Avenida Salim Farah Maluf se consolida como polo do varejo moveleiro de SP
Mudança no perfil socioeconômico e o aquecimento do mercado imobiliário da zona Leste da capital paulista fez o varejo especializado ultrapassar 30 lojas na via. E há potencial para mais crescimento neste ramo

A avenida Salim Farah Maluf, na zona Leste da capital paulista, é hoje um polo consolidado do setor moveleiro, com mais de 30 lojas especializadas em móveis prontos e planejados, além de artigos para decoração, colchões e jardinagem.
Desde os anos 1990, quando o primeiro estabelecimento de decoração abriu na via, o número de lojas cresceu significativamente, acompanhando o dinamismo do mercado imobiliário local e a evolução do perfil socioeconômico da região. Esse crescimento é impulsionado pela facilidade de acesso e pela conectividade da avenida, que liga a zona Leste ao Centro da cidade, atraindo consumidores em busca de conveniência e variedade.
O Shopping Garden foi pioneiro no segmento de decoração na Salim Maluf, como é popularmente chamada a avenida de 7,5 km de extensão, abrindo suas portas em 1999, no número 2.111, no Tatuapé. Começando com itens de jardinagem e paisagismo, a loja ampliou gradualmente seu catálogo, passando a oferecer móveis e objetos decorativos para ambientes internos e externos.
A via, que leva o nome do engenheiro e político paulistano, foi construída entre as décadas de 1970 e 1980 como parte de um ambicioso projeto de reestruturação viária, com o objetivo de melhorar o fluxo entre os bairros do Tatuapé, Belém e Vila Prudente. Hoje, é uma das principais ligações entre as marginais e os bairros da zona Leste, servindo como importante corredor de acesso para motoristas e escoamento comercial.
Com o passar dos anos, o eixo ganhou vitalidade urbana e passou a atrair empreendimentos residenciais e comerciais, o que ajuda a explicar sua recente vocação para o varejo de móveis e artigos para casa.
Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie e coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos (NEU) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), enumera alguns fatores para essa tendência na avenida, ressaltando a importância que a zona Leste vem conquistando nos últimos anos do ponto de vista econômico, social e urbanístico.
“O perfil socioeconômico mudou na região e temos um vetor de crescimento em que diversas classes podem ser beneficiadas por essa expansão. A demanda de consumo é muito variada, oscilando facilmente da classe A até a D e E”, diz.

Segundo Caldana, não é só o Tatuapé que tem experimentado esse crescimento. Outros bairros, como Carrão e Mooca, mostram perfil parecido.
A avenida Salim Farah Maluf já era conhecida pelas lojas de móveis, em especial, os planejados. “No entanto, após a pandemia, a consolidação de polo moveleiro na região se tornou concreta. E isso tem muitas explicações”, diz o professor. A facilidade de acesso da avenida é a principal delas e é proporcional ao tipo de produto vendido lá.
Espera-se que o polo Salim Maluf cresça ainda mais. “Nos últimos cinco anos, a relação com a residência mudou muito, por questões sociais, econômicas e tecnológicas”, avalia Caldana.
A popularização do home office transformou a casa em um espaço multifuncional, que agora também serve como escritório, escola e área de lazer. Com mais tempo dentro de casa, cresce a busca por conforto e bem-estar, refletida em escolhas de decoração e mobiliário que promovem acolhimento.
Além disso, a automação residencial e outras tecnologias integradas têm tornado o dia a dia mais prático e personalizado. Mudanças no estilo de vida, especialmente entre gerações mais jovens, passaram a incorporar ambientes minimalistas e sustentáveis. A crise econômica também levou a adaptações, com maior otimização de espaços e reformas. Isso tudo ajuda a explicar o avanço de um polo moveleiro na cidade.
Outro grande motivo é que a avenida Salim Farah Maluf acompanha o forte dinamismo do mercado imobiliário na zona Leste. Entre março de 2023 e fevereiro de 2024, o bairro do Tatuapé foi responsável por cerca de 66% de todos os lançamentos residenciais na região, segundo dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis (Secovi).
