Brasil disputa protagonismo em IA verde com energia limpa e mercado em expansão

Principal vantagem do país está no mix energético majoritariamente renovável, apontam especialistas

Márcia Rodrigues
03/Set/2025
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Brasil disputa protagonismo em IA verde com energia limpa e mercado em expansão

Com quase 90% da eletricidade proveniente de fontes renováveis, como hidrelétrica, solar e eólica, o Brasil tem se consolidado como destino estratégico para a instalação de data centers de inteligência artificial (IA). O diferencial da matriz energética sustentável, aliado à escala de mercado e à conectividade internacional, tem atraído gigantes como Amazon e Microsoft, além de impulsionar novos projetos nacionais.

A principal vantagem do país está no mix energético. Segundo Ricardo Brandão, diretor de regulação da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), a matriz elétrica brasileira, majoritariamente renovável, garante uma operação de data centers com pegada de carbono muito menor que a média mundial. Isso é determinante para empresas que buscam cumprir metas de descarbonização.

Na mesma linha, Amanda Durante, CEO da iGreen, lembra que o fato de a maior parte da eletricidade brasileira vir de fontes renováveis é um diferencial gigantesco, porque os data centers têm uma pegada de carbono alta em outros países, enquanto aqui eles podem operar com energia de baixo impacto”.

Já Rafael Franco, CEO da Alphacode, destaca que o Brasil é um dos poucos países em que data centers podem ser construídos em escala sem grandes compensações ambientais, o que se torna “um ativo estratégico de reputação e compliance” para as big techs.

Impactos ambientais e mitigação

Franco explica que data centers consomem enormes quantidades de energia elétrica, não apenas para processamento, mas também para resfriamento, redundância e segurança de sistemas. Globalmente, eles já respondem por cerca de 2% a 3% do consumo de eletricidade. Quando movidos a fontes fósseis, isso gera emissões expressivas de CO2. “No caso do Brasil, a energia limpa reduz drasticamente esse impacto, tornando o país um dos poucos locais em que o crescimento do setor pode ocorrer de forma sustentável.”

Fernanda Belchior, diretora da Elea Data Centers, explica que em países com matriz fóssil há necessidade de altos investimentos para migrar para fontes limpas. No Brasil, porém, a infraestrutura já é naturalmente renovável, tornando os projetos mais sustentáveis e alinhados ao Acordo de Paris e metas Net Zero.

Segundo Ricardo Rondino, do Rondino Megale Advogados, a abundância hídrica brasileira também é um diferencial: “sistemas de resfriamento dependem desse recurso para garantir o funcionamento estável e eficiente dos servidores”. Isso reduz riscos operacionais e ambientais em comparação com regiões com escassez de água.

Mercado em expansão e geração de empregos

O impacto não é apenas ambiental, mas também econômico. Amanda lembra que investimentos em infraestrutura geram empregos diretos e indiretos, além de deixar “um legado de conhecimento, estimulando inovação e capacitação tecnológica”.

Franco reforça que o efeito se espalha por toda a cadeia: “empresas de software, segurança, refrigeração, energia, construção civil e logística se beneficiam”.

Expansão exige equilíbrio com infraestrutura

Mas há ponderações. Rondino observa que, embora a fase de obras mobilize investimentos e empregos, a operação rotineira dos data centers demanda pouca mão de obra, limitando a geração de postos permanentes. Para ampliar os benefícios, ele defende políticas de incentivo à formação profissional e ao desenvolvimento de cadeias produtivas digitais no entorno.

Fernanda lembra que o Brasil é o único país do G20 que tem uma matriz energética predominantemente renovável, após duas décadas de incentivos. “E os data centers podem agora gerar demanda por essa energia limpa, colocando o país em posição de vantagem.”

Risco de pressão sobre o sistema elétrico

O crescimento acelerado dos projetos de data centers traz também desafios. Para Franco, existe risco de a alta demanda pressionar a infraestrutura de transmissão e distribuição se não houver planejamento.

Para Amanda, a pressão existe em qualquer país, mas o Brasil tem duas vantagens: sobra estrutural de geração e expansão acelerada de fontes renováveis, como a solar, que já saltou de 1,5% em 2019 para mais de 20% hoje. “Se houver planejamento, esse risco se transforma em alavanca de expansão.”

Brandão lembra que as distribuidoras já investem continuamente na modernização das redes, mas reforça que a integração entre setor elétrico, reguladores e investidores é essencial para garantir segurança energética sem encarecer tarifas. “É importante que os investimentos sejam planejados em conjunto, para que a conexão de data centers ocorra de forma segura, sem pressionar tarifas nem comprometer a qualidade do fornecimento aos demais consumidores. Nesse sentido, a integração entre agentes do setor e o ambiente regulatório estável são fundamentais para equilibrar a expansão da demanda com a segurança energética do país.”

Incentivos e políticas públicas

Para fortalecer a atratividade, o governo brasileiro discute o programa Redata, que prevê isenção de impostos sobre equipamentos, contrapartidas de uso de energia renovável e incentivo à instalação em polos de geração limpa, especialmente no Nordeste.

Franco pontua que uma boa estratégia seria descentralizar os polos tecnológicos, com estímulo a data centers regionais, criação de zonas francas digitais e incentivos para que as empresas se instalem em regiões com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). “Também é fundamental fomentar a formação técnica fora dos grandes centros, por meio de parcerias público-privadas com escolas técnicas e universidades locais.”

Segundo Rondino, a política pode ser incorporada ao marco legal da IA e será decisiva para manter o país competitivo frente a vizinhos que já oferecem pacotes de incentivos mais ágeis.

Amanda complementa que a política nacional de data centers deve atrair até R$ 2 trilhões em investimentos na próxima década, movimentando cadeias produtivas como sistemas elétricos e equipamentos de resfriamento.

Hub regional de IA verde

Com um mercado interno robusto, conectividade internacional e abundância de energia limpa, os especialistas veem o Brasil com potencial para se consolidar como hub de IA verde.

Para Fernanda, o país já concentra 60% do mercado de data centers da América Latina e reúne condições únicas para expandir sua relevância global. Prova disso é o projeto Rio AI City, da Elea, que prevê a construção de um complexo de data centers no Parque Olímpico, no Rio de Janeiro, com capacidade inicial de 1,5 gigawatts e expansão para 3,2 gigawatts, com primeira entrega prevista para 2026.

Amanda reforça: “com os investimentos certos, o Brasil pode ser referência mundial em inteligência artificial alimentada por energia renovável”.

Potencial versus desafios tecnológicos

Rondino destaca que o país reúne vantagens naturais (clima, hidrografia, recursos energéticos renováveis, localização estratégica) e infraestrutura relevante, criando ambiente propício para atrair data centers de grande porte para hospedar soluções de IA. No entanto, transformar o Brasil em verdadeiro hub regional ou global da tecnologia associada à inteligência artificial depende não só desses pilares, mas também de investimentos contínuos em pesquisa, desenvolvimento e formação de talentos especializados.

“O domínio tecnológico efetivo e o treinamento de modelos de IA exigem esforços robustos em P&D e fomento à inovação, além do fortalecimento da colaboração entre empresas, universidades e polos de tecnologia. Assim, o país tem todas as condições para liderar regionalmente e disputar espaço global na hospedagem dos sistemas de IA, porém, vemos pouca ou quase nenhuma chance de sermos protagonistas do avanço tecnológico associado à IA.”

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