Tarifaço de Trump: PME que demorar para reagir já perdeu o jogo
Sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros começa a valer na próxima sexta, 01/08. Para Leonardo Leão, CEO da Brave Educação Empresarial, impacto será sentido também por empresas que não exportam para os Estados Unidos

A menos de quatro dias do início da taxação de 50% prometida por Donald Trump às exportações brasileiras, ainda não há no horizonte abertura para negociação entre os governos dos Estados Unidos e brasileiro para tentar reduzir danos e minimizar os efeitos da sobretaxa na cadeia produtiva.
Nesse cenário, o empresário que acha que está seguro porque não exporta para os Estados Unidos, está enganado. Em especial os pequenos: um aumento de 10% no custo dos insumos pode devorar toda a margem de lucro de uma PME. Por isso é preciso se movimentar já.
"Essa tarifa é como jogar uma pedra num lago, as ondas atingem toda a margem. O impacto é imediato e sistêmico", alerta o especialista em gestão de negócios Leonardo Leão, CEO da Brave Educação Empresarial, empresa de tecnologia e consultoria especializada em profissionalizar a gestão de pequenas empresas brasileiras para diversificar negócios no mercado internacional.
Sediada em Fortaleza (CE) e com filial em Portugal, onde é baseado o CEO, a Brave, que já impactou mais de 5 mil empresários e conta com 500 clientes ativos, além de atender empreendedores brasileiros também em Portugal, nos Estados Unidos, Austrália e África, começou a sentir os efeitos prévios da futura medida que deve afetar o Brasil até na Europa, disse Leão em entrevista ao Diário do Comércio, pois a medida causa um efeito dominó.
Todos os países vão ter algum tipo de impacto, e as pequenas empresas principalmente, de perda do poder de compra, além da quebra do ciclo de produção, alerta. Portanto, com a taxação, esses negócios não vão mais vender em dólar, mas regatear para vender no Brasil. Esse movimento, se por um lado pode ser bom para baratear custos, por outro significa menos dinheiro entrando no país.
"Nossa moeda vai perder valor também... E vai impactar principalmente os pequenos produtores do agro, o maior setor: muitos já estão em recuperação judicial e a taxação pode afetar ainda mais negativamente o dia a dia dos negócios."
Daí a importância de profissionalizar e fortalecer a gestão agora, reforça. "Nos próximos 12 meses, metade das PMEs pode quebrar. Não dá para prever quando Trump vai tuitar, mas dá para ter um negócio que aguente o tuíte", destaca. "A matemática é simples: empresas com gestão estruturada têm três vezes mais chances de sobreviver às crises. Estamos vendo um salve-se quem puder organizado, mas quem agir rápido pode sair até fortalecido."
Confira a entrevista com Leonardo Leão a seguir:
Quais serão os efeitos do tarifaço para pequenas e médias empresas brasileiras e como a Brave tem enxergado esse impacto no dia a dia da gestão financeira desses negócios?
O empresário que acha que está seguro porque não exporta para os Estados Unidos está enganado. Essa tarifa é como jogar uma pedra num lago, as ondas atingem toda a margem. O impacto é imediato e sistêmico. Com o dólar já cotado a R$ 5,60 no mercado futuro, temos um efeito cascata: combustíveis sobem e insumos básicos encarecem e atingem desde a padaria da esquina até a indústria de médio porte. Um aumento de 10% no custo dos insumos pode devorar toda a margem de lucro de uma PME – e estamos falando de aumentos potencialmente maiores.
Vou dar um exemplo concreto: um cliente nosso do setor de alimentos viu o custo do trigo subir 8% em apenas três dias após o anúncio. Ele opera com margem líquida de 12%. Se não ajustar preços ou reduzir outros custos, metade do lucro desaparece. E ajustar preços não é simples quando seus concorrentes podem ter estoques antigos e segurar valores por mais tempo.
O que é mais importante para as pequenas tentarem resolver de imediato?
É a velocidade da mudança. MPEs operam com capital de giro apertado, sendo que 67% delas têm caixa para menos de 30 dias, segundo dados que compilamos com nossos clientes. Quando o cenário muda tão rapidamente, não há tempo para ajustes graduais. É preciso agir agora.
Quais os pontos principais a atacar então?
