Temer: tarifaço é consequência de distanciamento ideológico entre Brasil e EUA
Ex-presidente comentou sobre o atual cenário político e econômico em palestra na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP)

O ex-presidente Michel Temer disse que o tarifaço imposto por Donald Trump às exportações brasileiras é resultado do distanciamento entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos e de posicionamentos político-ideológicos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Temer fez as declarações na tarde de quinta-feira, 28, em palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Na análise do ex-presidente, o apoio de Lula à candidata da democrata Kamala Harris - que concorreu com Trump pela Casa Branca -, a falta de diálogo desde a posse do atual presidente norte-americano, o apoio a "regimes ditatoriais de esquerda" e a proposta, ventilada pelo presidente brasileiro, de substituição do dólar por uma moeda comum aos Brics trouxe um mal-estar entre os dois países. Na opinião de Temer, essas atitudes de Lula culminaram no tarifaço.
“Os Estados Unidos são tradicionalmente próximos de nós, por isso o correto seria, imediatamente após a posse de Trump, fazer uma visita. É preciso ser multilateralista, mas eu percebo que havia esse mal-estar”, disse o ex-presidente.
Temer também avaliou que a situação envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro foi um pretexto para impor o que ele chamou de “castigo econômico para o Brasil”, embora admita que a família Bolsonaro tem certo prestígio junto ao governo norte-americano.
Sobre a Lei Magnitsky e a retirada de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal, Temer julgou ser um "exagero do presidente norte-americano", uma vez que a lei é aplicada a corruptos, genocidas e aqueles que agridem os direitos humanos. “É absolutamente inviável um Estado estrangeiro impor uma decisão para a corte suprema brasileira, mas isso ocorreu, e traz problemas para a relação entre os países.”
O ex-presidente também questionou a "falta de ação" da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para tentar reverter o tarifaço. “O presidente da Câmara dos Deputados, ou do Senado, a essa altura já poderia ter ligado para o presidente da Câmara dos Estados Unidos e falado: ‘olha, os executivos estão com dificuldades, mas queremos fazer uma reunião para conversar sobre essa relação importante entre Brasil e Estados Unidos’.”
“Nosso poder Legislativo já deveria ter tomado uma providência, não adianta enviar comissão, precisa ir o presidente dos poderes para dialogar e verificar o caminho que precisa ser seguido, mas neste momento não vejo uma saída para o tarifaço”, disse Temer.
Outro fator mencionado pelo ex-presidente é que essa situação do tarifaço tem sido tratada como uma questão envolvendo Lula e Trump, e não a relação entre Brasil e Estados Unidos, algo que pode agravar mais a relação entre os países. Em tom crítico, Temer destacou a forma como o presidente Lula tem lidado com a situação, "tratando publicamente como algo político, sem dar a devida importância ao viés econômico."
Voto distrital
Além da questão envolvendo o tarifaço, Temer destacou a importância do voto distrital misto durante a palestra na ACSP. Há um debate no Congresso para retomar proposta do ex-senador José Serra que trata do assunto. Pelo texto, o voto distrital combinaria o voto proporcional no partido com o distrital majoritário. Nesse caso, o eleitor faria duas escolhas: o candidato de seu distrito e o partido de sua preferência.
Essa proposta, segundo Temer, acabaria com situações nas quais políticos pouco votados acabam assumindo cargos ao serem arrastados pela votação de correligionários. “Eu tive um momento na Câmara dos Deputados quando o Enéas Carneiro foi eleito Deputado Federal com mais de 1 milhão de votos e levou diversos deputados com ele, um deles tinha 285 votos”, disse Temer.
Em contrapartida, o ex-presidente comentou que outros deputados receberam mais de 30 mil votos e, pelo coeficiente eleitoral, não alcançaram o cargo.
Temer falou ainda que os partidos políticos passaram a ser "siglas partidárias", o que causou a "perda da significação de muitos deles". Para o ex-presidente, com o voto distrital misto, os partidos voltariam a ser valorizados. “De maneira interessante já começou uma distritalização do país, de forma que os candidatos chegam à Câmara com voto de uma localidade determinada”, disse.
“Ao ter o voto distrital misto, é possível consolidar os partidos, eles passam a ter uma relação de nomes com mais relevância e os distritos passam a ser representados, fazendo com que a população saiba com assertividade em quem votou”, comenta Temer.
Desarmonia entre poderes - Outra questão abordada pelo ex-presidente foi a desarmonia entre os poderes, como foi visto com o decreto sobre o IOF, que foi suspenso pelo Congresso e depois foi parar no judiciário. Temer destacou que, para o presidente conseguir governar, é crucial que ele tenha um bom relacionamento com o poder Legislativo, onde seus projetos podem ser aprovados.
Nesse mesmo sentido, Temer criticou a divisão que é feita no Brasil entre direita e esquerda, destacando que o que deveria ser considerado são os projetos de cada candidato e como eles irão atingir a sociedade.
Além do presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine, participaram da reunião Rogério Amato, coordenador-geral do Conselho Superior da entidade, Alfredo Cotait, presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Renan Luiz Silva, superintendente de Serviços Institucionais da ACSP e Ramy Moscovic, vice-presidente da ACSP.
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IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP