Jucesp chega aos 135 com o desafio de implementar IA com segurança jurídica
A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) tem parceria com a Jucesp desde 2003, quando foi inaugurado o escritório regional da autarquia dentro da sede da entidade (foto), hoje o maior do estado, que realiza de 15 mil a 20 mil atendimentos por mês

Com 135 anos completos no último dia 19 de julho, a Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) cumpriu o previsto em 2024 ao reduzir o tempo médio de abertura de empresas de um dia e duas horas com meta de chegar a oito horas, podendo cair para até duas em alguns casos.
Agora, com quase 100% dos arquivos digitalizados, a Jucesp entra em nova fase, que aponta para um novo patamar: a implementação de inteligência artificial (IA) nos processos internos.
O objetivo com a IA, segundo o presidente da Junta, o contabilista Marcio Shimomoto, é tornar ainda mais ágeis e seguras as análises documentais e o cumprimento das normas do Código Civil e demais legislações pertinentes, como o DRE (Demonstração de Resultados do Exercício), para garantir a adequação dos documentos às regras vigentes.
A ideia também é digitalizar atos que hoje correspondem a uma parcela significativa dos serviços - como alterações contratuais, por exemplo, que representam 60% do movimento da Junta. Assim como aberturas de empresas, que podem ter ainda mais agilidade.
Hoje, empresas LTDAs (limitadas) correspondem a 90% do movimento da Jucesp. Mas, com o avanço do processo de digitalização e da implementação de inteligência artificial, atos de registro empresarial cada mais demandados, como cisões, fusões, cooperativas e até S/As, que têm crescido de forma significativa, ficarão ainda mais digitalizados, diz Shimomoto.
A expectativa é que a IA, em fase de verificação para implantação na Jucesp, seja aplicada em fases padronizáveis do processo de registro, para não comprometer a segurança jurídica nem engessar a diversidade das estruturas empresariais brasileiras.
No entanto, os desafios são grandes. Um é o volume imenso de solicitações mensais em todo o Estado de São Paulo (cerca de 270 mil), originado por públicos de diferentes níveis de familiaridade tecnológica. Estima-se que entre 50% e 60% dos usuários ainda enfrentem dificuldades básicas com ferramentas digitais, o que exige da Junta não só inovação tecnológica, mas também capacitação contínua e atendimento humanizado.
"A tecnologia é fundamental para uma nova forma de trabalhar e uma ferramenta crucial para a modernização da Jucesp, para enfrentar o desafio do 'analfabetismo digital', otimizar processos e digitalizar a maioria dos atos, visando uma operação eficiente e sem papel a partir de 2026", diz Shimomoto.
Aqui, a Jucesp também tem o papel fundamental de transmitir conhecimento para capacitar equipe e usuários sobre as tecnologias que estão sendo implantadas, segundo o presidente da Junta: muitos empreendedores não sabem o que é assinatura digital, nem elaborar contratos ou até o que é capital social, e por isso não conseguiriam transportar seus dados para o ambiente on-line. "Aí entra outra função da Jucesp, que é orientar os empresários a fazer essa transição."
Mesmo sendo uma ferramenta promissora para agilizar análises e verificar legislações, o principal desafio é como usar a IA com segurança jurídica e usabilidade prática.
"O mundo dos negócios é complexo, com muitas nuances e regras diferentes - o que dificulta a padronização total. Há o risco de engessar o mercado se a padronização for excessiva", explica Renan Luiz Silva, superintendente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e administrador regional do escritório da Jucesp localizado na sede da entidade, o maior do estado de São Paulo, que realiza de 15 mil a 20 mil atendimentos por mês.
O administrador acredita ainda que apenas algumas fases do processo podem ser padronizadas com IA, mas não todas, pois a análise humana e a chancela das informações ainda são cruciais para a segurança. "Por isso trabalhamos em conjunto para criar um sistema de inteligência artificial que poderá atender a todas as empresas em suas particularidades."
A implementação da IA também faz parte do desenvolvimento de um novo sistema na nuvem, um trabalho conjunto com a Prodesp (empresa de processamento de dados do Governo de São Paulo) que começou a vigorar em dezembro de 2024, segundo Shimomoto.
Esta primeira parte é focada em aberturas de empresas de baixo risco com contrato padrão. A próxima fase, a partir de 2026, incluirá alterações, aberturas com contratos não padronizados e S.As, segundo ele. Porém, ainda não há prazo definido para a implementação plena de IA devido ao grande volume de trabalho para a implantação da tecnologia de forma segura, e também porque depende do cronograma de desenvolvimento do sistema pela Prodesp.