Em 2022, o Tatuapé registrou 2.374 unidades lançadas, o que correspondeu a 9,4% de todos os lançamentos da capital paulista naquele ano. O bairro segue como um dos mais aquecidos do mercado, tendo ocupado, em 2023, o segundo lugar em volume de vendas de imóveis na cidade.
Teodoro Sampaio
Situação semelhante viveu a rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona Oeste. Ela começou a se destacar como polo moveleiro na década de 1960, quando a região passou a receber lojas especializadas em móveis antigos, de design e objetos de decoração.
Esse crescimento se consolidou ao longo das décadas seguintes, especialmente nos anos 1970 e 1980, tornando-se um dos principais centros em São Paulo para móveis vintage, antiquários, brechós e também para a cultura musical, com diversas luthierias e lojas de instrumentos.
Embora o segmento tenha passado por transformações, a Teodoro Sampaio segue como um ponto de encontro para quem busca autenticidade e história no mobiliário e na cultura local.
Paralelamente, a Salim Maluf tem se destacado com um perfil renovado, apresentando lojas amplas, showrooms modernos e foco em móveis novos e planejados - atendendo tanto consumidores residenciais quanto microempreendedores da região. “A região ainda é relativamente emergente como polo e longe de estar saturada, o que apresenta um enorme potencial para crescimento”, destaca Caldana.
Questionado sobre concorrência nos polos comerciais, o professor do Mackenzie explica que, juntos, os comerciantes são mais fortes. Ou seja, os polos se tornam referência de um determinado tipo de produto.
“É uma concorrência saudável, mas que é muito importante para a força de vendas. Quem vai à avenida para comprar, certamente já tem em mente o que quer e não precisa ser atraído por outros atributos de comércio. Aí, a negociação depende dos lojistas. Vence quem tiver a melhor proposta e o produto que agradar mais a um determinado consumidor”, diz.
Pioneira
Uma das pioneiras do polo moveleiro na avenida Salim Farah Maluf é a Edy Planejados, empresa familiar fundada em 1968 e hoje referência em móveis de alto padrão na região.
A história da marca começa com o imigrante libanês Abdul Moussa, que abriu a primeira loja na avenida Campanella, em Itaquera, também na zona Leste, vendendo móveis convencionais, porque não existiam planejados.
A homenagem à esposa e matriarca da família, Edy, deu nome ao negócio, que atravessou gerações e se reinventou ao longo das décadas. Em 1989, o senhor Abdul faleceu em um acidente de carro e a família administrou o negócio.
Foi em 1995 que a Edy deu um passo decisivo rumo aos planejados, tornando-se uma das precursoras desse segmento na capital paulista. “Na época, era tudo muito novo. O mercado de planejados ainda engatinhava, mas a família decidiu apostar exclusivamente nesse tipo de mobiliário”, conta Lucas Moussa, neto do fundador e atual diretor e sócio da empresa.
A unidade da Salim, uma das mais antigas da rede, acompanha o crescimento da região há quase 25 anos, pois foi inaugurada no início dos anos 2000.
A marca opera com sete unidades próprias. Além da avenida Campanella (ainda no mesmo ponto inaugurado pelo senhor Abdul) e da Salim Maluf, as lojas da Edy Planejados ficam no Shopping Interlar Aricanduva, no Lar Center e nas avenidas República do Líbano e Pacaembu - todas na capital paulista-, e na avenida Portugal, em Santo André, na Grande São Paulo.
“Nós participamos ativamente desse desenvolvimento, não só da Salim, mas da zona Leste como um todo. Regiões como o Anália Franco e a Mooca têm um potencial enorme, e vemos tudo isso com bons olhos. Nossa loja tem um crescimento muito expressivo, com uma grande carteira de indicações”, afirma Moussa.
Para ele, a consolidação do polo e o aumento da concorrência são benéficos para o setor e para a zona Leste toda. “Isso é positivo para todo mundo, especialmente para o consumidor, que passa a contar com empresas mais sérias, qualificadas e comprometidas em oferecer o melhor serviço e reduzir custos. Enxergamos esse movimento como algo muito bom e torcemos para que a região cresça ainda mais. Esperamos continuar aqui por muitos anos”, diz o diretor da Edy.