Primeiro, é preciso revisar contratos imediatamente, principalmente os de longo prazo com preços fixos. Depois, simular três cenários de câmbio (R$ 5,50, R$ 6,00 e R$ 6,50) em todas as projeções. Também é preciso identificar os 20% de custos mais vulneráveis ao dólar e criar um plano B para cada um. E acelerar recebíveis: cada dia de atraso agora custa mais caro.
Neste cenário de instabilidade e risco de novas barreiras comerciais, o que muda no planejamento financeiro das PMEs? Quais os ajustes mais urgentes?
Acabou a era do 'fatura e torce'. Agora é 'lucra e blinda', ou a empresa não passa de 2025. A mudança é radical: sair do volume para a rentabilidade. Vi empresas faturando R$ 10 milhões por mês quebrarem porque só 2% viravam caixa real. Em tempos de bonança, dava para empurrar com a barriga. Agora, cada real que não vira lucro líquido é um passo para o abismo.
Quais os ajustes mais urgentes que toda PME deve fazer?
No atual cenário, os 5 ajustes urgentes que devem ser feitos em 48 horas são:
- Corte cirúrgico de custos: não é hora de cortar 10% de tudo. É hora de cortar 100% do supérfluo e zero do essencial. Uma análise que fizemos mostra que PMEs têm, em média, 23% de gastos que não agregam valor direto. É preciso encontrar os seus.
- Cash is king: transforme tudo em caixa. Aquele estoque parado? Queime. Duplicatas a receber em 60 dias? Antecipe com desconto. Melhor ter 90% do valor hoje do que zero se o seu cliente quebrar amanhã.
- Precificação dinâmica: preço fixo anual morreu. Implemente gatilhos de reajuste automático: dólar acima de R$ 5,70 é igual a reajuste de tantos por cento. Seja transparente com clientes, mas inflexível com a matemática.
- Diversificação expressa: A regra 70-20-10 salva empresas, isto é, 70% do faturamento no seu core business, 20% em adjacências, 10% em apostas novas. Se você tem 90% em um só cliente ou mercado, está na UTI empresarial.
- Reserva de guerra: Construa caixa para 90 dias de operação, não 30. 'Mas não tenho!', você diz. Então venda o que for preciso, renegocie tudo, mas construa. É questão de sobrevivência.
O planejamento agora deve ser semanal, não mensal. Toda segunda-feira é preciso revisar caixa, custos e recebíveis. Toda sexta: ajustar preços e prazos. Empresa que demora um mês para reagir já perdeu o jogo.
Quais setores já dão sinais de alerta? Há a percepção de antecipação de compras, revisão de contratos ou busca por alternativas nacionais?
Estamos vendo um salve-se quem puder organizado. Quem está agindo rápido pode sair até fortalecido. Mas o cenário por setor é revelador: Na indústria, o código já é vermelho. Três clientes nossos já cancelaram 40% dos pedidos para os Estados Unidos. Já um fabricante de autopeças está trazendo seis meses de estoque de componentes chineses agora. Também há contratos sendo escritos com a 'cláusula Trump': divisão 50/50 de prejuízos tarifários.
No agronegócio, é corrida contra o tempo. Frigoríficos estão antecipando abates, um cliente nosso aumentou o ritmo em 300% em julho. Cooperativas de café fechando contratos para a safra 2026 com preços travados. Em soja, há produtores segurando 30% da safra apostando em acordo futuro. Já tem até produtor de suco de laranja estudando montar fábrica no México.
E no comércio e serviços, qual o cenário atual?
No comércio, é inflação à vista. Um importador de eletrônicos disse: 'estou comprando estoque para seis meses, mesmo pagando juros'. Varejistas de material de construção reajustaram tabela três vezes em julho. Supermercados estão revisando o mix: menos importados, mais marcas próprias. Já nos serviços é efeito cascata. Transportadoras incluindo 'gatilho diesel': a cada R$ 0,30 de alta, frete sobe 5%. Escolas particulares congelando mensalidades temendo evasão e agências de marketing perdendo 25% dos contratos de exportadores, entre outros.
Na construção civil há uma espécie de corrida ao financiamento. Um cliente, por exemplo, captou R$ 5 milhões a 18% ao ano. Caro, mas em 2 meses pode estar a 25%. Já as construtoras estão trocando acabamentos importados por nacionais em projetos em andamento e os fornecedores exigindo pagamento à vista para materiais indexados ao dólar.
Há algum movimento inteligente que essas empresas podem fazer nesse momento?
O movimento mais inteligente que vemos são empresas criando pools de compra, ou seja, cinco ou seis PMEs se unindo para importar juntas e diluir custos. Colaboração é a nova competição.