Parceria com a ACSP
Uma trajetória marcada por avanços institucionais, modernização tecnológica e uma sólida parceria com a ACSP, que tem sido decisiva para tornar os serviços mercantis mais acessíveis aos empreendedores paulistas. Fundada em 1890, oito meses após a Proclamação da República, a Jucesp atravessou diferentes fases do desenvolvimento econômico e institucional paulista e do país, consolidando-se como um dos principais órgãos de registro empresarial.
Um dos marcos mais significativos da história recente da Jucesp foi sua transformação em autarquia de regime especial, por meio da Lei Complementar 1.187 de 2012 - o que garantiu maior autonomia administrativa, financeira e patrimonial, além de orçamento e gestão independente, segundo Renan Luiz Silva, que comanda o posto da Jucesp na ACSP.
"Essa mudança foi determinante para impulsionar a digitalização dos serviços", conta, lembrando que, na época, houve a transição da Jucesp da Secretaria de Justiça para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia.
Também foi o período em que iniciou o processo de digitalização da Junta, com implementação e disponibilização de documentos e informações online, tornando muitos serviços acessíveis de forma gratuita e eliminando a necessidade de deslocamento físico. Procedimentos como solicitações de abertura de empresas também passaram a ser feitos online.
A autarquia tornou-se também uma grande central de informações com o "Via Rápida", que reúne dados das prefeituras e informações de outros tipos de empresas (como as abertas com registro na OAB). A partir de 2019, com a criação do Integrador Estadual, a Jucesp passou a coordenar um fluxo único de registro empresarial, reunindo em uma mesma plataforma dados da Receita Federal, Secretaria da Fazenda, prefeituras e órgãos licenciadores.
Foi essa integração que reduziu drasticamente o tempo de abertura de empresas no Estado, processo que antes levava entre 60 e 90 dias, relembra Shimomoto. "A Jucesp se tornou parte da Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios), para eliminar a Via Crucis do empreendedor."
Porém, a modernização da autarquia não teria avançado sem a parceria com a ACSP, que remonta a 1999, com a Sala do Associado. Depois, em 2003, foi implantado o primeiro posto de atendimento como piloto na sede da associação, onde funciona até hoje.
Este modelo pioneiro evoluiu para escritórios regionais, com delegação da Jucesp para executar atos mais simples, expandindo-se para atos complexos como abertura de S.A. Desde então, segundo Silva, a rede de atendimento foi ampliada para cerca de 40 municípios, em parceria com associações comerciais espalhadas pelo Estado, e nas distritais da ACSP em cinco bairros da Capital paulista, descentralizando serviços antes concentrados na sede.
Hoje, o modelo descentralizado funciona como uma espécie de “franquia institucional” da Jucesp, oferecendo suporte presencial qualificado, agilidade nos registros e orientação empresarial gratuita — um diferencial importante principalmente para MPEs.
Sendo o maior de todos em fluxo de atendimento, o escritório da Jucesp na ACSP não gera ônus para o Estado, segundo Silva, sendo financeiramente autossuficiente. Os serviços são públicos e gratuitos, sendo pagos apenas os DAREs (documento de arrecadação). No caso do posto da ACSP, há uma taxa de serviço tabelada por lei (R$ 230) que financia a manutenção da unidade e oferece um atendimento qualificado, suporte dedicado e prazos menores.
"Esse modelo é reconhecido pelo mercado por sua capacidade de agregar e ajudar os empreendedores. O que é arrecadado cobre salários, estrutura e equipamentos e ainda repassa parte para a ACSP, que reinveste em tecnologia e infraestrutura", explica o administrador.
Além do registro de processos, os escritórios oferecem também serviços de consultoria empresarial para o empreendedor, que vai desde tirar dúvidas e orientar sobre documentos necessários para abertura de empresas até auxiliar em alterações (nome, capital, objeto, sócios) e encerramento de negócios. "Esse suporte é oferecido sem custo adicional para o Estado, e tem papel estratégico no desenvolvimento do ambiente de negócios", diz Silva.
A modernização da Jucesp também é reflexo do dia a dia dos empreendedores paulistas, diz Shimomoto, e serviços que antes exigiam deslocamentos à Capital, agora podem ser acessados pelo sistema Facilita-SP, que permite abertura, alteração e encerramento de empresas online.
Com presença ativa nas políticas públicas, como a implantação da Lei da Liberdade Econômica em São Paulo, e com novos postos prestes a serem inaugurados em bairros como Ipiranga e São Miguel Paulista nas distritais da ACSP, a Jucesp "reafirma seu compromisso com a desburocratização, a eficiência e o fomento ao empreendedorismo", diz o presidente da Junta.
Para Roberto Matheus Ordine, presidente da ACSP, essa relação histórica é mais do que estratégica: “A sinergia entre Jucesp e ACSP tornou o serviço público mais próximo e eficaz. É uma parceria que moderniza o ambiente de negócios e impulsiona o desenvolvimento.”
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IMAGEM: Ricardo Lui