Mapeamento
A Associação Comercial de São Paulo e a Universidade Presbiteriana Mackenzie iniciaram um estudo em parceria para conhecer novos polos varejistas de rua de São Paulo. Apesar de não incluir a avenida Salim Farah Maluf - por tratar apenas de comércio diversificado -, a primeira etapa da pesquisa “Conhecendo os Polos Varejistas de Rua da Cidade de São Paulo” foi concluída.
Foram identificados e mapeados mais de 400 polos de varejo diversificado, classificados em três níveis distintos.
O objetivo é oferecer um instrumento estratégico para o setor privado - especialmente pequenos e médios empreendedores - e também para a formulação e o monitoramento de políticas públicas. Além do mapeamento, o projeto prevê a criação de um Índice de Qualidade Urbanística, que avaliará as potencialidades e deficiências dos polos varejistas de rua paulistanos.
Segundo Beatriz Messeder, arquiteta e coordenadora técnica do Conselho de Política Urbana (CPU) da ACSP, o estudo nasceu antes da pandemia da covid-19 e agora está em fase de atualização para entender melhor sobre a abertura e o fechamento dessas empresas.
“O monitoramento foi baseado em sete segmentos específicos que foram usados para caracterização do polo, como lojas de boticário, chocolaterias, farmácias, eletrocasa, redes de fast food, mini mercados e agências bancárias”, explica.
A expectativa é que os dados ajudem a aproximar comerciantes, consumidores e poder público, promovendo o desenvolvimento urbano e econômico de forma mais integrada e qualificada.
Ruas temáticas
Além dos polos diversificados, não é de hoje que as ruas temáticas, como está se caracterizando a Salim Maluf, são bastante conhecidas. Estima-se que São Paulo tenha cerca de 60 ruas de comércio especializado.
Para a arquiteta e urbanista Maria Alves, “as ruas temáticas, cada uma com sua especialidade, refletem a diversidade e o dinamismo comercial da capital paulista, além de serem espaços que atraem públicos segmentados e fomentam a economia local por meio da concentração de lojistas com interesses e produtos semelhantes”, comenta.
A mais emblemática é a Rua 25 de Março, no Centro, cuja origem remonta a 1887 como um polo de tecidos e armarinhos. Na virada do século XX, chegou a abrigar cerca de 500 lojas. Hoje, continua sendo o coração do varejo popular, reunindo desde eletrônicos e bijuterias até fantasias e artigos para presentear.
Ainda na região central, a Santa Ifigênia se consolidou como referência nacional em eletrônicos, enquanto a rua São Caetano, no Bom Retiro, ganhou o título de “Rua das Noivas”, com dezenas de lojas voltadas à moda nupcial, sendo considerada a principal via para casamentos na cidade.
Na Sé, a rua Conde de Sarzedas tornou-se endereço tradicional do comércio de artigos religiosos, com destaque para o segmento gospel. Já a rua Tabatinguera atrai quem busca essências, óleos aromáticos, itens para velas e produtos ligados à aromaterapia.
A Florêncio de Abreu, desde o século XIX, é ponto de referência para ferramentas, ferragens e equipamentos de proteção individual (EPI). No Brás, a rua Santa Rosa concentra grãos, especiarias e produtos naturais, consolidando a chamada Zona Cerealista.
A Mooca mantém seu perfil industrial e comercial com a rua do Gasômetro, especializada em materiais para marcenaria e construção. Na Luz, a rua Paula Souza atende profissionais do setor alimentício com sua ampla oferta de utensílios e móveis para cozinhas comerciais.
E, nas imediações da República e de Higienópolis, a rua Marquês de Itu se destaca pelo comércio voltado às artes plásticas, oferecendo tintas, cavaletes, molduras e materiais para artistas.
Esses são apenas alguns exemplos. No fim das contas, quem caminha por São Paulo descobre que sempre há uma rua com a cara da sua busca. E talvez esse seja o maior charme da cidade: ter um endereço certo para tudo.
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IMAGENS: Cibele Gandolpho/DC