Como uma gestão estruturada pode blindar o negócio, como o senhor disse, e se preparar frente a uma crise geopolítica desse porte?
Não dá para prever quando Trump vai tuitar, mas dá para ter um negócio que aguente o tuíte. A matemática é simples: empresas com gestão estruturada têm três vezes mais chances de sobreviver a crises. Não é opinião, é dado compilado junto aos nossos mais de 500 clientes nos últimos dez anos. Mas existem movimentos que fazem diferença, como informação em tempo real. Empresa que descobre problema no fechamento mensal, já morreu.
Para ajudar, dashboards diários para monitoramento de dados e métricas: vendas, custos, caixa. Vi um CEO cortar uma promoção às 14h porque às 11h viu margem negativa. E pensar em cenários, não fazer orações. Como, por exemplo, o cenário A, otimista: dólar a R$ 5,40, plano mantido. O B, realista: dólar a R$ 5,80, corta 15% dos custos, posterga a expansão. E o C, pessimista: dólar a R$ 6,20, modo sobrevivência, foco no core business. Quando o dólar bateu R$ 5,60, competidores ainda estavam em reunião, mas o CEO já estava executando o plano B.
E quanto ao capital de giro?
É preciso músculo financeiro baseado na construção de três pilares: margem de segurança, com mínimo de 15% de margem líquida (nas PMEs a média é de 5%); ciclo de caixa máximo de 45 dias (média das PME é de 75 dias) e índice de resiliência, ou capacidade de operar 90 dias sem faturar.
Também é importante criar um protocolo de crise. Como um piloto tem checklist para emergências, empresas preparadas, independentemente do porte, devem ter gatilhos automáticos. Por exemplo, dólar sobe 10%, então é protocolo ativado; papéis definidos (quem corta custos, negocia com bancos e fala com clientes) e comunicação programada (quando e como avisar stakeholders).
O segredo é preparar-se para a crise genérica, não a específica. Não sabemos se virá guerra, pandemia ou tarifa. Mas sabemos que algo virá. Empresa preparada dança conforme a música.
Qual deve ser a postura do empreendedor brasileiro, e o que vai diferenciar quem vai sofrer de quem vai se fortalecer na crise?
Crise é um espelho, mostra quem você realmente é como empresário. E muitos não vão gostar do que vão ver. A diferença é brutal, e começa na mentalidade. Como no perfil 'vítima' (70% dos empresários): 'o governo tinha que...', sempre esperando soluções externas.
'Não dá para competir assim', ou seja, já desistiu mentalmente. Há ainda a paralisia decisória: 'vou esperar passar'. Ou ainda o que corta tudo sem critério, destruindo o que construiu, e o que esconde problemas da equipe, gerando pânico e boatos, atrapalhando os negócios.
Mas há os que têm perfil protagonista, que são os 30% que prosperam. O que assume o controle e pergunta: 'o que eu posso fazer?' O que procura brechas: 'onde está a oportunidade?' 'Vou agir hoje', o que usa velocidade de guerra... E os que investem no essencial, fortalecendo diferenciais e também em transparência total. Afinal, equipe unida resolve mais.
E quais as ações que as PMEs podem pôr em prática nesse sentido?
O ideal é promover uma comunicação radical, com reuniões diárias de 15 minutos com a equipe. Transparência gera engajamento. Ter foco no controlável, o que posso e o que não posso. E velocidade de startup: decisão boa hoje vale mais que decisão perfeita em 30 dias.
Também é preciso ter mentalidade de abundância: com concorrentes quebrando, quanto mercado vou ganhar? Fazer investimentos anticíclicos também, como contratar talentos dispensados, comprar equipamentos baratos ou fechar pontos comerciais melhores.
Não se pode esquecer a obsessão pelo cliente: crise não é desculpa para piorar. É hora de surpreender e fidelizar. E ter foco no aprendizado acelerado: protagonistas estudam mais em crise. Já as vítimas só assistem ao noticiário o dia todo.
Quais as perspectivas que o senhor visualiza para as PMEs no atual cenário?
Perguntem-se: daqui a cinco anos, vou ter orgulho de como agi nesta crise? Se a resposta não for um sim enfático, mudem a estratégia agora. Já minha provocação final é: nos próximos 12 meses, metade das MPEs do seu setor pode quebrar. Isso é tragédia ou oportunidade? Sua resposta define seu futuro.
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