etapas do processo, estão a aprovação do Banco Central da transferência do controle para a B100. Na sequência, a aprovação dos sócios (ACSP e B100) em assembleia geral, seguida pela submissão do Plano de Negócios ao BC, para mostrar, entre outros detalhes, como o banco operará, a quem atenderá (foco em PJ, e não varejo com pessoa física), onde atuará e também sua viabilidade econômico-financeira. 

"A ideia é oferecer um ecossistema completo: crédito, conta digital, pix, boleto, cartão e serviços integrados de BaaS", afirma Santos, que diz que já existem algumas empresas-clientes que movimentam até R$ 80 milhões/mês por meio das contas digitais ACCrédito, e mais de 100 fundos de investimento operando pela instituição.

Embora a aprovação para criação de um novo banco leve normalmente de um ano a um ano e meio até a conclusão, a ACCrédito espera um processo mais rápido por já ser uma instituição reconhecida e autorizada pelo BC, e a B100, ser uma instituição consolidada e com aval da autoridade monetária para operar.

Com o avanço do processo regulatório e novas rodadas de capital previstas, a perspectiva é que a fintech se consolide como banco digital voltado a empresas de médio porte, e a B100 se torne controladora majoritária, enquanto a ACSP ficará com 100% das ações preferenciais nominativas (com preferência na distribuição de dividendos, sem direito a voto ou controle), ajudando o futuro banco a se alinhar ao ecossistema das associações comerciais. 

"Queremos utilizar as associações comerciais locais como pontos de venda para conquistar clientes no Interior paulista, onde a concorrência é menor e a confiança é estabelecida por meio delas", sinaliza o presidente da ACCredito.

 

IMAGEM: ACCredito/divulgação

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